Brasil

Internação psiquiátrica contra aborto

Correio Braziliense
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postado em 25/06/2019 04:15

O vereador Fernando Holiday (DEM), de São Paulo, apresentou um projeto de lei que, entre outras proposições ligadas ao aborto, permite a internação involuntária, em clínicas psiquiátricas, de mulheres grávidas com ;propensão ao aborto ilegal;.

Além disso, o projeto prevê a obrigatoriedade de ;atendimento religioso, sempre que ela e seus pais expressarem qualquer forma de teísmo; e a submissão de mulheres que possuam alvará judicial para abortar a ;exame de imagem e som que demonstre a existência de órgãos vitais, funções vitais e batimentos cardíacos;. O projeto prevê que a gestante ou a família dela tenham ciência dos sinais vitais do feto e das técnicas de abortamento, a fim de dissuadi-los da prática.

O autor do projeto se defendeu, por meio do Twitter, das críticas recebidas: ;No Brasil, teoricamente, o aborto é permitido somente no caso de estupro, anencefalia do feto ou risco de vida para a mãe. Porém, no caso de estupro, não se exige comprovação, nem mesmo boletim de ocorrência. Fiz um PL exigindo essa comprovação. Bastou para chover ataques;.

O projeto tem sido alvo de críticas de especialistas nas áreas do direito, dos estudos sociais e da saúde. A ativista pró-aborto Débora Diniz também se manifestou no Twitter: ;Vereador de São Paulo, Fernando Holiday, quer trancar 500 mil mulheres por ano em manicômios. O fanatismo contra aborto chegou ao ponto de obrigar a institucionalização psiquiátrica de mulheres que abortam;.

De acordo com a professora da Faculdade de Direito da UnB, Gabriela Rondon, a proposta encontra muitas inconstitucionalidades. ;É um projeto bastante problemático, mas o artigo 6; é o que mais apresenta inconstitucionalidades;, explica. O artigo afirma que ;se, em qualquer caso de atendimento médico, for detectada uma gravidez em que as condições sociais e psicológicas da gestante indiquem propensão ao abortamento ilegal, o município requererá medidas judiciais cabíveis para impedir tal ato, inclusive a internação psiquiátrica;.

Ela explica que a descrição é muito ampla. ;Isso faz com que qualquer mulher gestante de uma gravidez não planejada possa ser enquadrada nesse artigo e submetida a uma punição;. Segundo ela, no Brasil, acontecem, em média, 500 mil abortos por ano.

O vereador afirmou em sua conta no Twitter que as internações não valeriam para qualquer mulher: ;parece que estou propondo a internação psiquiátrica para qualquer mulher que resolva abortar. Isso é mentira. Mas, sim, há a criação de um dispositivo para internação de mulheres dependentes químicas ou com doenças mentais que, por conta disso, resolvam abortar;, afirmou.

De acordo com o médico e coordenador do Grupo de Estudos sobre Aborto de São Paulo, Thomaz Gollop, o projeto é perigoso, do ponto de vista da saúde. ;Além da questão da privação de liberdade, submete a mulher à tortura psicológica, ao obrigá-la a ouvir o batimento cardíaco e movimento fetal;. Segundo ele, ao enrijecer o processo do aborto legal, mais mulheres optarão pelo ilegal e, muitas vezes, inseguro.

* Estagiária sob supervisão de Rozane Oliveira



O que diz o PL 352/2019

Principais pontos da proposta do vereador paulista Fernando Holiday (DEM) sobre o aborto

; Durante toda a gestação, será considerada a existência da vida da mulher e do filho, desde o momento da concepção, adotando-se os critérios bioéticos necessários à preservação de ambas as vidas;
; O Município só realizará o procedimento do abortamento de feto ou embrião mediante a apresentação de alvará expedido por autoridade judiciária;
; Os alvarás judiciais serão submetidos à Procuradoria-Geral do Município que, se entender que é o caso, oferecerá recurso ou entrará com a medida cabível para suspendê-los e cassá-los.
; Antes de realizar o abortamento, a detentora do alvará aguardará o prazo mínimo de 15 dias, em que se submeterá, obrigatoriamente:
I - atendimento psicológico com vistas a dissuadi-la da ideia de realizar o abortamento;
II - atendimento psicossocial que explique sobre a possibilidade de adoção em detrimento do abortamento;
III - exame de imagem e som que demonstre a existência de órgãos vitais, funções vitais e batimentos cardíacos;
IV - demonstração das técnicas de abortamento, com explicação sobre os atos de destruição, fatiamento e sucção do feto, bem como sobre a reação do feto a tais medidas.
; Obrigatoriamente, a gestante passará por atendimento religioso, sempre que ela e seus pais expressarem qualquer forma de teísmo;
; Declarando-se ateia ou agnóstica, a gestante receberá atendimento por pessoa qualificada para tratar sobre as questões bioéticas do abortamento.
; Se, em qualquer caso de atendimento médico, for detectada uma gravidez em que as condições sociais e psicológicas da gestante indiquem propensão ao abortamento ilegal, o município requererá medidas judiciais cabíveis para impedir tal ato, inclusive a internação psiquiátrica, nos termos da Lei Federal n; 10.216 de 2001.

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