postado em 25/08/2019 04:04
Aguardado por mais de dois anos por concessionárias com dificuldades financeiras e sem condições de honrar os contratos, o decreto das relicitações chegou tarde demais e frustrou as expectativas. A regulamentação da Lei n; 13.448, de 5 de junho de 2017, que autoriza devolução de concessões que não cumpriram obrigações, só saiu em 6 de agosto de 2019 e, na opinião de especialistas em infraestrutura, deixou muito a desejar, sobretudo, para empresas que fizeram investimentos substanciais. Isso, explicam os analistas, porque a forma como a indenização será feita, calculada pelas agências reguladoras competentes e paga pelos vencedores da relicitação, não dá segurança jurídica.
Por isso, a Invepar, responsável pela Via 040, que administra 936 quilômetros, entre Brasília e Juiz de Fora (MG), foi a primeira concessionária ; e única ; a protocolar, nesta semana, junto à Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), o pedido de adesão ao processo de devolução amigável. As demais (veja quadro) ainda estudam o decreto.
Companhia que tinha manifestado interesse, a Aeroportos Brasil Viracopos, administradora do terminal de Campinas (SP), entrou em recuperação judicial nesse meio-tempo. O que se resolveria em 2017 pode não ter eficácia agora, porque, com o socorro da Justiça, conseguiu suspender cobrança de multa e de outorga e deve aprovar o plano para equacionar suas dívidas. Ainda por cima, o decreto não deixa claro se quem está em recuperação judicial pode aderir ou terá que abrir mão do plano.
A demora para a lei virar decreto foi causada justamente pela divisão entre os técnicos do governo sobre como calcular a indenização aos concessionários antigos pelos investimentos realizados. Acabou prevalecendo a posição do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que considera os investimentos não amortizados para ressarcir as concessionárias. Como a alternativa ; um processo de caducidade da concessão ; é o pior dos mundos, o governo aposta que interessados aparecerão, mesmo que as condições do decreto sejam contestadas por empresários e especialistas.
Os administradores das rodovias da chamada terceira etapa de concessões do governo Dilma Rousseff são os principais interessados no decreto. Isso porque a recessão econômica levou ao não cumprimento das metas. Os contratos foram projetados para um movimento nas estradas que não se confirmou após a crise. As empresas pediram reequilíbrio econômico-financeiro para adequar as exigências à real movimentação nas rodovias concessionadas. Contudo, os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), feitos com base em projeções superestimadas, foram suspensos. Além disso, os consórcios vencedores tinham entre os sócios grandes construtoras envolvidas na Operação Lava-Jato.
Melhor que nada
Para o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), César Borges, o decreto saiu e isso é melhor do que nada. ;Lamentavelmente, isso ocorreu três anos depois de os problemas se agravarem, em 2016. O país passou por um período turbulento da economia. Houve estrada, no Rio de Janeiro, por exemplo, em que o fluxo caiu 40%;, assinala.
Borges explica que a regulamentação cria uma série de obstáculos até chegar à relicitação. ;É preciso a concordância de ambas as partes, poder concedente e concessionária. No caso, ANTT e empresa. Só que a agência não faz isso sozinha. A concessionária faz a proposta à ANTT, vai para o Ministério da Infraestrutura, ao PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) e, depois, à Presidência da República. Só então, aprovada a devolução, se faz um termo aditivo. Nisso aí, vão dois anos;, diz.
O presidente da ABCR diz que o decreto não avançou porque não define exatamente como será a indenização dos bens reversíveis que não foram amortizados. ;A ANTT tem uma proposta, mas, do jeito que está postada, a concessionária tem que abrir mão do que já fez. Gera muita incerteza e insegurança jurídica. Isso precisa ser esclarecido;, ressalta. ;Com exceção da Invepar, que se posicionou oficialmente, as concessionárias ainda estão avaliando o decreto;, afirma.
Caducidade
Borges acrescenta que a ameaça de caducidade por parte do governo pode empurrar as empresas para a judicialização. ;A caducidade é uma possibilidade, mas não é algo que o governo imponha, porque o outro lado, achando que será penalizado, vai acabar no Judiciário, o que é uma solução muito ruim. Os maiores prejudicados são o usuário, porque está pagando pedágio sem serviço, e o Brasil, por conta da falta de infraestrutura adequada;, alerta. ;Essa ameaça é a pior saída. Veja o caso da BR-153: houve caducidade e nada foi feito em cinco anos. Agora é que o governo vai fazer a relicitação;, lembra.
Sem acordo, sustenta Borges, o imbróglio só vai aumentar. ;Com o apagão das canetas, as decisões têm sido proteladas;, revela. Murilo Jacoby Fernandes, advogado do escritório Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados, explica que as autoridades têm medo de assinar documentos, como os aditivos de reequilíbrio econômico-financeiro, porque essas decisões envolvem valores muito altos. ;Como é tudo na casa dos milhões, o apagão das canetas acaba levando à judicialização;, esclarece.
"Lamentavelmente, isso (decreto das relicitações) ocorreu três anos depois de os problemas se agravarem, em 2016. O país passou por um período turbulento da economia. Houve estrada, no Rio de Janeiro, por exemplo, em que o fluxo caiu 40%;
César Borges,
presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias
presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias