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Brasileiros no exterior: entenda dificuldades e privilégios de quem partiu

Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, até fevereiro de 2019, 3,5 milhões de brasileiros moravam fora do Brasil. Esse número é maior na América do Norte, onde há 1,7 milhão, e seguido pela Europa, com 987,7 mil brasileiros

Camila Aldrighi deixou o Brasil há três anos em busca de oportunidades de estudo em outro país. Na bagagem, carregou a saudade da terra de origem e a coragem em mudar de vida. "O que eu quero mesmo é voar", esclarece. Hoje, a produtora de conteúdo mora em Porto, Portugal, onde fez o mestrado em design gráfico. Deixou para trás parentes e amigos. Mas, sem se arrepender da decisão de ir embora, a jovem de 26 anos tem o sonho de continuar a aventura por outros países, sempre em busca de uma vida melhor.

A história de Camila é igual a muitos outros brasileiros que querem estudar ou trabalhar no exterior. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, até fevereiro de 2019, 3,5 milhões de brasileiros moravam fora do Brasil. A maior parte está América do Norte (1,7 milhão), seguida pela Europa, (987,7 mil).

A Receita Federal apontou que até julho deste ano, 21,8 mil brasileiros pediram a Declaração de Saída Definitiva do País ; no ano passado inteiro, esse número foi de 23,1 mil. Os dados também mostram que, desde 2011, há um aumento no número de pessoas que pediram o documento à Receita. A maior alta foi em 2016, quando os dados saltaram de 14,9 mil para 21 mil pedidos em comparação ao ano anterior.

Adaptação

É claro que, no entanto, a mudança nem sempre é fácil. Além da cultura diferente, quem decide ir embora também tem que enfrentar a saudade dos familiares e as burocracias para entrar no outro país. "Eu realmente vim para cá com muita certeza da minha experiência no exterior, na busca por mim mesma e na melhoria da minha qualificação profissional", conta Camila.

Leandro Luis, 28 anos, disse adeus ao Brasil há dois anos. Além de querer manter uma proximidade com a mãe, que já morava na Itália há dez anos, Leandro partiu em busca de aventura e também de melhores condições de trabalho. "No começo, cheguei a pensar que eu poderia ter feito diferente, que poderia ter tentado algo no Brasil. Mas logo tirei esse pensamento da cabeça. Quem decidir morar em outro país deve se abster da ideia de algum dia voltar, porque assim você acaba conseguindo mais motivação e disciplina para poder continuar vivendo fora do seu país de origem", relata.

Apesar da mãe já morar no país de destino, a mudança não foi fácil. ;Algumas pessoas demoram muito pra conseguir emprego aqui por conta da área de atuação. Eu tive que mudar a minha área profissional pra poder conseguir algum emprego bom;, diz. De biblioteconomista no Brasil, Leandro virou programador júnior na Itália.

Diferenças na cultura

Tanto Leandro quanto Camila sentem saudade de casa, dos parentes e dos amigos que ficaram. O arrependimento, no entanto, não tem vez. A designer lembra de cenários específicos de Brasília como ipês, blocos, cobogós e a Feira do Guará. "Da comida, sinto falta de coisas específicas também. Mas, não se preocupe se você vem para Portugal, porque aqui tem quase tudo que temos no Brasil", diz. Já Leandro aponta sentir falta da forma como "o brasileiro se diverte e da música brasileira tocando nos lugares".

O principal empecilho no caso do programador foi a comunicação. E é essa dica que ele dá a quem quer se arriscar a morar no exterior: aprender o idioma antes de ir. Apesar de ter aprendido um pouco do italiano antes de embarcar, o contato no Brasil não foi o suficiente para prepará-lo. "O principal impacto é realmente a língua. Adaptar-se a uma nova língua precisa de certo esforço mental. É a necessidade de sair da zona de conforto todo o tempo. E eu precisava aprender rápido o idioma para conseguir um emprego logo, então dedicada quase todo o meu dia estudando;, relata. "Acredito que se tivessem me contado o quanto é dificil se comunicar de forma justa, eu teria me preparado melhor", acrescenta.

Além disso, Leandro também indica estar preparado para as mudanças climáticas. Enquanto no Brasil, o clima tropical predomina, no país europeu, as temperaturas podem chegar próximas a zero. "Saber antes sobre quais áreas do mercado de trabalho são as mais fortes no país também é uma grande ajuda. Quanto mais preparo, melhor;. A burocracia também pede paciência: foram quatro meses para conseguir todos os documentos para ficar legalmente no país.

"Intenso"

Para ajudar outras pessoas a passarem pela mesma situação, Camila criou o próprio site, o Maracujá Roxo, para contar os percalços da experiência de mudar de país. "Eu não achava nada em nenhum site sobre o processo burocrático para vir", conta.

A ideia de criar um portal na web surgiu da necessidade de estar em contato e ajudar outras pessoas que estavam passando pelo mesmo processo. "Vim para estudar e na época, para conseguir trabalhar ao mesmo tempo era bem mais complicado burocraticamente falando. Hoje, basta comunicar o órgão de que os horários não conflitam e que você possui essa atividade", contou. Apesar de não encontrar dificuldades em conseguir emprego após a dissertação do mestrado, Camila conta que já ouviu relatos de pessoas que acham a busca por uma ocupação difícil em outras áreas, como jornalismo e arquitetura.

"Ao contrário do que pensam, o nosso português é muito diferente do de Portugal. Tão diferente que aqui eles dizem que não falamos português do Brasil, mas sim brasileiro. As situações envolvendo os dois idiomas são muito engraçadas. Por exemplo, as pessoas têm que lembrar de nunca ir à papelaria e pedir durex em Portugal", brincou.

A palavra "durex", apesar de remeter à fita adesiva no Brasil, em Portugal quer dizer preservativo. A dica dela é além de se preparar emocionalmente, também pensar no financeiro, principalmente ao pensar no Euro. "Não venha para Portugal esperando o El Dorado. Você não virá para cá para enriquecer com um emprego porque está ganhando em euros ; e é mais provável até que gaste as suas economias enquanto estiver por aqui. A sua qualidade de vida será infinitamente melhor em muitos aspectos, mas em outros, você se lembrará que é imigrante", afirmou.

Mas mesmo com saudade, ambos resumem a nova vida em uma frase. "O Brasil pode ter suas qualidades, mas viver em outro pais, estar sempre fora da zona de conforto, estar sempre alerta e ser cada vez mais capacitado, te faz crescer muito como pessoa", diz Leandro. E Camila relembra o início de tudo: "Lembro muito bem de olhar no espelho, ver a raiz do cabelo pintado crescer um pouco e sentir ;puxa, que louco, mas eu já vivi tantos nesse mês. É realmente intenso", conta.

Crise e novas oportunidades

Entre os principais países mais procurados pelos brasileiros estão: Estados Unidos (1,6 milhão); Paraguai (235,6 mil); Japão (196,6 mil); Reino Unido (140 mil); Espanha e Andorra (137 mil). A estimativa é calculada pelo Itamaraty.

De acordo com o professor de economia do Insper Otto Nogami é natural que a maioria dos brasileiros que procurem oportunidades fora do país escolham regiões que têm melhores condições financeiras, como a América do Norte ou a Europa. "Mesmo que um país esteja em crise lá fora, muitos ainda preferem viver em um país evoluído com crise do que em um país menos evoluído", explica.

Questionado sobre as razões do Paraguai estar entre os três países mais procurados por brasileiros, Nogami explica que indústrias brasileiras migraram ao país por interesses econômicos, como por exemplo, na energia elétrica mais barata ou nas leis trabalhistas menos impactantes sobre os custos da empresa.

Para o especialista, há vários motivos para um brasileiro deixar o país de origem, mas há sempre o mesmo tipo de preocupação: "Tem a questão econômica, e tem a questão da segurança. E uma percepção também que temos é que há um contingente de pesquisadores, do mundo acadêmico, que está sentindo essa falta de investimento no Brasil, e vai embora porque não tem mais campo para desenvolver pesquisa", conta.

Os números podem ser ainda maiores com a falta de recursos para novas bolsas de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A debandada, no entanto, pode ter sérias consequências para o país. "O Brasil pode estar perdendo um estoque de pessoas qualificadas. Porque aquelas que não estão qualificadas não se aventuram em sair do país. Os qualificados saem e até se sujeitam a trabalhar fora do ramo de atividade, mas têm uma perspectiva de ter um emprego e uma renda melhor", afirma.

Para frear essa saída, Nogami acredita que o Brasil não deve apenas retomar a economia, mas também dar condições de vida melhor. "O governo tem que investir mais em segurança, em ciência e tecnologia e mudar a perspectiva no cenário econômico", completa.