postado em 16/09/2019 04:05
Um experimento imprevisívelEstão na ordem do dia alguns projetos de reforma tributária. Dois são bem conhecidos e iniciaram sua tramitação simultânea na Câmara dos Deputados e no Senado. Uma terceira reforma está sendo alinhavada no Ministério da Economia em meio a turbulências e desencontros. São muitas reformas e poucas concordâncias.
O sistema tributário brasileiro é um candidato natural para a reforma. Ele pesa demais sobre as empresas e as pessoas. Nossa carga de impostos como proporção do PIB está em torno de 35%. Poucas economias do mundo são tão tributadas. Nenhuma na América Latina, onde a média gira em torno de 20%. Nos Estados Unidos, a carga é de 25%. Níveis de tributação como o brasileiro só na Europa, muito mais rica do que nós e com um padrão de serviços públicos incomparável.
Nem sempre foi assim. Nos tempos em que nosso país crescia a taxas elevadas, especialmente depois da Segunda Guerra e nos primeiros anos do regime militar, nossa carga tributária oscilou entre 20% e 24%. Talvez seja essa uma das razões para o dinamismo que desapareceu. Depois da Constituição de 1988, para fazer face ao aumento extraordinário das despesas públicas, essa carga passou para os atuais 35%, um salto de 11 pontos percentuais da renda nacional, praticamente para nada. Na verdade, além dos novos gastos com o Sistema Único de Saúde, uma conquista civilizatória em todos os sentidos, todo o aumento das receitas serviu apenas para pagar mais salários, aposentadorias e expansão da burocracia.
Apesar desse enorme aumento dos impostos, o Estado brasileiro ainda tem deficits e uma dívida pública elevadíssima. Portanto, nenhuma reforma vai diminuir os impostos, apenas mudar a forma como são cobrados. Uma diminuição da carga tributária teria efeitos inegáveis no crescimento da economia. Sua simples racionalização, por maior que seja, terá efeitos muito menores.
Os projetos que estão em discussão reduzem o número de impostos, reunindo-os numa nova figura tributária, cuja alíquota será tal que mantenha a receita dos impostos que antes existiam. Se somarmos os impostos federais e estaduais sobre o consumo, a alíquota do novo imposto não poderá ser menor do que 25% e sua incidência se ampliará para novos fatos geradores, principalmente serviços, que são pouco tributados hoje. No novo sistema, aluguéis, honorários profissionais, enfim, a maior parte dos serviços vão pagar 25% de imposto. Produtores rurais pessoas físicas, que hoje não são contribuintes nem do ICMS nem do PIS e da Cofins, serão tributados à mesma alíquota. Em qualquer hipótese, haverá um brutal deslocamento de carga tributária entre setores econômicos.
Ninguém mediu ainda os efeitos dessas transferências de carga tributária, mas, no afã de capturar impostos nos setores mais dinâmicos da economia, pode-se estar sufocando esses setores, com prejuízos para a economia e até para a receita tributária.
Outro aspecto preocupante é que o novo sistema vai ser implantado aos poucos, progressivamente. Durante um período de transição de 10 anos, os dois sistemas vão conviver, ou seja, as empresas e as pessoas vão ter que pagar os impostos velhos e os novos. Antes da simplificação, que se completará por volta de 2030, vamos viver num dos ambientes tributários mais complicados e estranhos que a história já registrou.
Todos concordam que o sistema tributário brasileiro, além de oneroso, é complexo em demasia, gerando imprevisibilidade e muito litígio judicial. Algo deve ser feito para simplificá-lo, se quisermos atrair novos investimentos, criar empregos e nos desenvolver. Talvez isso não requeira uma mudança radical. Nessa matéria, como em tantas outras, as mudanças incrementais, que vão se acumulando com o tempo, devem ser preferíveis.
Meu pressentimento é que esse processo de reforma tributária possa criar mais imprevisibilidade e incerteza e o produto final, talvez, possa ficar muito distante das expectativas. Há momentos em que a moderação é mais revolucionária.