Agência Estado
postado em 07/06/2019 18:25
Em um futuro próximo, o esquema de imunização com uma série de vacinas poderá ser substituído por uma ou poucas doses de imunizantes. Esta é a avaliação de Luís Carlos Ferreira, responsável pelo Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Ele afirma que uma nova geração de vacinas está sendo estudada e que, em cerca de 20 anos, será possível proteger as crianças ao longo de suas vidas com menos doses do que são aplicadas hoje.
Às vésperas do Dia Mundial da Imunização, que será celebrado no próximo domingo, 9, Ferreira foi entrevistado pelo jornal O Estado de S. Paulo e abordou ainda a queda na cobertura vacinal no País, fake news e as estratégias que podem ser adotadas para evitar que doenças que podem ser prevenidas por vacinação voltem a circular.
"As vacinas garantem, hoje, a milhões de pessoas a chance de viver. Tomar ou não tomar uma vacina é uma garantia para que crianças, adultos e idosos tenham uma chance de sobrevida maior, evitando doenças que, em outros momentos na história da humanidade, levaram milhões de vidas." Veja os principais trechos da entrevista.
Há uma queda na cobertura vacinal no Brasil e em outros países do mundo. Por que está ocorrendo esse processo?
Isso é um fato que está sendo observado não só no Brasil, mas em outros países, justamente pelo sucesso das vacinas. O fato de as vacinas terem eliminado ou reduzido drasticamente alguns tipos de doenças, como a varíola, que foi erradicada e, no passado, matou milhões de pessoas. E mesmo o sarampo, catapora, caxumba, rubéola e outras. Essas doenças, com o advento das vacinas, que foram desenvolvidas no século passado e são muito eficazes, praticamente sumiram ou desapareceram do convívio das famílias. Com isso, (houve) a sensação de uma segurança a ponto de (as pessoas) não se preocuparem mais em usar vacinas, visto que as doenças não eram mais detectáveis. Por outro lado, uma campanha de algumas pessoas e grupos alegando que vacinas poderiam ser prejudiciais à saúde humana. Hoje, isso tudo foi desmentido. O fato de as doenças não estarem circulando mais em nosso meio como no passado e toda uma campanha negativa sobre a vacina fizeram com que a adesão diminuísse. Com isso, estamos vendo o reaparecimento de doenças que, até recentemente, estavam controladas. O exemplo mais recente é o sarampo que, infelizmente, retorna ao Brasil e é um motivo de preocupação para a saúde pública.
O Ministério da Saúde divulgou um levantamento informando que houve queda na cobertura vacinal de crianças com menos de 2 anos. O que tem levado os pais a não manter a carteira de vacinação dos filhos atualizada?
A dificuldade de se manter em dia o calendário vacinal, particularmente para crianças, também é uma consequência do sucesso das vacinas. Hoje, temos cerca de 40 vacinas que já estão disponíveis para utilização em diferentes contextos e em diferentes faixas de idade do indivíduo. Uma parcela delas, incluída no Plano Nacional de Imunizações, é voltada para crianças. Só que o número de vacinas tem aumentado a cada ano. Com isso, o número de idas ao posto de saúde (aumenta) e algumas vacinas são aplicadas em até três doses, o que sobrecarrega esse calendário vacinal e faz com que os pais tenham dificuldade de manter a fidelização desse regime vacinal, que precisa ser seguido. Como enfrentar isso? Com um cadastro nacional digitalizado, que os pais recebessem um aviso, poder chegar mais próximo das crianças e oferecer postos de vacinação nas próprias escolas ou nas creches, mas isso tem um custo a ser considerado. Mas eu, como cientista, e muitos grupos no mundo temos buscado, pelo conhecimento científico, solucionar esse problema. Gerando um conhecimento que nos permita chegar a uma nova vacina, no futuro, que tenha características bem diferentes das atuais. Essa nova vacina tem como intuito reduzir dramaticamente o número de vacinas e de doses que as pessoas precisariam tomar para ficarem protegidas não só contra uma, mas contra várias doenças infecciosas e talvez até doenças degenerativas que afetam crianças, adultos e idosos. Ela não está disponível, está sendo pesquisada em modelos experimentais, mas estimo que, dentro de 20 anos, no máximo, nós teremos soluções científicas e tecnológicas para que todo e qualquer indivíduo possa ser imunizado precocemente e fique protegido pelo resto da vida.
As campanhas estão terminando sem que as metas sejam alcançadas, como ocorreu com a vacina da gripe. O senhor citou as escolas e, na cidade de São Paulo, houve a vacinação fora dos postos de saúde: em estações de metrô e parques. Essa seria uma solução?
Os custos são altos e há uma complexidade. Não é só administrar a vacina. São muitas vacinas e precisa ter o registro, que é individual. Hoje, é tarefa de cada indivíduo ter um controle dessas doses e vacinas que ele toma e raramente a pessoa anda com a carteirinha de imunização no bolso. A dificuldade na logística é séria. Talvez uma ideia, para certos tipos de vacina, como a da meningite, seria que campanhas pudessem ir em escolas e creches. No entanto, a solução definitiva para essa dificuldade deve vir pelo conhecimento científico e a solução tecnológica mais adequada são vacinas administradas em um determinado momento da vida do indivíduo e que confiram uma proteção imunológica de longa duração, de tal maneira que ele não precise tomar muitas vacinas ao longo de sua vida.