Brasil

Moradores de rua dispensam lua de mel por não ter onde deixar cão

Casal disse o 'sim' em cerimônia realizada com ajuda da Prefeitura de Belo Horizonte e de comerciantes, mas dispensou noite de núpcias oferecida por hotel para não deixar Lilica, que já faz parte da família, desprotegida

Márcia Maria Cruz/Estado de Minas
postado em 12/07/2019 11:57
No colo de Selma, Lilica acompanhou a cerimônia bem de pertoO casal de moradores de rua Selma Zenilda Maria de Jesus, de 42 anos, e João Ramalho de Souza, de 38, que disse ;sim; em cerimônia que parou a Avenida Olegário Maciel na manhã de ontem, foi presenteado com festa e lua de mel. No entanto, os dois agradeceram a gentileza da oferta das núpcias, mas não puderam aceitar. A recusa tem motivo nobre. Não querem deixar sozinha a cachorrinha de estimação. ;Eles ganharam a lua de mel de um hotel, mas não quiseram, porque não teriam onde deixar a Lilica;, informou Fátima Gomes Pereira, supervisora de serviço especializado em abordagem social. Com vestidinho branco, Lilica foi a dama de honra do casamento.

A cerimônia foi promovida pela equipe do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) da Prefeitura de Belo Horizonte e contou com todos os elementos presentes nas festas mais requintadas: vestido de noiva, bolo, ornamentação, música ao vivo, álbum de casamento, caderno para os votos e os comes e bebes. O desejo da união, porém, partiu do casal. "Eles externaram o desejo de se casar. Fizemos a cerimônia para mostrar que, mesmo na rua, é possível se amar, encontrar a cara metade e seguir em frente", afirma a supervisora.

Com a mudança do status de relacionamento de Selma e João, os assistentes sociais esperam que o casal possa também encontrar um teto. O coordenador do Creas, Sérgio Riani, explica que o objetivo da ação é promover a saída deles das ruas de forma não compulsória. A equipe que faz a abordagem a moradores de rua já ofereceu a possibilidade de irem para um abrigo, mas, até então, a opção de Selma e João era seguir vivendo nas ruas. ;Agora que terão uma vida a dois, quem sabe não aceitam a oferta de ir para um abrigo de família;, diz Fátima.

A cerimônia foi realizada embaixo de frondosa árvore na Avenida Olegário Maciel, às 12h. Dezenas de pessoas pararam para assistir ao tão esperado momento do ;sim;. Ao som do clássico É o amor, Selma e João disseram que querem ficar juntos seja na riqueza ou na pobreza. Sem-teto, eles se conheceram em Itaúna, na Região Centro-Oeste de Minas, apaixonaram-se e resolveram se mudar para Belo Horizonte há dois anos. Apesar da dureza de viver ao relento, o afeto entre eles cresceu como a flor de lótus desabrocha em terreno pantanoso. Veio o gostar, o querer bem e, então, Selma avaliou que era o momento de darem um passo adiante na relação.

Os comerciantes da região se juntaram para fazer a cerimônia, que parou a Avenida Olegário Maciel, na Região Centro-Sul da capital, na manhã de ontem. João estava ansioso à espera da amada, que, como manda a tradição, se atrasou alguns minutos. A avenida se transformou na nave da igreja por onde a noiva seguiu acompanhada até encontrar o companheiro. De branco, com véu, maquiagem impecável e buquê nas mãos, Selma se emocionou com o momento. "Ele gosta de mim e eu gosto muito dele", afirmou.

João repetiu diversas vezes que a amava e, com ela, quer viver por toda a vida. Não faltaram padrinhos para dar fé do momento de amor entre o casal, que de posses tem o aconchego um do outro. Para a festa não faltou nada. Bolo de noiva, salgados e até espumante. Também teve chuva de arroz e Selma jogou o buquê. Os convidados presentearam os noivos e deixaram os votos em caderno que registrou a presença de todos.

O casamento não tem valor legal, mas para os noivos nem é preciso ir ao cartório. A celebração, que representou a realização de um sonho de ambos, foi conduzida por arte-educadores, que cuidaram do rito e também da música. ;A arte transforma nosso meio. Deixa leve a realidade dura. Muita gente poderia nem dar a devida atenção a Selma e João, que, como qualquer outra pessoa, têm sonhos. Tanto para eles quanto para nós foi momento único e especial;, afirmou o arte-educador Felipe Marçal Anunciação.

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