Catarina Loiola*
postado em 19/11/2019 06:00
[FOTO1]O desmatamento na Amazônia alcançou patamar inédito nos últimos 11 anos, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados na segunda-feira (18/11). É a mais alta taxa desde 2008 e o pior percentual de aumento de um ano para o outro dos últimos 22 anos. O avanço foi de 29,5%, atingindo 9.762 km;, entre 1; de agosto do ano passado e 31 de julho deste ano, na comparação com os 12 meses anteriores. Em relação a agosto de 2017 e julho de 2018, o corte raso da floresta atingiu 7.536 km;.
Segundo o diretor interino do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Darcton Policarpo Damião, há tendência de aumento no desmatamento desde 2012, com taxa média anual de crescimento de 11,4%. No entanto, o desmatamento observado no último ano registrou pelo menos 1.500 km; acima da taxa média.
As informações são do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), o sistema do Inpe que fornece a taxa oficial anual de desmatamento da Amazônia. Os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, apresentaram os números em coletiva de imprensa na sede do Inpe, em São Paulo.
Para Salles, os números evidenciam a urgência de adotar uma "estratégia diferente" para a contenção do aumento do desmatamento. "Os dados indicam que houve uma redução em relação à média histórica de 13.938 km;, que precisa ser perseguida;, disse. Entre 1991 e 1994, o aumento médio anual foi de 27,4%, e entre 1997 e 2005, o aumento médio anual registrado foi de 11,2%.
O ministro declarou que as medidas de redução devem ser discutidas amanhã (19/11), em Brasília, com os governos da Amazônia Legal. As medidas, segundo Salles, vão incluir ferramentas tecnológicas, como o trabalho do Inpe com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Polícia Federal, com foco na análise de imagens de alta resolução para fiscalização.
O ministro negou qualquer conexão entre o aumento do desmatamento e as mensagens repassadas pelo presidente Jair Bolsonaro em defesa do fim do que chama de "indústria da multa" ou de incentivo à atividade de mineração em terras indígenas. Ele afirmou que "motivos conhecidos" são a causa do desmate, como as atividades ilegal de garimpo, extração de madeira e ocupação do solo, que, segundo disse, estão na floresta e acontecem há muitos anos.
"São ações que precisam ser atacadas em sua origem. É preciso entender qual é a questão estrutural que está por trás delas", destacou. "Os garimpos que foram autuados neste ano foram os mesmo autuados em anos anteriores, o que mostra que essa colocação de que atividades ilegais tenham começado agora, por causa de discurso, seja ele qual for, não é verdade".
Ao ser questionado novamente sobre as mensagens passadas pelo governo, Salles culpou governos anteriores e se retirou da coletiva. "Grande parte do problema que temos de fiscalização vem de deficiências orçamentárias de quadro de pessoal que são anteriores à nossa gestão, então, não tem nada a ver com o que se diz", disse. ;Ao longo do ano o que se fez foi, sim, combater atividade criminosa e autuar, inclusive com os mesmos instrumentos que se usava antes. Não houve nenhuma determinação em contrário. Mas tivemos, e os estados também, problemas de quadro de pessoal, orçamento, apoio logístico, que foi suprido em grande medida pela GLO (Garantia da Lei e da Ordem)", disse.
O ministro da Ciência e Tecnologia afirmou que estuda criar um programa, em conjunto com o Exército, para levar mais cientistas para o bioma. De acordo com ele, a presença de mais pesquisadores na Amazônia possibilitará a redução do desmate. Além disso, a parceria permitiria a redução dos custos da operação, já que utilizará bases das Forças Armadas já instaladas na região.
No início do ano, Salles e Bolsonaro contestaram os números sobre o desmatamento da Amazônia apresentados pelos sistemas do Inpe, o que culminou na exoneração do presidente do Instituto de Pesquisas Espaciais, Ricardo Galvão. O Deter, ferramenta que fornece dados em tempo real, havia indicado alta de quase 50% no desmatamento na comparação com os 12 meses anteriores. Os alertas do Deter mostraram perda de 6.840 km; de floresta, ante 4.571 km; entre agosto de 2017 e julho de 2018.
De acordo com Carlos Francisco Rossetti, professor e pesquisador de economia ambiental da Universidade de Brasília, o desmate na Amazônia ocorre principalmente pelo viés econômico. ;As frentes de agropecuária, que são as grandes frentes comerciais, seja da soja ou do boi, são motivo suficiente dentro do modelo econômico patrocinado pelo sistema político, que deflagram esse incentivo ao desmatamento e, consequentemente, a abertura dessas áreas naturais para o agronegócio;, afirma. Ele ressalta que, na medida que as commodities aumentam de preço no mercado internacional, mais áreas são desmatadas para a obtenção de lucro.
Segundo o professor, a criação de reservas ecológicas é um dos caminhos para a preservação da floresta. ;Não há motivações das áreas privadas de manter a floresta em pé, por isso, deve-se motivá-los. As reservas ecológicas fazem com que se proteja o meio ambiente e se priorize outros produtos de exportação;, explica. ;O incentivo ocorre por meio de políticas de governo, que compensem a questão econômica. A renda criada desmatando e plantando soja, ou outros produtos, seria entregue como resultado da preservação. Caso contrário, não haverá motivação e não vamos conseguir manter a floresta em pé;, explica.
Ritmo do desmatamento
O monitoramento do desmatamento da Amazônia é feito pelo Inpe, por meio do sistema Prodes, desde 1988, quando aumentaram as críticas devido ao aumento do desmatamento. Na época, a destruição da floresta atingia cerca de 20 mil km; por ano. A maior taxa foi registrada no primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, quando chegou a 29,1 mil km;.
A reação do governo na época foi aumentar a área de Reserva Legal na Amazônia; destinadas a propriedades privadas protegidas pelo Código Florestal. A medida fez com que a área Legal aumentasse de 50% para 80% e reduziu a taxa de desmatamento.
No começo dos anos 2000, a taxa voltou a subir. No segundo ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva alcançou um novo pico, em 2004, com 27,8 mil km; de área desmatada. Em resposta, o Ministério do Meio Ambiente adotou medidas para fortalecer a fiscalização, criação unidades de conservação e o Deter passou a fornecer alertas.
Como resultado, em 2012 o Prodes registrou 4,6 mil km;, a menor taxa de desmatamento da história. A meta estabelecida em 2009 foi reduzir o desmatamento a 3,9 mil km; até 2020. No entanto, em 2013, após a aprovação do novo Código Florestal, a taxa de desmatamento da Amazônia avançou.
De acordo com o professor de economia ambiental da UnB, a exploração da floresta tende a continuar devido ao aumento do uso da floresta para cultivo do gado, soja e cana de açúcar.
Entidades ambientais
O desmatamento foi lamentado por entidades ambientais. O Observatório do Clima, rede que congrega 37 entidades, destacou, em nota, que o aumento do desmate é consequência das ações do governo Bolsonaro. "O dado é decorrência direta da estratégia implementada por Bolsonaro de desmontar o Ministério do Meio Ambiente, desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais", afirmou. "O governo Bolsonaro é responsável por cada palmo de floresta destruída. Este governo hoje é o pior inimigo da Amazônia", diz a nota.
Segundo o diretor-executivo do WWF-Brasil, Mauricio Voivodic, cerca de 20% da Amazônia já foi destruída e a floresta se aproxima do ponto de não retorno, em que se transformará em uma savana. "A ciência já mostrou o papel fundamental desempenhado pela Amazônia no fornecimento de água para outras regiões - tanto cidades, como para o agronegócio", disse.
Ele destaca que o desmatamento tende a crescer exponencialmente ano a ano se não houver mudanças na condução da política ambiental do atual governo. "Quem ganha com isso? Certamente não são os indígenas, ribeirinhos ou outros moradores tradicionais da região, que estão vendo os madeireiros e garimpeiros roubarem suas terras. Também não são os agricultores de outras regiões do país, que sofrerão com a diminuição das chuvas, consequência natural do desmatamento na Amazônia. Não podemos mais tolerar a ilegalidade na região;, afimrou.
Cristiane Mazzetti, da campanha Amazônia, do Greenpeace, também afirma que o percentual de desmate é consequência da atuação do governo federal. ;O projeto antiambiental de Bolsonaro sucateou a capacidade de combater o desmatamento, favorece quem pratica crime ambiental e estimula a violência contra os povos da floresta. Seu governo está jogando no lixo praticamente todo o trabalho realizado nas últimas décadas pela proteção do meio ambiente;, afirmou.
A ativista alega que, mesmo diante de um cenário alarmante para a Amazônia, o governo não apresentou nenhuma política consistente para proteger a floresta e seus povos. ;A combinação de altas taxas de desmatamento com a falta de governança sacrifica vidas, coloca o país na contramão da luta contra as mudanças climáticas e traz prejuízos à economia, uma vez que o mercado internacional não quer comprar produtos contaminados por destruição ambiental e violência;, avalia.
Amazônia Legal
O Pará ocupa o primeiro lugar no ranking de estado mais desmatado, com a destruição de 3.862 km; de floresta entre 1; de agosto de 2018 e 31 de julho de 2019. A área responde por quase 40% do total do desmatamento de 9.762 km; da Amazônia em 2018/2019, de acordo com o Inpe.
Com 1.685 km;, ou 17, 2% do total, o Mato Grosso ficou em segundo lugar no ranking. Em seguida, vem o Amazonas, com 14,5% de desmate, e Rondônia, com 12,7%. Juntos, os quatros estados equivalem a 84% do desmatamento da Amazônia.
Mesmo que não ocupe o ranking de estado mais desmatado, Roraima impressiona na velocidade, com aumento de 216,4% em relação ao anterior, chegando a 617 km;. "Roraima pode estar se tornando uma nova fronteira de desmatamento e merece atenção", disse o diretor do Inpe, Darcton Policarpo Damião, que assumiu o cargo após a saída do diretor Ricardo Galvão, em agosto.
Taxa de desmatamento nos estados da Amazônia Legal em km;:
*Estagiária sob supervisão de...