Brasil

Martírio nas filas da Previdência

Segurados reclamam de burocracia, demora no atendimento e desrespeito a direitos nas agências do INSS. Ministério Público prepara ação para obrigar o governo a recompor o quadro da autarquia, que tem deficit de 10 mil servidores

postado em 02/07/2019 04:20
Segurados reclamam de burocracia, demora no atendimento e desrespeito a direitos nas agências do INSS. Ministério Público prepara ação para obrigar o governo a recompor o quadro da autarquia, que tem deficit de 10 mil servidores




Com dois joelhos operados, a perna direita enfaixada e imobilizada, e usando muletas, Maria Ilda Pereira Gama, 43 anos, não consegue se aposentar e precisa lutar, de tempos em tempos, para garantir a continuidade do auxílio-doença do Instituto Nacional de Serviço Social (INSS). Sofrendo de artrose, cada vez que precisa renovar o benefício, passa horas na agência para regularizar a documentação e, com frequência, volta para casa de mãos abanando. O drama, que atinge milhares de outras pessoas idosas ou enfermas, ilustra a crise da autarquia, que funciona com um deficit de 10 mil funcionários e sob uma chuva de ações judiciais questionando sua capacidade de atender a população.

Para piorar, o quadro de servidores do INSS ainda conta com cerca de 9 mil funcionários em vias de se aposentarem. Na tarde de ontem, na unidade da Asa Sul, dois atendentes recebiam beneficiários e segurados com tempo de espera de até cinco horas. O Ministério Público Federal pretende entrar com uma ação judicial contra a autarquia e o Ministério da Economia para obrigar o governo a fazer concurso e recompor o número de servidores do órgão. Tanto o INSS quanto a pasta ministerial já haviam sido alvo de uma recomendação do MPF. A lentidão no sistema prejudica 50 milhões de segurados e 33 milhões de beneficiários.

Maria Ilda reclama do tratamento que recebe. Mesmo tendo passado por sete cirurgias, já recebeu laudos periciais que indicavam que não precisava do benefício. Refez os exames e comprovou a necessidade. Neste mês, deixou de receber o auxílio novamente. Ontem chegou ao INSS às 10h40 e saiu às 15h sem uma solução. ;Disseram que eu não estava contribuindo, mas tenho os boletos. A atendente disse que terei que entrar com um recurso e me deu uns papéis. Eles alegam que sou jovem. Pessoa jovem também fica doente. A minha doença desgasta minhas articulações. Não posso nem limpar minha casa;, lamenta.

As histórias são diferentes, mas os problemas enfrentados no INSS são bem parecidos. Reginaldo Ferreira Ponte, 46, está ajudando o amigo, Amadeu Dutra, 57 anos, que está com o braço operado. Amadeu tem problemas psiquiátricos e toma remédio controlado. Ontem, ficaram das 11h às 15h30 no INSS. Saíram de lá com uma ;pendência; que, segundo Reginaldo, só seria informada no dia seguinte. ;Ele chegou a fazer a perícia. Mas, depois, nos mandaram para o guichê e ficamos horas sem atendimento;, relata Reginaldo. ;Eles não souberam dizer qual foi a pendência. Teremos que retornar e farei uma nova perícia;, explica Amadeu.

Recomendação
O documento do MPF tem nove páginas e foi entregue ao INSS e ao Ministério da Economia em 23 de abril. À época, a promotoria dava 30 dias para a pasta autorizar a realização de um concurso que, por sua vez, seria feito em 180 dias. Passados dois meses e 10 dias, nada foi feito. Segundo consta na recomendação, os canais remotos de atendimento da autarquia, em especial o ;Meu INSS;, ;mascaram a precarização dos serviços (...) e do seu quadro funcional;, e ;obstaculizam o acesso de milhões de pessoas a direitos que lhes assistem e propiciam;.

Também de acordo com a recomendação, ;inúmeras ações judiciais e denúncias recebidas no Ministério Público atestam a incapacidade do INSS de dar vazão à demanda de requerimentos formulada pela população, gerando atrasos no agendamento de serviços, na análise de processos administrativos previdenciários e assistenciais e, consequentemente, no deferimento de benefícios;.

A reportagem do Correio procurou tanto o Ministério da Economia quanto o INSS. Por e-mail, a assessoria de comunicação da Economia informou que a pasta está impossibilitada de autorizar o concurso devido à situação precária das contas públicas. ;O Ministério da Economia já respondeu, oficialmente, que em relação à Recomendação n; 23, que se refere à abertura de um concurso público para o INSS, a atual situação fiscal do país limita a atuação da administração pública em ações que acarretem impactos orçamentário-financeiros, tanto para este ano quanto para os exercícios subsequentes, o que impossibilita a autorização de um concurso público para o INSS neste momento;, justificou a pasta.

Já o INSS respondeu, também por meio de nota, que a decisão não compete ao órgão, mas que, ;naquilo que está ao alcance da gestão administrativa do Instituto, todos os esforços estão sendo adotados para atender à demanda dos segurados da Previdência;. ;O INSS tem dedicado todos os seus esforços para melhoria da sua gestão, em especial a qualidade e a tempestividade na análise dos requerimentos administrativos e o aperfeiçoamento das formas de atendimento ao cidadão;, informou a autarquia.




;Eles alegam que sou jovem. Pessoa jovem também fica doente. A minha doença desgasta minhas articulações. Não posso nem limpar minha casa;
Maria Ilda Pereira Gama, 43 anos, que tenta renovar o auxílio-doença, depois de ter passado por sete cirurgias




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