postado em 14/10/2019 04:14
Durante todo o domingo, desde as 3h, Belém estava lotada de gente indo para a Sé, onde a santa dormiu. Se é que conseguiu. A vigília na porta nunca cessa. Fiéis caminham descalços. Outros levam o que podem. E cada um tem uma história muito particular de devoção e experiência com Nazaré. Duas coisas unem toda essa gente: a fé inarredável e a superação de todos os obstáculos para celebrar Nossa Senhora, no segundo domingo de outubro de todos os anos. Há mais de dois séculos tem sido assim.
No meio de tanta história, uma especialmente comoveu. A assistente administrativa Girlane Monteiro, de 33 anos, um filho de 4, caminhava sozinha em meio à multidão. Ela carregava um saco de terços de dedo. Havia comprado 500. Gastou R$ 250. Moradora de Jurunas, um bairro distante do centro da capital paraense, ela pegou um moto-táxi, até um certo local onde deu para passar (a maior parte das ruas estava bloqueada), e depois caminhou a pé mais uma hora. E chegou à Avenida de Nazaré, para ver a santa passar. Com o saquinho de terço nas mãos, ela entregou um a um para quem quis receber. ;Há três anos, tive uma suspeita de que meus nódulos no fígado podiam ser malignos. Mas exames mostraram que não. Estou em tratamento e fiz essa promessa;,explicou.
Ricos, pobres. Todos iguais na procissão. Até abraçam. Contam suas vidas, pedem, agradecem. E choram. Choram muito. O Círio é isso. Nada mais que isso. E tudo isso.
Pelas ruas de Belém, quando se pergunta para qualquer pessoa qual a tradução e o sentido dessa celebração, ela responde, com o sotaque carregado do chiado do paraense: ;Mano, para entender o Círio de Nazaré, é preciso vir, ver e viver. Não dá para explicar;. Eles têm razão. É preciso vir, ver e viver. É preciso sentir. É preciso se despir de tudo que se imaginava saber. E, sobretudo, é preciso quase nada perguntar.
Se quem perguntou conseguiu enxergar tudo isso, finalmente, entendeu o Círio de Nazaré. Ano que vem, Belém viverá tudo outra vez. E, ainda assim, será completamente diferente. (MA)