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Jane Kirtley: mundo atravessa momento que remonta o período entre guerras

Professora de ética, mídia e direito na Universidade de Minnesota, Kirtley realizou seminário sobre fake news, nesta terça-feira, no auditório do Correio

Claudia Dianni
postado em 07/05/2019 19:49
Jane Kirtley
Aprender filosofia, sociologia e história não é apenas um ideal filosófico. Essas disciplinas são essenciais para formar cidadãos críticos e garantir uma democracia funcional. As ciências humanas, ou as artes liberais, tornaram-se ainda mais importantes à medida que a tecnologia facilita a disseminação de notícias falsas, portanto, são ferramentas necessárias para as pessoas desenvolverem o pensamento crítico, o que ajuda a identificar fake news. O argumento é da professora de ética, mídia e direito na Escola Hubbard de jornalismo e comunicação de massa da Universidade de Minnesota, Jane E. Kirtley, que fez uma palestra ontem de manhã sobre Liberdade de Imprensa no auditório do Correio, em evento em parceria com a Embaixada dos Estados Unidos.

;Quando governos reduzem o acesso da sociedade a essas ciências, restringem as chances das pessoas de criticar e de tomar decisões por conta própria. E quando as pessoas não têm como interpretar os fatos por meio de uma abordagem crítica e racional, quando não podem questionar qual a fonte da informação ou qual a base para a afirmação, se não aprendem as técnicas para fazer isso, podem ser altamente manipuladas, e pessoas manipuladas não são livres, são pessoas sob controle de alguém, e muitas vezes não sabem ou não percebem;, disse Kirtley ao Correio.

Advogada e jornalista, Kirtley acredita que o mundo vive um momento perigoso, principalmente pela semelhança com os anos 30, um período de crise econômica, eclosão de governo totalitários e enfraquecimento da imprensa, em vários países, principalmente na Europa, que caracterizou o período entre as duas Guerras Mundiais. ;A mídia foi muito enfraquecida e as semelhanças hoje são claras. Essa é mais uma razão para uma educação livre, pois as pessoas que aprendem história, sociologia e filosofia ficam sabendo o que já aconteceu. A natureza humana não muda e sempre haverá pessoas prontas para explorar as divisões que já existem, para colocar umas contra as outras. E estamos vivendo isso;, comparou.

Segundo ela, depois da crise econômica de 2008, alguns legisladores do estado de Minnesota, onde leciona, defenderam o corte de fundos destinados às artes liberais. ;As pessoas passam a achar que um curso na área de ciências exatas, por exemplo, é maior garantia de emprego. Além disso, disse, setores da sociedade defendem que não se pode brigar com a ciência, pois 2 e 2 são quatro, e para isso não há interpretação. ;É um erro. Os fundadores dos Estados Unidos eram filósofos inspirados pelo iluminismo e eles escreveram a Constituição. É verdade que Thomas Jefferson era também um inventor brilhante;, disse. O que, de acordo com Kirltey, só reforça que não deve haver valorização de uma em detrimento da outra.

Mídias Sociais - Segundo ela, um exemplo dos riscos da desqualificação das ciências humanas e a supervalorização de outras áreas, consideradas ;mais práticas; é Marc Zuckemberg (dono do Facebook). ;Ele é técnico. Um cara da área de tecnologia que teve uma ideia brilhante e ganha muito dinheiro. Mas eles coletam informações das pessoas sem que elas saibam, vendem sem que elas autorizem e publicam fake news de propaganda política de governo estrangeiro, o que é proibido nos Estados Unidos, e quando são acionados, dizem que não sabiam ou não estavam percebendo, ou seja, há uma filosofia, que é ganhar o máximo de dinheiro sem se importar com privacidade e transparência;, disse. ;Eu culpo a falta de educação liberal, não no sentido econômico, mas multidisciplinar;.

Para a especialista, o problema não está na divisão da sociedade ;Muitas pessoas no Brasil apoiam ou não o presidente Jair Bolsonaro. E muitas pessoas nos Estados Unidos apoiam, ou não, o presidente Donald Trump. Isso é normal. Mas eu me pergunto se eles apoiam porque não entendem quais são as ramificações e consequências das políticas que eles adotam. As pessoas que discordam não boas nem más. Não tem um lado bom ou um lado ruim. Mas é possível que as pessoas tomem posições sem saber que estão sendo manipuladas. Isso, sim, é ruim. É contra isso que uma educação liberal funciona;, alertou.

Intimidação - ;Nem sempre é uma questão física, mas a intimidação é um padrão que vem acontecendo em muitos países, com jornalistas que tentam retratar a verdade. Para ela, quando o governo ataca a Imprensa, incita a violência contra jornalistas, uma prática perigosa quando feita de forma consistente. ;Não se deve normalizar ataques à imprensa, tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista da mensagem, pois o público acredita que isso é normal. Governo atacando a imprensa não é novo, mas as técnicas estão mais sofisticas, o que torna tudo mais perigoso, devido à agilidade e ao alcance;.

Para Kirtley, há muitas pressões atualmente ao exercício do jornalismo em todos o mundo, com constrangimentos, perseguições e casos que chegam a assassinatos, além da falta de apoio público e de financiamento para a prática do jornalismo. ;Nos Estados Unidos, costumamos dizer que é a tempestade perfeita, que pode levar ao declínio de Imprensa, quando mais precisamos dela. Na sua da professora, há um paradoxo, pois, ao mesmo tempo que a tecnologia criou um ambiente com maior capacidade de comunicação com todos, para o cidadão médio isso não é uma prioridade. No entanto, as pessoas estão muito ocupadas para procurar informações e em muitos lugares não há imprensa regional, o que as deixa ainda mais vulneráveis. ; Aí entram as mídias sociais com o que chamamos de viés da confirmação, quando as pessoas só se interessam pelas notícias que confirmam as suas crenças e cria-se uma bolha e cada um vive no seu mundo. Portanto, o jornalista pode ser a última proteção que o cidadão tem, e uma de suas missões é ficar de olho no governo. É o jornalista é que pode procurar a verdade no contexto;, disse.

Censura - Durante os debates com o público, depois da palestra, um dos presentes quis saber a opinião de Kirtlen sobre a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre Moraes, de censurar matéria publicada pela revista eletrônica Crusoé sobre citação ao nome presidente do STF, Dias Toffoli, em delação da operação Lava Jato. Para Kirtlen, ;foi muito perturbador;. Segundo ela, a liberdade de imprensa só sobrevive sob o estado democrático de direito e os juízes precisam estar comprometidos não apenas com a aplicação das leis, mas também com a liberdade de imprensa. ;Quando um ministro faz censura a uma publicação, abre uma brecha na fundação da estrutura que mantém a liberdade de imprensa.

Diversidade: a especialista aconselha os veículos de imprensa a contratarem profissionais de todas as regiões e classes sociais, para garantir a pluralidade de opinião e de ponto de vista. A diversidade é que vai garantir que vamos servir a todos e não apenas à elite. É preciso recuperar a confiança do público. Cada assunto tem que ser abordado de forma simples e checado. A gente só pensa na nossa mídia, na que lemos, na que produzimos, mas há outras. As pessoas querem recuperar a confiança e a verdade, mas se sentem decepcionadas com os jornalistas;, disse.

Kirtley dirigiu o Comitê de Jornalistas para a Liberdade de Imprensa por 14 anos. Antes, foi advogada em Nova York, Virgínia e Washington, D.C. e repórter de jornais em Indiana e Tennessee. Foi jurada do Prêmio Pulitzer e é membro da diretoria da Sigma Delta Chi Foundation. Ela graduou-se pela faculdade de direito da Universidade de Vanderbilt e é bacharel e mestre em jornalismo pela escola Medill de Jornalismo

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