Brasil

Vergonha do capitão do mato

Irmão de Sérgio Camargo, novo presidente da Fundação Palmares, critica indicação em desabafo nas redes sociais. Autarquia defende a escolha e garante que ele promoverá o desaparelhamento e a boa utilização do recurso público

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 29/11/2019 04:15
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Mal recebida por integrantes do movimento negro, a nomeação de Sérgio Nascimento de Camargo como novo presidente da Fundação Palmares recebeu críticas até mesmo da família do escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro. Irmão de Sérgio, o músico e produtor musical Oswaldo de Camargo Filho, cujo nome artístico é Wadico Camargo, escreveu nas redes sociais que não apoia a nomeação e disse ainda ter vergonha do parente, a quem chamou de ;capitão do mato; ; negro que, na época da escravidão, trabalhava como funcionário de fazendas, muitas vezes atuando na captura de escravos que haviam fugido.

;Tenho vergonha de ser irmão desse capitão do mato. Sérgio Nascimento de Camargo, hoje nomeado presidente da Fundação Palmares;, escreveu Wadico na internet. O músico também apoiou um abaixo-assinado contra Sérgio. ;Se fosse para o bem da nossa raça!! Era o primeiro a apoiar, mas pro mau (sic) do negro, sem chance. Pra mim raça é pátria, é alma! Eu sou negrão;, arrematou Wadico.

Até a manhã de ontem, mais de 15,6 mil pessoas já haviam assinado a petição. Sérgio é filho de Oswaldo Camargo, jornalista, escritor, militante da causa negra e coordenador de literatura do Museu Afro-Brasil.

O PSol entrou com representação no Ministério Público Federal contra a nomeação de Sérgio. ;É evidente que quem relativiza o racismo e ataca e ofende lideranças negras não pode estar à frente do órgão que fomenta a cultura afro-brasileira;, afirmou o deputado David Miranda (RJ).

Em entrevista ao jornal O Globo, o sambista Martinho da Vila foi contundente. Acha coerente a escolha de Sérgio para o governo Bolsonaro, ;que pensa exatamente igual a tudo que o escolhido disse por aí;. Para o compositor, Sérgio é um ;ignorante; que ;sequer sabe que a Fundação Palmares é uma conquista do movimento negro no governo Sarney (...). Se ele não fosse uma pessoa desprezível, cantaria para ele o samba do Noel: ;Quem é você que não sabe o que diz/ Meu Deus do céu que palpite infeliz;;.

Sobre o racismo de negro contra negro, Martinho não fez por menos: ;Tem bastante, e é triste. O racismo é uma doença, e esse rapaz está em estado terminal;.

A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) postou vídeo acusando o novo presidente da Palmares de não conhecer a história brasileira, ;e muito menos a história do negro brasileiro;. E desafiou: ;Será que ele (Sérgio) não conhece a Ilha de Goreé (na costa do Senegal, onde funcionou um grande entreposto de escravos até o século XIX)? Será que ele não conhece o Rio de Janeiro?; (em cuja zona portuária fica o Cais do Valongo, que recebia as cargas dos navios negreiros.)

Sem resposta


Bolsonaro, por sua vez, esquivou-se de perguntas sobre as bandeiras que defende o novo presidente da Fundação Palmares e disse ontem que não o conhece pessoalmente. Nomeado na quarta-feira, Sérgio afirmou em suas redes sociais que o Brasil tem um ;racismo nutella;, defendeu a extinção do feriado da Consciência Negra e declarou apoio irrestrito ao presidente.

Sérgio também afirmou que a escravidão foi ;benéfica para os descendentes; e atacou personalidades como a ex-vereadora do Rio Marielle Franco e a atriz Taís Araújo. A nomeação faz parte de uma série promovida pelo novo secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, para quem Bolsonaro já disse ter dado total liberdade para montar a sua equipe.

Ante a repercussão negativa da escolha do novo presidente, a Palmares divulgou nota afirmando que ;Sérgio é católico e jornalista; ocupou cargos de repórter, editor e de chefia em algumas das maiores redações de jornais e rádios de São Paulo (...).; A nota prossegue afirmando que ;o novo presidente da Fundação Palmares defende que o negro não precisa ser vítima, nem precisa ser de esquerda, e trabalha pela libertação da mentalidade que escraviza ideologicamente os negros, gerando dependência de cotas e do assistencialismo estatal;.

E conclui: ;Um dos principais desafios de Sérgio no cargo é desaparelhar a Fundação Palmares e direcionar o dinheiro público para o desenvolvimento de políticas públicas que protejam e incentivem a verdadeira cultura negra;.

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