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Servidora que denunciou caso de racismo foi exonerada pela prefeitura de BH

A funcionária pública acusou dois servidores da Secretaria Municipal de Segurança Pública de racismo

Larissa Ricci - Estado de Minas, Gabriel Ronan - Estado de Minas
postado em 20/09/2019 08:29

Em outubro de 2017, Etiene conta que foi nomeada gerente de Prevenção à Violência e Criminalidade Juvenil, que tem como principal função coordenar o programa de Prevenção á Letalidade de Jovens e AdolescentesA Prefeitura de Belo Horizonte exonerou, nessa quarta-feira (18/9), a servidora pública Etiene Martins, de 35 anos, que denunciou dois casos de racismo que teriam partido de outros dois funcionários do Executivo municipal. Etiene trabalhava no Programa de Prevenção à Letalidade de Jovens e Adolescentes, e sustenta ter sido desrespeitada por um guarda municipal em novembro de 2018.

De acordo com Etiene, o guarda municipal disse que ;preto bom é preto morto;, em um evento que reunia representantes de movimentos em defesa da igualdade racial.

Posteriormente, em março deste ano, Etiene relata ter recebido um e-mail, enviado por sua chefe, questionando suas denúncias. Na mensagem, a remetente afirmava que ;lugar de negra é limpando o chão;.

A exoneração foi publicada na edição do Diário Oficial do Município (DOM) dessa quarta-feira.

Em posicionamento, a prefeitura informou que a servidora já havia pedido exoneração em 3 de julho deste ano, antes das denúncias. Contudo, a secretaria não aceitou o pedido, com objetivo de apurar o fato, conforme a PBH.

A apuração, segundo o Executivo municipal, ;resultou na absolvição do guarda municipal; por parte da Corregedoria do órgão.

Por telefone, a assessoria da Guarda Municipal disse que o guarda municipal proferiu uma ;fala mal posicionada; e passou por um curso de qualificação.

Quanto à outra denúncia, que diz respeito ao e-mail da chefe de Etiene, a prefeitura informou que o caso é apurado pela delegacia de crimes cibernéticos da Polícia Civil. Ressaltou, ainda, que o inquérito deve ser fechado em breve.

O caso

Toda a situação foi relatada por Etiene Martins nas redes sociais. Em outubro de 2017, ela contou que foi nomeada gerente de Prevenção à Violência e Criminalidade Juvenil, que tem como principal função coordenar o programa de Prevenção à Letalidade de Jovens e Adolescentes.

;Fiquei feliz e esperançosa e encarei como uma missão trabalhar com políticas públicas que pudessem contribuir com a diminuição dos números do genocídio do negro na capital mineira;, contou, na época, ao Estado de Minas.

Porém, em 21 de novembro de 2018, ela disse que foi vítima do que mais combate em sua missão: o racismo.

;Estávamos no Seminário Municipal de Prevenção ao Crime e à Violência, promovido pela PBH. Após uma das mesas de discussões, que contava sobre o perfil dos jovens negros que morrem vítimas de assassinato, um guarda municipal, chamado Luzardo, me disse a seguinte frase: ;preto bom é preto morto;", contou.

Ela diz que o questionou pela fala, mas o guarda agiu com completa naturalidade. De acordo com Etiene, o agente trabalhava como motorista da Secretaria de Segurança e Prevenção.

Então, ela decidiu comunicar à pasta sobre o que havia ocorrido. Logo, informou à diretora de Prevenção Social ao Crime e à Violência, Márcia Cristina Alves, e ao secretário Genilson Zeferino para que fosse orientada de como proceder.

Por meio do aplicativo WhatsApp, em 22 de novembro, o secretário teria dito: ;Preciso falar-lhe com urgência. De antemão, te peço não tomar nenhuma medida jurídica ou policial em função do que você viveu hoje. O prefeito já foi informado e me advertiu no sentido de resolver ;o problema; sem tornar público nossas fraquezas;.

A tela com a mensagem foi capturada e publicada no Facebook por Etiene. Ela afirmou que o titular da pasta a aconselhou a não levar a denúncia adiante, pois o ambiente de trabalho ficaria ;insustentável;.

Porém, em 24 de novembro, ela decidiu ir à Corregedoria da Guarda Municipal e abrir um processo contra o agente. Em maio deste ano, seis meses depois do episódio, ela disse que nada havia mudado e o guarda exercia sua função normalmente, inclusive, no mesmo ambiente que ela.

;O ambiente já estava insustentável pra mim. Era uma tortura dividir o mesmo elevador e ambiente com esse guarda, que trabalha armado. Sinceramente eu morria de medo;, relatou.

Ela conta que decidiu, inclusive, se deslocar por meio de aplicativos de transporte para que não fosse necessário entrar no carro com o servidor que ela denunciava.

Seis meses depois, segundo ela, a Corregedoria concluiu que a fala do agente não configurava ;dolo, mas sim fala inapropriada no local de trabalho;, conforme informado pela assessoria da pasta.

;Em um dos depoimentos, o guarda admitiu ter dito a frase ;preto bom é preto morto;, mas disse que não falou por maldade, que foi de pura alma, e que era só uma brincadeira;, afirmou Etiene.

E-mail

Em 21 de maio, ela decidiu registrar um boletim na Polícia Civil e comunicar ao secretário sobre a insatisfação com a avaliação da Corregedoria. Porém, logo depois, Etiene diz ter sido surpreendida por um e-mail enviado em nome da diretora de Prevenção Social ao Crime e à Violência, Márcia Cristina Alves.

;Depois da sua argumentação de hoje, você me fez constatar que para representar a SMSP (Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção) é necessário um gerente branco como o Sebastião e o lugar de negra é limpando o chão;.

Segundo Etiene, o secretário a garantiu que apuraria a situação e chamou um técnico da Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel) para verificar a veracidade do e-mail.

A apuração, afirma Etiene, constatou que a mensagem era verdadeira e que foi enviada do computador da diretora. ;O secretário me mudou de setor e me disse para ficar tranquila que o processo está na Corregedoria e teria responsabilização;, acrescentou.

Em 28 de julho, ela voltou à Corregedoria.

;Fui obter informações relativas a datas e andamento do processo com o relator responsável, que me atendeu no corredor da recepção, diante de outros servidores e visitantes, e se recusou a me passar informações, alegando que eu seria chamada para depor. Insisti, expliquei minha situação e nada;, lamentou. Foi quando ela decidiu fazer o post do Facebook para expor a situação.

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