Cancún brasileira não. Diferente do que esperava o presidente da república, Jair Bolsonaro, a região de Paraty e Ilha Grande se tornaram, a partir desta sexta-feira (5/7), o primeiro sítio misto do Patrimônio Mundial do país. Misto pois o reconhecimento do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco vem tanto pela diversidade cultural quanto natural. A área engloba oito municípios do Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo publicação da Representação da Unesco no Brasil, ;o sítio apresenta valor universal excepcional por suas características naturais e culturais, assim como a interação entre elas;.
[SAIBAMAIS]O comitê concedeu o título durante uma sessão realizada em Baku, capital do Azerbaijão. Além do valor histórico da cidade, cujo conjunto arquitetônico foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) há 61 anos, o sítio abriga comunidades indígena, quilombola e caiçara (composta de pescadores tradicionais), está tem um centro endêmico da Mata Atlântica e é rica fauna e flora e protege diversos espécimes em extinção. A região tombada inclui o Parque Nacional da Serra da Bocaina, o Parque Estadual da Ilha Grande, a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, e a Área de Proteção Ambiental de Cairuçu, além do Centro Histórico de Paraty e Morro da Vila Velha.
A região é o primeiro sítio misto. Mas o Brasil possui outros 14 sítios culturais e sete sítios naturais. Diretora e representante da UNESCO no Brasil, Marlova Jovchelovitch Noleto lembra que Paraty já era integrante da Rede de Cidades Criativas da UNESCO na categoria gastronomia. ;Agora, mostra a riqueza da diversidade local se tornando patrimônio mundial misto, ou seja, tanto cultural quanto natural. Formada pelo intercâmbio das culturas indígena, africana e caiçara que se expressam nos bens culturais da cidade, Paraty engloba uma fusão de características próprias do patrimônio material e do imaterial;, explica.
Para candidatar Paraty e Ilha Grande a sítio misto do Patrimônio Mundial do país, em 2018, o governo brasileiro elaborou um documento contendo descrições de todas as características da região que, posteriormente, foi visitado por assessores da unesco. Integrantes do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, levaram em conta o fato de a região ;ser um excelente exemplo de assentamento humano tradicional, uso da terra ou uso do mar que é representativo de uma cultura (ou culturas), ou interação humana com o meio ambiente (...); e ;conter os habitats naturais importantes e significativos para a conservação in situ da diversidade biológica, incluindo aqueles que possuem espécies ameaçadas de valor universal do ponto de vista científico ou de conservação.
Em conversa com o Correio, a coordenadora de cultura da Unesco no Brasil Isabel de Paula lembrou que o título traz responsabilidades. ;O título traz visibilidade internacional para Paraty e o Brasil. O resto do mundo olha para esse lugar como especial, com singularidade cultural e natural. Isso atrai turismo, desenvolvimento e, mais importante, muitas medidas de proteção, preservação, conservação e manutenção da sustentabilidade tanto cultural quanto ambiental. O poder público e a sociedade tem um compromisso, a responsabilidade do zelo pela conservação e preservação da cultura material e imaterial, presente no território;, destaca.
Professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Paulo Palazzo de Almeida lembra que o título de patrimônio mundial foi criado pela Unesco em 1972. ;Com isso, reconhecem lugares, seja por motivo natural ou cultura, com valores marcantes para o mundo. Esse reconhecimento sinaliza que o conjunto de Paraty e Ilha Grande tem importância fundamental na história da humanidade. São questões tão relevantes que vão além das questões nacionais, de um tombamento pelo Iphan, e que diz respeito às coisas que devem ser valorizadas e preservadas. O sítio de Ouro preto foi o primeiro a ser reconhecido. A paisagem do Rio de Janeiro também já foi reconhecida;, conta.
Sobre a intenção de Bolsonaro de tornar a região uma esécie de Cancún nacional, o professor diz não conhecer projeto ou detalhes, mas lembra que, a partir de agora, a área se torna ainda mais protegida. ;De maneira geral, um sítio como esse e sua área de amortecimento é colocado sob supervisão do Iphan, com responsabilidade compartilhada entre o governo local, estadual e federal, com comitê de gestão com representantes das três esferas, responsáveis por dizer o que é aceitável ou não dentro do sítio ou sua área de entorno. Temos a emissão de normas gerais do Iphan para regulamentar a preservação e a mesma coisa deve acontecer em Paraty
Diretor de patrimônio material do Iphan, Andrey Rosenthal, por sua vez, explica que a concessão do título trará três desdobramentos importantes. ;Primeiro, o compromisso que o Brasil assumiu perante o mundo de preservar a região. União, estado e municípios, por meio do Iphan e Instituto Chico Mendes de Biodiversidade assumiram o compromisso de dar continuidade a preservação. Segundo, os protagonistas locais têm reconhecido um patrimônio que, ao longo de muitos anos, eles souberam preservar. Não só a população de Paraty, mas as comunidades tradicionais da região. E o terceiro vem aos poucos, que é a projeção do ponto de vista turístico.
;Qualquer patrimônio mundial, a partir do momento que é reconhecido, passa a ser monitorado. É responsabilidade do país que apresentou candidatura de não medir esforços para conservar esses bens. Anualmente, encaminhamos relatório para a Unesco. Paraty é o 22; bem do Brasil a ser inscrito na lista do patrimônio natural e cultural. Temos conseguido manter e preservar nossos bens a altura do que se espera. Em todos os momentos conseguimos demonstrar que a preservação está falando mais alto;, ressalta.