Brasil

Censura gera guerra judicial

Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro cassa liminar que proibia a apreensão de livro com temática LGBT em feira literária. Organizadores do evento anunciam recurso ao Supremo Tribunal Federal

postado em 08/09/2019 04:16
Com a iniciativa de recolher livro de quadrinhos que traz imagem de beijo entre dois homens, Crivella se colocou no centro de um debate sobre liberdade de expressão e de orientação sexual

A polêmica sobre a censura a um livro com temática LGBT na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, ganhou novos contornos ontem. O presidente do Tribunal de Justiça do estado, Cláudio Mello Tavares, suspendeu a liminar que impedia a prefeitura do Rio de apreender obras expostas na feira. Em nota, os organizadores da Bienal anunciaram que vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão, ;a fim de garantir o pleno funcionamento do evento e o direito dos expositores de comercializarem obras literárias sobre as mais diversas temáticas ; como prevê a legislação brasileira.;

Na sexta-feira, por ordem do prefeito Marcelo Crivella, fiscais do município foram à bienal em busca do livro Vingadores ; A cruzada das crianças, um HQ da Marvel que apresentava imagens de dois homens se beijando. No mesmo dia, contudo, o desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes acolheu pedido do Sindicato Nacional dos Editores de Livros e concedeu liminar proibindo a ação dos fiscais.

O sindicato argumentou que a Bienal expõe alguns livros que ;espelham os novos hábitos sociais, sendo certo que o atual conceito de família, na ótica do Supremo Tribunal Federal, contempla várias formas de convivência humana e formação de células sociais;. Na ótica do sindicato, a fiscalização determinada por Crivella também feria a liberdade de expressão assegurada pela Constituição.

No entendimento do presidente do TJRJ, contudo, não houve impedimento à liberdade de expressão. ;Em se tratando de obra de super-heróis, atrativa ao público infantojuvenil, que aborda o tema da homossexualidade, é mister que os pais sejam devidamente alertados, com a finalidade de acessarem previamente informações a respeito do teor das publicações, antes de decidirem se aquele texto se adequa ou não à sua visão de como educar seus filhos;, afirmou Mello Tavares. O magistrado alegou ainda que esse procedimento está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Com base na nova decisão, fiscais estiveram ontem na Bienal, mas nada foi apreendido.

Autoritarismo
Desde que Crivella anunciou a intenção de recolher os Vingadores, o assunto ganhou gande repercussão nas redes sociais e provocou reações em defesa da liberdade de expressão e da causa LGBT. Ontem, o escritor e quadrinista Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica, criticou a atitude do prefeito carioca. ;Contra a censura, a favor da liberdade de expressão e do respeito;, postou ele nas redes sociais. A Bienal do Rio homenageia Maurício de Sousa este ano pelos 60 anos de profissão do cartunista.
Espaço para a diversidade
A intenção do prefeito do Rio, Marcello Crivella, de recolher um livro de quadrinhos que traz uma cena de beijo entre dois homens, movimentou a Bienal do Livro, ontem ; mas não em favor dos objetivos do chefe do Executivo municipal. O espaço da feira literária tornou-se palco de manifestações do público LGBT em favor do direito de expressão e da aceitação da diversidade. Para marcar posição, parte do público presente organizou um ;beijaço; contra a tentativa de censura.
Além disso, foram organizados debates sobre liberdade de orientação sexual e literatura trans. Em outra iniciativa para contestar a decisão do prefeito, milhares de pessoas compareceram à Bienal para receber, gratuitamente, uma obra com conteúdo LGBT.

A distribuição foi uma iniciativa do youtuber Felipe Neto, que comprou 14 mil livros para entregá-los ao público, em resposta à intenção de Crivella. As obras, com diversos títulos, foram embaladas em plástico preto e etiquetadas com a mensagem: ;Este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas;.

No vídeo em que anunciou a distribuição, Felipe Neto afirmou que ;o prefeito nunca se incomodou com histórias em quadrinhos que trazem cenas de violência ou guerra;. ;Só o que incomoda é o amor entre pessoas do mesmo sexo;, ressaltou.

As publicações, distribuídas na Praça Central da Bienal, foram negociadas pela equipe do youtuber diretamente com as editoras participantes da feira. Alguns exemplares saíram dos estandes e outros tiveram de ser trazidos dos estoques das companhias.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação