postado em 30/07/2019 04:05
Arrumar a previdência para retomar os investimentos
Em relação à atual crise financeira subnacional, cabe destacar pelo menos quatro pontos. Começa pela explosão dos deficits previdenciários onde, se concentrarmos a análise no conjunto dos estados, os deficits anuais que, entre 2006 e 2011 oscilavam ao redor de R$ 24,3 bilhões, cobertos, em última instância pelos orçamentos públicos, passaram a disparar até atingir o valor de R$ 101,9 bilhões em 2018, marca quatro vezes superior àquela média em apenas sete anos.
Na sequência, acentuou-se a antiga tendência à queda dos investimentos, por ser esse o item do gasto sempre escolhido para capitanear os esforços de ajuste fiscal, dadas as prioridades direcionadas implicitamente a gastos correntes que se cristalizaram com a Constituição de 1988 e após a carga tributária ter atingido os níveis recordes alcançados nas últimas décadas.
Destaque-se que os investimentos do conjunto dos estados e municípios brasileiros, conforme levantamentos gentilmente cedidos por Josué Pellegrine/IFI, tinham caído de 2,4%, nos anos 1960, para 1,9% do PIB nos anos de 1980 e 1990, seguindo a mesma tendência descendente dos investimentos da União. Já no período 2000-2014, ao oscilarem ao redor da média de 1,5% do PIB, parecia que haviam atingido o fundo do poço. Não foi bem assim. De 2014 a 2017, em reação à explosão dos deficits previdenciários, os investimentos estaduais e municipais continuaram a cair sistematicamente, passando de 1,7% em 2014 para 0,8% do PIB em 2017. E tudo indica que continuaram caindo em 2018, em processo de difícil reversão a curto prazo.
O terceiro ponto é a extrema rigidez dos orçamentos públicos, algo que, em fases de aperto, como a atual, leva a deficits orçamentários totais elevados, desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e uma enorme confusão no seio dos fornecedores e prestadores de serviço aos governos, pois o único item supostamente flexível, os investimentos, já esgotou sua colaboração para o ajuste.
Se tomarmos o caso de Minas como exemplo, com indicadores de rigidez agravados pela maior recessão que assola o país há vários anos, o balanço de 2015 revela, primeiro, uma estrutura de gastos em % da RCLTC (receita corrente líquida de transferências constitucionais) concentrada em segmentos que costumo chamar de ;donos do orçamento;, quais sejam: educação: 16,4%; saúde: 9,3%; segurança: 15,7%; Poderes Autônomos: 11,3%; demais vinculações: 1,4%. Tratam-se de itens financiados com receitas cativas e com alto componente de gastos com o pessoal ativo, somando 54,1% do total, soma essa que subiria para 64,8%, se adicionássemos o super rígido serviço da dívida, de 10,7% do total.
Ao final, uma sobra de recursos de 35,2% do total foi chamada para cobrir o gasto discricionário de apenas 21,2% do total, considerando receitas de capital mínimas, e onde os investimentos são de apenas 3,2% da RCLT, ficando apenas uma parcela residual de 14% da RCLT para pagar a despesa previdenciária. Como esta alcançou 28% do total, isso tudo levou a um deficit orçamentário de idêntico valor: 14% da RCLT. Esse é o segundo resultado dramático da alta rigidez do gasto. Com receita abaixo do normal e o orçamento tomado por ;donos;, cujo peso só cresce, parte significativa das despesas são autorizadas nos orçamentos, mas não se materializam integralmente nos desembolsos de caixa, passando a se configurar em atrasos de pagamento sem lastro, o que causa todo tipo de complicação, especialmente para fornecedores.
Dessa forma, mais de R$ 70 bilhões de atrasados foram transferidos para os mandatos estaduais que se iniciaram este ano, sem que se saiba que providências foram ou serão adotadas pelos órgãos de fiscalização e controle. Pior que isso, conforme projeções informadas pelos próprios entes ao Tesouro Nacional, a situação financeira dos estados, e muito provavelmente a dos municípios de maior porte, tende a se deteriorar ainda mais neste ano e em 2020.
Para o conjunto dos estados, as necessidades de financiamento do orçamento de 2019 podem ser estimadas em R$ 30,6 bilhões, sem falar em atrasados. Caso os estados fossem incluídos na reforma em curso, teriam um alívio financeiro estimado em R$ 13,1 bilhões para o primeiro ano de sua vigência, o que certamente ajudaria muito a minorar suas dificuldades financeiras, principalmente quando se considera que o impacto médio nos 10 primeiros anos de vigência das novas regras é de R$ 35 bilhões.
O único plano de socorro federal em vigor;Plano de Recuperação Fiscal (PRF) ; , que vem sendo aplicado ao caso do Rio de Janeiro e está sendo cogitado para Minas Gerais, empresta mais dinheiro para refinanciar dívidas, com contrapartida de privatizações e ajuste do gasto com o pessoal ativo difíceis de implementar, sendo assim, mero alívio de curto prazo sem ir ao âmago da questão. Para isso, é preciso definir planos de equacionamento dos passivos atuariais mais eficazes que os existentes, única forma de os governos retirarem os deficits previdenciários dos orçamentos e voltarem a investir.