Brasil

PF busca formas de se tornar mais independente de pressões políticas

Diretor-geral está na linha de tiro do presidente Jair Bolsonaro, em meio à animosidade criada com a corporação, mas o alvo é o ministro Sérgio Moro, que vê o poder minado por intrigas palacianas

Leonardo Cavalcanti - Enviado especial, Renato Souza
postado em 26/08/2019 06:00
Um dos objetivos da corporação é o aumento no número de equipes voltadas para o combate ao crime organizadoSalvador e Brasília ; Poucos minutos depois das 8h da última quinta-feira, o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, saiu do elevador em direção ao carro descaracterizado que o levaria do hotel a um shopping na capital baiana. O delegado de classe especial evitou educadamente os jornalistas e seguiu para a principal atividade do dia: uma palestra sobre o combate à corrupção. O discurso era o mais aguardado daquela manhã, afinal, a cabeça do homem estava a prêmio em Brasília, por obra e graça do presidente Jair Bolsonaro.

Valeixo, de maneira fria, limitou-se a analisar a evolução do trabalho técnico da Polícia Federal, a partir do uso da tecnologia dos inquéritos. Não fez qualquer referência à tensão evidente entre os delegados que acompanhavam a palestra. Qualquer palavra sobre a crise sem precedentes que atinge a corporação poderia ser mal interpretada a 1.500km dali, no Palácio do Planalto. Uma confidência havia sido feita antes: ;Quem me chamou para o cargo foi o ministro Sérgio Moro. Se ficar preocupado com uma exoneração, não faço o meu trabalho;. Valeixo é apenas uma peça, um marisco, na briga entre o rochedo e o mar, ou melhor, entre Bolsonaro e Moro.

Enfraquecido desde a publicação de supostas das mensagens trocadas com integrantes da força-tarefa em Curitiba, Moro vê o poder minado por intrigas palacianas. Por tabela, Valeixo, o indicado do juiz para o comando da PF, acabou na linha de tiro. Desde a semana retrasada, a tensão entre a Polícia Federal e o Planalto só aumenta. Uma declaração de improviso de Bolsonaro pegou de surpresa os delegados. ;Vou mudar, por exemplo, o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Motivos? Gestão e produtividade;, disse. Um dia depois, Bolsonaro aumentou o tom, mas teve de recuar.

Tuitada

Os movimentos de Bolsonaro, entretanto, continuaram com uma tuitada na quarta-feira, deixando apreensiva a cúpula da corporação. O presidente, tal qual um incendiário, foi ainda mais fundo. Disse ;confiar plenamente; nos ministros, mas que a escolha do diretor-geral da PF é de competência exclusiva dele. Desde a publicação, técnicos do Ministério da Justiça e delegados da PF aguardam a saída de Moro e, por tabela, a queda de Valeixo.

;Um segundo, deixa eu olhar aqui no celular se o DG (diretor-geral) caiu;, disse um delegado lotado na Bahia, num misto de brincadeira e apreensão, durante o Simpósio Nacional de Combate à Corrupção, promovido em Salvador, no fim da semana passada. As consequências da saída de Valeixo são imprevisíveis, principalmente por não existir um nome para substituí-lo, o que deixa a PF em alerta sobre a interferência de Bolsonaro na corporação em escalas grandiosas. ;O problema hoje é que estamos lidando com um governante imprevisível, capaz de dar qualquer declaração. É quase impossível traçar um plano de preservação;, ressaltou um delegado lotado no Rio de Janeiro.

Um integrante do alto escalão na Esplanada dos Ministérios, ainda assustado com as declarações de Bolsonaro sobre interferência na PF, afirmou ao Correio que é preciso uma mudança de rota. ;Isso não vai dar certo. Alguém precisa convencer o presidente a maneirar o discurso. Abrir uma guerra com a PF não é a ação mais inteligente.; A dificuldade é a escalada das declarações de Bolsonaro, cada vez mais agressivas, que podem levar a relação com os policiais a um caminho sem volta. ;Ainda não chegamos a esse ponto, mas é preciso entregar as armas e manter o diálogo.;

Suspeitas

Entre os policiais federais e a própria cúpula do governo, há uma busca pelo interlocutor de Bolsonaro que está insuflando o presidente contra a corporação. Uma das suspeitas iniciais levantadas estaria no filho Eduardo Bolsonaro, escrivão da PF, uma categoria francamente distante da dos delegados. Os policiais mais experientes, porém, apontam para uma segunda hipótese: a de um delegado interessado no jogo de poder desenvolvido no Máscara Negra, como é chamado o prédio da sede da PF em Brasília. E tudo teria começado pelo desejo expressado pelo superintendente do Rio de Janeiro, Ricardo Saadi.

Durante os últimos meses, Saadi expressou, em vários momentos, a vontade de deixar o cargo e voltar para Brasília. A troca natural seria por Carlos Henrique Souza, lotado em Pernambuco, que, não era segredo para ninguém na corporação, desejava voltar para o Rio de Janeiro, onde já tinha atuado. Paralelo a tal acerto, grupos de delegados se movimentaram para emplacar nomes próprios, distante do que foi acertado com Valeixo. ;Essas brigas sempre existiram na PF, não é novidade, mas elas só ocorrem quando há espaço de poder a ser ocupado;, destacou um delegado lotado em Brasília. O fato é que Moro ficou fragilizado mais rápido do que se esperava, abrindo janelas para substituições nas superintendências.

Enquanto a tensão se mantém em alta, Valeixo é aconselhado a não abandonar o cargo, o que representaria uma vitória para Bolsonaro na tentativa de interferência na PF. Ruim com ele, pior sem ele, é a lógica de parte dos delegados, que tenta fazer gestões no Congresso para aprovar um projeto que dê mais autonomia e fixe um mandato para o diretor-geral. Mas as especulações maiores são centradas no tempo que Moro ainda vai resistir na Esplanada. Para uma parcela significativa dos delegados, o ministro está sendo esculachado por Bolsonaro. A partir daqui, entretanto, as opiniões divergem em duas ações diversas de redução de danos: a manutenção no cargo pela inexistência de plano B para o momento e a saída do posto a partir de um pedido formal e uma entrevista coletiva para se explicar à população. Nenhuma das alternativas é totalmente boa para Moro. Todos voltam a concordar.

A corporação

Estrutura
; 10 mil integrantes
; Desses, 5,7 mil são agentes
; 600 em formação
; Número desejado: 15 mil
; 27 superintendências

Orçamento
; R$ 1,3 bilhão

Principais competências
; Polícia marítima, aérea e de fronteiras
; Segurança do presidente e ministros de Estado
; Combate ao tráfico de drogas
; Proteção da segurança nacional
; Atuar em crimes contra a organização do trabalho

Combate à corrupção
; Apoio técnico e científico aos estados e DF
; Coordenação de serviços de identificação

Fonte: Decreto 73.312/73, Federação Nacional dos Policiais Federais


Plano estratégico


Dentro da Polícia Federal existe opinião unânime de que a corporação precisa de mais independência em relação ao Poder Executivo. Os delegados e agentes confiam no ministro Sérgio Moro, mas mantêm receio em relação ao temperamento do presidente Jair Bolsonaro. As declarações recentes, em que ele deixa claro quem manda no governo, ressaltaram a necessidade de uma mobilização interna para garantir a continuidade do trabalho realizado até agora e conquistar outros objetivos, como um aumento no número de equipes voltadas para o combate ao crime organizado.

Uma das medidas é conseguir apoio do Congresso Nacional para que o diretor-geral da corporação tenha um mandato. A ideia é que seja definido um tempo de estabilidade, em que o presidente não poderia, por iniciativa individual, trocar o comando da corporação. Na semana passada, a Proposta de Emenda à Constituição 420, que prevê autonomia para a PF, ganhou um relator. O deputado João Campos (PRB-GO), delegado da Polícia Civil, é quem vai avaliar a proposta. Mas a aceitação da medida dentro da corporação não é unânime.

O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Luis Boudens, criticou as declarações do presidente e destaca que a PF está subordinada diretamente ao Ministério da Justiça. ;Desde o início, nós achamos que houve um atropelo quando ele (Bolsonaro) fez um anúncio da troca na superintendência do Rio. O delegado daquela unidade já tinha intenção de voltar a Brasília para contribuir com essa proposta do governo. Ele trabalhou muito tempo no setor de recuperação de ativos. A mudança já estava definida havia dois meses;, frisou. ;A forma como ele anunciou, dizendo que foi uma iniciativa dele, gerou mal-estar. Esse tipo de comentário não pode ser feito em público, tem de ser discutido internamente, com o ministro da Justiça, a quem a PF responde imediatamente.;

Boudens reprova a proposta de emenda à Constituição. ;Essa PEC tem a bandeira de autonomia, mas não é. Retira o controle externo da atividade policial. Só interessa a um pequeno grupo na PF. Tem um corporativismo. O ideal seria um projeto de lei que garanta um funcionamento da polícia. Esperamos que seja rejeitada.;

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