Brasil

O efeito trágico do abandono afetivo

Condenação de menino de 12 anos por estupro e morte de menina de 9 anos, em São Paulo, reacende a discussão sobre as razões que levam a esse ponto, no bojo do debate da redução da maioridade penal

Correio Braziliense
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postado em 09/11/2019 04:05
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A condenação do adolescente de 12 anos pelo estupro e assassinato, por asfixia, da menina Raissa Eloá Capareli Dadona, de 9 anos, no Parque Anhanguera, em São Paulo, proferida quarta-feira passada, reacende uma discussão que vai além da redução da maioridade penal. Para especialistas, uma das motivações para crimes bárbaros cometidos por crianças e jovens é, sobretudo, o abandono afetivo.

Segundo o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança Adolescente e Juventude da Seção DF da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Charles Bicca, a discussão da maioridade penal jamais deixou de existir. Para ele, o bárbaro ato infracional cometido por uma criança de 12 anos pode chamar atenção para uma discussão ainda mais importante, que é a análise da motivação da prática de tais crimes por jovens com idade cada vez menor.

;Como presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança acho importante entender por que essas crianças têm cometido esses atos;.

O advogado, que estuda o abandono afetivo, associa a omissão dos cuidados de pais e responsáveis aos atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes. O abandono afetivo é o descumprimento dos deveres do poder familiar, assistir, criar e educar os filhos, previstos em lei pelos artigos 229 e 227 da Constituição Federal.

;Dentro dos trabalhos que eu fiz, nos últimos 10 anos, sobre a repercussão desse abandono, eu consegui ver índices significativos que correlacionam os temas;, diz. Bicca afirma que 77,6% dos internos da Fundação Casa foram criados sem o amparo dos pais.

O mesmo aconteceu quando o advogado pesquisou o tema nas unidades de internação de Santa Catarina. ;Lá, seis entre 10 menores tiveram uma infância sem o pai. O que se nota é a falta do pai na vida desses internos;, afirma. O especialista escreveu três livros sobre o tema e tem priorizado o asunto na comissão. ;Uma família funcional e presente, seja qual for a composição, é o primeiro freio que esse menor tem no combate à prática de atos infracionais;, completa.

Reeducação

Já o professor de sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Lúcio Castelo Branc, acredita que esse tipo de ato infracional pode acelerar uma discussão sobre a punição do menor de idade. Cerca de 30 mil adolescentes hoje estão no sistema socioeducativo, em todo o Brasil. ;É preciso reavaliar essa punição. Reeducar não adianta se o jovem não compartilha dos mesmos valores do restante da sociedade;.

Este ano, a questão voltou a ganhar relevância no Congresso Nacional. Em junho, a Frente Parlamentar Mista da Redução da Maioridade Penal foi lançada para discutir as propostas que estão em tramitação na Casa. A mais avançada delas é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993, que já foi aprovada na Câmara em 2015, mas ainda aguarda apreciação do Senado.

Enquanto não há mudança na lei, a decisão da 1; Vara Especial da Infância e da Juventude de São Paulo prevê que o adolescente de 12 anos culpado pela morte de Raíssa fique internado em uma unidade da Fundação Casa, por prazo indeterminado. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o período máximo de internação é de três anos. A Justiça ainda deve reavaliar a manutenção a cada seis meses no máximo.


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