Brasil

Entidades repudiam defesa do trabalho infantil feita por políticos

Pessoas ligadas ao governo e outras personalidades compartilham experiências da época em que eram crianças ou adolescentes para defender o desempenho de atividades produtivas desde cedo. Entidades alertam que a prática é prejudicial

Augusto Fernandes
postado em 09/07/2019 06:00

Pessoas ligadas ao governo e outras personalidades compartilham experiências da época em que eram crianças ou adolescentes para defender o desempenho de atividades produtivas desde cedo. Entidades alertam que a prática é prejudicialA exemplo do que fez o presidente Jair Bolsonaro, na semana passada, diversos políticos mostraram que são a favor de que os jovens tenham um emprego desde mais novos e usaram as redes sociais, nesta segunda-feira (8/7), para compartilhar experiências de trabalho quando eram crianças ou adolescentes.


Segundo o IBGE, o país tem quase 1 milhão de menores em situação de trabalho infantil e 800 mil, desempenhando atividades de acordo com a legislação. Líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO), mencionou o pai para apoiar o trabalho entre crianças e adolescentes. ;Meu pai começou com 14 anos, na multinacional em que meu avô trabalhava como operário. Aos 26, formou-se engenheiro eletricista em uma universidade federal;, lembrou. O deputado contou que, aos 16, ;já tirava serviço armado de fuzil na escola preparatória de cadetes do Exército;. ;O trabalho nos dignifica. Simples assim;, afirmou.

A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) escreveu que, com 12 anos de idade, fazia brigadeiros para vender na escola. ;O mais interessante;, disse, ;era que eu não precisava, mas eu sentia uma enorme satisfação de pagar as minhas aulas de tênis com esse dinheiro.;

Fora do Congresso, outras pessoas seguiram o discurso do presidente. Ao comentar uma publicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o juiz federal Marcelo Bretas, da 7; Vara Criminal do Rio de Janeiro, disse ter tido ;muito orgulho; de trabalhar aos 12 anos, em uma loja de família. ;Tinha jornada e tarefas a cumprir, e aprendi desde cedo o valor de receber um salário mínimo após um mês de trabalho;, garantiu.

A jornalista Leda Nagle comentou que trabalhou com os pais quando tinha 10 anos. Ela disse ser ;contra a exploração de qualquer ser humano, adulto ou criança;, mas ressaltou que ;o trabalho em família, mantendo o tempo de estudar e o tempo de brincar, pode, sim, ser somado ao tempo de trabalhar, se preciso for;.

Os comentários foram repudiados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat) e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti). Em nota conjunta, as entidades afirmaram que ;o trabalho infantil macula e mata a infância e, antes da idade permitida, traz prejuízos de diversas naturezas;.

;(O trabalho infantil) provoca acidentes e adoecimentos; leva a baixo rendimento e consequente evasão escolar; colabora para a perda da autoestima; afasta a criança do lazer, da brincadeira e do descanso; provoca inversão de papéis com consequências diversas, como uso de drogas, alcoolismo, gravidez precoce e violência; rouba oportunidades;, sustentam as entidades.

Dados do Ministério Público do Trabalho (MPT) mostram que, entre 2014 e 2018, mais de 21 mil denúncias de trabalho infantil foram registradas no país. Ainda de acordo com o órgão, de 2003 e 2018, 938 crianças foram resgatadas de circunstâncias semelhantes à escravidão. Além disso, entre 2007 e 2018, 261 crianças ou adolescentes morreram e 43.777 se acidentaram enquanto trabalhavam, segundo levantamento do Ministério da Saúde.

Para a pesquisadora Monica de Bolle, ;o trabalho infantil e o baixo nível de educação a ele associado comprometem o desenvolvimento social dos países que mais os utilizam, que tendem a ser os mais pobres;. ;No longo prazo, o trabalho infantil aprisiona crianças e adultos em ciclo de baixa produtividade e pobreza que contribuem inequivocamente para o aumento da desigualdade;, pontuou.

Professor do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Vicente Faleiros reforçou que o trabalho infantil afeta a responsabilidade dos mais jovens. ;Muitas vezes, eles passam a ser os responsáveis pela renda da família, papel que deveria ser do adulto;, opinou. ;A criança não pode ter essa obrigação. Ela é um ser em desenvolvimento e precisa ter atividades adequadas à sua idade e ao seu conhecimento.;

O que diz a lei

; Trabalho infantil é qualquer forma de atividade realizada por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida. No Brasil, em geral, o trabalho é vedado para menores de 16 anos. Quando exercido na condição de aprendiz, é permitido a partir dos 14 anos. Se for emprego noturno, perigoso, insalubre ou atividades da lista TIP (piores formas de trabalho infantil), a proibição é ampliada para os 18 anos incompletos.

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