Brasil

Raul Velloso

Se a crise de atrasados explodir, os recursos negados anteriormente podem ser até superados pelas novas demandas que surgirão na operação de salvamento que se tornará inevitável

postado em 18/06/2019 04:07

Acirra-se a crise estadual


Cabe ao presidente da Câmara dos Deputados defender seus pares, mas que o relatório apresentado à Comissão Especial decepcionou alguns dos que vêm acompanhando o assunto da Previdência com lupa, decepcionou bastante. Neste espaço limitado, prefiro me referir ao que parece ter sido o maior problema de todos, a retirada dos estados e municípios do projeto, ainda que para o ministro Paulo Guedes o ponto fundamental possa ser a perda da capitalização, algo que ele sempre defendeu com toda a força. Outros podem preferir ressaltar perdas outras em relação à proposta original.

Mas, referindo-me especificamente aos estados, devo salientar que sua complicada situação financeira se deve à acentuada rigidez orçamentária, à perda de participação na receita disponível global, à recessão feroz, e, mais do que tudo isso, ao forte crescimento do deficit dos regimes próprios de Previdência, que pularam de uma média de R$ 23 bilhões em 2006-12, para R$ 101,9 bilhões, em 2018, e tendem a continuar subindo rapidamente.

A situação dos estados aparece de forma mais dramática ainda quando se compara o crescimento real, de 2006 a 2017, dos seus gastos previdenciários (93%) com os dos benefícios do INSS (79%) e os das despesas com o regime dos servidores da União (46%), sem falar na evolução real do próprio PIB (24%).

Em que pese a situação mais complicada de sua Previdência, e em grande medida por dificuldades criadas por alguns, a reforma que se configurou no parecer do relator, há pouco distribuído, praticamente empurrou para longe do seu alcance a possibilidade de voltar ao referido parecer. Como está, só cada estado submetendo a mesma reforma à sua própria assembleia, algo de muito difícil aprovação nos vários redutos. Sinceramente, pelo andar da carruagem, por conta de conflitos de difícil resolução entre o Centrão e as administrações estaduais e a aguda disputa política entre a oposição e o atual governo, ponho poucas fichas na possibilidade de a reforma dos estados voltar ao relatório.

Mas não se deve desistir. Para perceber como a reforma será importante para a grande maioria dos estados, é possível mostrar números que falam ainda mais alto sobre o problema. Primeiro, vêm os deficits orçamentários anuais, que são retirados dos respectivos balanços. Se compararmos o deficit total médio do último mandato com os deficits médios dos cinco mandatos precedentes, que haviam oscilado em torno de zero, vê-se uma deterioração muito grande nos resultados estaduais. Na média de 2015-18, eles pularam para um deficit de nada menos que R$ 19,3 bilhões. Por conta disso, estimam-se atrasados de cerca de R$ 100 bilhões no início dos atuais mandatos, à espera de uma solução. Chocante. Ou seja, a rigor, os governadores da última safra poderiam estar sendo processados pelos respectivos tribunais de contas, pois a lei proíbe a transferência de resultados negativos entre mandatos.

Olhando para a frente, projeções oficiais dos estados revelam a perspectiva de deficits médios anuais de R$ 35,2 bilhões em 2019-2020. Levados ao final dos atuais mandatos, implicariam a acumulação de mais R$ 140 bilhões em nova rodada de atrasados. Caos financeiro. Note que se os efeitos financeiros da reforma em exame fossem distribuídos uniformemente nos próximos dez anos, ter-se-ia um ajuste muito parecido com os deficits atuais. Ou seja, o jogo praticamente ficaria zerado. Daí sua tão grande importância.

Quanto às diferentes posturas adotadas pelos vários dirigentes estaduais, deve-se destacar o corajoso posicionamento de governadores como João Dória, de São Paulo, que, mesmo não tendo problemas de caixa como os da grande maioria, saiu repentina e ruidosamente em defesa da tese correta de, em que pese tudo o mais, não deixarmos de incluir os estados na proposta de reforma. No outro extremo da distribuição de renda estadual, igualmente meritória é a de Wellington Dias, governador do Piauí, que, além de ser o único estado definitivamente empenhado no equacionamento do seu problema previdenciário e um dos únicos capazes de aprovar reforma idêntica à federal nas suas plagas, vem se dedicando a convencer os colegas de região a flexibilizarem suas posições.

A queixa que o poderoso grupo de parlamentares conhecido como Centrão tem feito em relação às administrações estaduais é de que a maioria dos estados, em que pese sua situação crítica, está fazendo corpo mole na votação da reforma, ainda que, de fato, isso só valha para um ou outro. Teriam dito ao governo, cada vez menos forte politicamente, que a reforma que interessa à União em grande medida eles têm como fazer passar (em que pese as retiradas de itens importantes da proposta que acaba de ocorrer). Já em relação à dos estados, aqueles vão ter de brigar muito para conseguir entrar novamente no relatório. Quanto ao Executivo federal, é preciso não perder de vista que o problema dos estados não é só deles. Se a crise de atrasados explodir, os recursos negados anteriormente podem ser até superados pelas novas demandas que surgirão na operação de salvamento que se tornará inevitável.

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