Ana Dubeux
postado em 09/06/2019 09:53
;Futebol é coisa de homem.; Quem nunca ouviu essa frase? Que menina da minha geração não cresceu com essa ordem soprada aos ouvidos? Mas alguém lhe disse o porquê? Alguém já deu uma única razão capaz de convencer uma menina, adolescente ou mulher a criar aversão por chutar uma bola ou a chegar perto de um gol? Não. Preconceito limita, mas nunca justifica. Por isso, não houve, há ou haverá explicações razoáveis para impedir uma mulher de jogar futebol, amar futebol, torcer pelo futebol. Não se segura uma paixão por decreto. Uma hora, ela vem com força arrebatadora.
Lá atrás, mulheres chegaram a se vestir de homem para poder jogar. O disfarce foi necessário. Elas entraram em campo a fórceps. Não apenas para jogar, mas também para conquistar o direito de falar sobre futebol. Comecei no jornalismo cobrindo os times de futebol do Recife, há mais de três décadas. Vera Ogando, ex-diretora de redação do Diário de Pernambuco, e eu éramos as únicas repórteres mulheres do país a acompanhar a rotina dos clubes, cobrindo jogos, acompanhando treinos e viagens, entrando em vestiários ; o sacrossanto reduto masculino onde tudo era permitido, das piadas infames ao machismo sem qualquer limite. De tão inusitado, o assunto virou crônica de Xico Sá, então repórter do Estadão.
O jornalismo mudou muito de lá pra cá. Mais rápida, interativa e vibrante, a cobertura jornalística avançou. Duas repórteres do Correio estão em Paris cobrindo a Copa do Mundo de futebol feminino. Maíra Nunes e Maria Eduarda Cardim têm um blog chamado Elas no Ataque, no site do jornal. Estão fazendo uma cobertura on-line com vídeos, podcasts, bastidores para o site, rádio e impresso.
Enviar duas mulheres para uma cobertura de uma competição feminina é parte de um processo de abertura de espaço para reduzir o preconceito, que é persistente, não se engane. O mundo evoluiu um pouco em algumas áreas, mas ainda falta muito para que o gênero deixe de ser uma limitação para fazer ou falar sobre esportes com predominância masculina.
Vocês sabiam que os homens são sujeitos de 89% das notícias em publicações de 108 países? Li isso no artigo do Leonardo Meireles, colega de redação, e fiquei impressionada. Hoje, as meninas do Brasil entram em campo. Por trás daquele grupo bonito e cheio de garra, há uma história de luta para conquistar espaço; há um sofrimento velado por ouvir piadas de mau gosto; há uma revolta pela falta de respeito. Mas há também um exemplo danado de perseverança para as meninas de hoje e de sempre. Eu me orgulho e estarei em campo com elas.