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Militares contam como é viver na estação brasileira da Antártida

Grupo de 16 militares da Marinha permanece em missão na Estação Comandante Ferraz onde o acesso por navio é impossível devido às más condições climáticas na região. Conheça um pouco da história desses brasileiros

José Carlos Vieira
postado em 06/07/2019 07:00
Grupo de 16 militares da Marinha permanece em missão na Estação Comandante Ferraz onde o acesso por navio é impossível devido às más condições climáticas na região. Conheça um pouco da história desses brasileirosDezesseis militares da Marinha do Brasil estão isolados na região mais inóspita do planeta. O grupo passará todo o inverno antártico na nova Estação Comandante Ferraz (EACF). A missão é fazer testes de todos os equipamentos na obra que custou cerca de R$ 500 milhões. É uma joia na Antártica, destinada a pesquisas científicas das mais variadas.

As condições climáticas na região são desumanas, ventos que chegam a 200km/h e temperaturas entre -5;C a -19;C. São 19 horas de escuridão até outubro. O silêncio da Baía do Almirantado, onde está localizada a EACF, só é quebrado quando o avião Hércules C-130 da Força Área Brasileira faz sobrevoos rasantes para lançar alimentos perecíveis e equipamentos para a estação. Nesse período do ano, a operação se repete a cada dois meses e meio.

;Nosso grupo chegou à Antártica em novembro de 2018. Desde então, houve uma rotatividade de pesquisadores e recebemos um bom número de pessoas, porém, com a partida dos navios da Marinha do Brasil, no início de março de 2019, restou apenas o Grupo Base na estação;, destaca o primeiro-sargento Flávio Silva de Souza, encarregado de comunicações.

À reportagem do Correio, o militar adianta que o grupo permanecerá isolado até o início de novembro quando os navios Almirante Maximiano e Ary Rongel retornam ; quando os icebergs e banquisas de gelo começam a derreter. ;Nosso período de isolamento é de sete a oito meses. No entanto, não nos sentimos tão isolados, porque temos internet, o que nos permite ter contato com nossos familiares e ficarmos informados do que está acontecendo no Brasil e no mundo;, diz.

Por e-mail, o Correio entrou em contato com integrantes do Grupo Base, que falaram sobre a rotina no continente gelado, a saudade da família e a preparação psicológica para enfrentar todo esse tempo na Antártica.

Entrevistas:

Flávio Silva de Souza, primeiro-sargento, encarregado de comunicações

Grupo de 16 militares da Marinha permanece em missão na Estação Comandante Ferraz onde o acesso por navio é impossível devido às más condições climáticas na região. Conheça um pouco da história desses brasileiros

Como está a condição meteorológica na Baía do Almirantado, onde fica a nova Estação Antártica Comandante Ferraz?
Nós estamos no inverno antártico, que dura de março a outubro, com dias mais curtos e a noite começando às 16h e indo até 9h30. Está extremamente frio, enfrentamos temperaturas baixas que vão de -5;C a -19;C. Os ventos, chamados catabáticos, são intensos e fortes nevadas são comuns. Mas participamos de treinamentos específicos para conseguir suportar as condições extremas na Antártica.

É o primeiro inverno da estação depois de praticamente concluída. Quais testes que estão sendo feitos na EACF?
A nova estação está toda construída e pronta para inaugurar, faltando somente a conclusão de alguns testes de aceitação dos equipamentos instalados. Durante o período de ;comissionamento;, todos os sistemas e equipamentos estão sendo testados ao seu limite de operação, de forma a assegurar a confiabilidade e o correto funcionamento. Encerrado o comissionamento, a estação estará pronta para receber os primeiros pesquisadores, iniciando uma nova etapa do Programa Antártico Brasileiro na mais moderna estação em operação na Antártica.

Como é a rotina do Grupo Base?
A estação é como uma organização militar de qualquer lugar do Brasil, tendo horários a serem cumpridos. Cada militar desempenha funções específicas, cumprindo horários no trabalho e tendo, também, um tempo livre. O funcionamento da estação é praticamente mantido por quatro geradores de energia, sendo colocado um por vez. Aqui, nos preocupamos em não desperdiçar energia, desligando as luzes, equipamentos e os aquecedores nos ambientes não vitais, pois temos que economizar combustível para alimentação dos geradores. A nova estação foi estruturada para oferecer mais conforto e segurança a todos.

A maior parte da tecnologia é brasileira?
Um importante aspecto a se destacar é que a experiência brasileira permitiu enfatizar as condições de conforto (térmico, lumínico, acústico e psicológico) sendo, inclusive, realizados estudos empregando softwares e simuladores como ferramenta auxiliar nas decisões dos projetos e na verificação da sua eficiência. Nessa mesma linha, as técnicas adotadas para a gestão de água e esgoto foram estabelecidas a partir de estudos e experimentos anteriores realizados na EACF, sendo proposto um sistema de reaproveitamento de águas servidas (águas cinzas) e o tratamento dos efluentes finais por meio da técnica de radiação UV.

Como é feito o monitoramento da estação pelo comando da Marinha no Brasil?
Por câmeras on-line e informações trocadas entre a Secretaria do Programa Antártico e o chefe da estação por telefone e e-mail. Em relação à segurança, destaca-se que a EACF é dotada de um sistema de controle de avarias e alarme de incêndio moderno, que possibilita o monitoramento contínuo das condições de segurança de todos os seus compartimentos, além de estar coberta por sistemas fixos de combate a incêndio do tipo sprinkler (chuveiro automático) e por gás Novec (utilizado nos setores vitais da estação). Todos os ambientes são separados por portas corta-fogo e são revestidos por paredes com materiais especiais resistentes a chamas. A estação conta também com sistemas básicos de combate a incêndio empregando mangueiras e/ou extintores portáteis, distribuídos estrategicamente pelos compartimentos.

Marcelo Miranda de Souza, suboficial cozinheiro

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É necessário um treinamento psicológico para ficar tantos meses isolados na região mais fria do planeta. Como essa preparação é feita?
Sim. O Serviço de Seleção do Pessoal da Marinha nos testa durante todo o processo seletivo, que é composto por diversos exercícios e dinâmicas de grupo.

Depois de feito todo o trabalho de controle e inspeção da estação, o que vocês fazem para passar o tempo?
Na verdade, o trabalho nunca termina, devido à gama de manutenção de equipamentos. Essas manutenções de rotina consomem grande parte do nosso tempo e o que sobra, dividimos com algum lazer e falamos com a família, que é muito importante.

Quem é o mais animado do grupo?
Na minha opinião, é o Alciclécio, muito divertido, participativo e amigo de todos. Mas temos um equilíbrio de personalidades, o que torna o grupo muito unido. Cada um tem a sua personalidade e todos somam para que o grupo esteja coeso e para que tenhamos uma convivência tranquila e harmoniosa. Na verdade, todos são muito importantes para o grupo.

E a saudade da família?
Bom, por sermos militares, estamos acostumados por longos períodos de afastamentos. No entanto, hoje, a tecnologia disponível nos proporciona falarmos por chamada de vídeo e nos mantermos atualizados.

Além da família, do que você sente mais falta?

De dias ensolarados.

Quais notícias do Brasil você gosta de ler? Acompanha seu time de futebol?

Notícias gerais sobre o Brasil. E acompanho meu time do coração, o Vasco da Gama.

Rodrigo Nunes Martins, primeiro-tenente, médico

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O monitoramento da saúde, como e quando é realizado? Quais os efeitos das longas noites no corpo dos militares?
Os militares passam, durante o processo seletivo, por uma avaliação completa e que aborda não só a parte de saúde física, mas psicológica e social também. A seleção é bem criteriosa e ocorre praticamente dois anos antes da chegada à Antártica. Esse processo seletivo possui várias fases, sendo o mais longo da Marinha do Brasil.

E com relação às longas noites?
Os períodos de longas noites podem afetar o ciclo circadiano do indivíduo, modificando o tempo de necessidade de sono e vigília, bem como algumas fases de liberação hormonal, nada que o nosso organismo não possa se adaptar. Outro aspecto importante é a necessidade de realizar a reposição da vitamina D por via oral. Essa vitamina só é produzida a partir da incidência de iluminação solar sobre a pele, mas, como temos menor período de luz e utilizamos muitas vestimentas para proteção térmica, a produção orgânica natural da vitamina D torna-se prejudicada.

Como é o cardápio da semana?
O cardápio é variado e segue o estilo de comida brasileira. A principal diferença existe em relação aos alimentos de menor durabilidade como vegetais, frutas e legumes, que se tornam menos disponíveis em determinados períodos. Esse tipo de suprimento é mais farto após as visitas dos navios polares da Marinha, durante o verão, e com o apoio dos voos realizados pela FAB, no período do inverno, por meio dos quais são realizados lançamentos de carga.

Nesse isolamento, qual a experiência que mais te marcou?

Os lançamentos de carga realizados com apoio de um avião modelo Hércules da FAB são marcantes. Na fase atual da missão, o grupo encontra-se no período de maior isolamento, devido ao rigor climático do inverno antártico, e o recebimento de materiais e alimentos frescos se torna uma conexão com nossa pátria e familiares.

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