postado em 02/12/2019 04:14
[FOTO1]Cerca de 5 mil pessoas participavam de um baile funk na comunidade de Paraisópolis, zona sul de São Paulo, quando uma operação policial terminou com nove mortos e sete feridos. Na madrugada de ontem, militares entraram no local em perseguição a dois suspeitos que estavam em uma motocicleta. A ação assustou os frequentadores da festa e deu início a um tumulto generalizado. Uma mulher, sete homens e um adolescente morreram por pisoteamento em um incidente ainda em investigação. As vítimas tinham entre 16 e 28 anos. A Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) nega ter efetuado disparos de arma de fogo. No entanto, admite o uso de munição química e de balas de borracha. De acordo com a corporação, a chamada Operação Pancadão envolveu seis motocicletas da PM estacionadas na altura da Avenida Hebe Camargo, na zona sul, com o objetivo de reforçar o patrulhamento. Ainda segundo a PM, por volta das 5h, os dois suspeitos passaram pelo local atirando contra os agentes e fugiram em direção a Paraisópolis, dando início à perseguição.
;Na tentativa de abordagem, esses ocupantes da moto fugiram e dispararam contra os policiais. Esse acompanhamento se deu por cerca de 300m, quando terminou no pancadão (baile funk). Os criminosos utilizaram as pessoas que estavam frequentando o baile como uma espécie de escudo humano para impedir a perseguição policial. (;) As pessoas foram na direção (dos policiais), arremessando pedras e garrafas. Houve a necessidade de munição química. Foram quatro granadas, duas de efeito moral e duas, de gás lacrimogêneo, além de oito disparos de bala de borracha para dispersar as pessoas que estavam no local, colocando (em risco) a vida dos policiais e dos frequentadores;, detalhou o tenente-coronel Emerson Massera, porta-voz da PM.
Controvérsias
A versão da Polícia Militar é a de que, quando os suspeitos se infiltraram em meio à multidão, o pânico fez com que as pessoas tropeçassem umas nas outras. ;Por conta da correria que se deu com a chegada dos policiais, em acompanhamento aos criminosos, nove pessoas ficaram feridas gravemente e vieram a falecer. A informação é que morreram pisoteadas, não há nenhuma com perfuração de arma de fogo ou algum outro tipo de lesão;, acrescentou Massera. O reforço à Força Tática foi solicitado, a fim de deixar o local. ;Nós recolhemos, no local, pelo menos uma munição de calibre 380 e uma de 9mm, as quais supomos que estavam com esses bandidos;, disse o porta-voz.
A história apresentada por sobreviventes e familiares, no entanto, diverge da versão das autoridades. ;A polícia chegou fechando as duas saídas. Não tinha para onde correr, não tinha para onde fugir;, disse um dos feridos, ao ter alta do Hospital do Campo Limpo. À TV Globo, a mãe de uma das vítimas relata que o tumulto ocorreu durante uma emboscada da polícia contra moradores.;Eu não sei o que aconteceu, só vi correria, e várias viaturas fecharam a gente. Minha amiga caiu, e eu abaixei para ajudá-la;, contou a filha da mulher, de 17 anos. ;Quando me levantei, um policial me deu uma garrafada na cabeça. (...) Eles (policiais) me bateram quando eu já estava sangrando. Na hora que ele acertou a garrafa no meu rosto, gritou: ;Agora, corre vagabunda!’;, disse.
A vendedora Maria Cristina Quirino Portugal, mãe de Denys Henrique Quirino da Silva, 16 anos, se definiu como ;vazia;, após descobrir que o garoto é uma das nove vítimas. ;Ele estava no local errado, na hora errada;, desabafou. Ela contou que o corpo ;não tem marca de nada, mas ele não conseguiu se defender;. Nas redes sociais, circulam vídeos de supostas agressões cometidas por agentes de segurança, embora não haja confirmação sobre a data e o local exatos das gravações.
A ação de ontem contou com 38 policiais. Massera sustenta que não houve tentativa de dispersar a multidão. ;Tanto que o baile prosseguiu até as 10h. (As pessoas) não foram encurraladas, não havia objetivo de encurralar. Uma pessoa tropeçou e caiu. Outras estavam tentando sair e pisotearam;, destacou o porta-voz. A corporação fará uma investigação para apontar eventuais falhas.
Algumas imagens, segundo Massera, ;sugerem abusos e ação desproporcional por parte da polícia;, embora avalie não ser possível apontar responsabilidades no momento. ;O rigor na apuração vai responsabilizar quem cometeu algum excesso, quem cometeu algum abuso.; A Polícia Civil e a Ouvidoria das polícias de São Paulo também vão apurar as circunstâncias das mortes.
Investigação
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), lamentou a tragédia e se comprometeu a promover a devida investigação. ;Lamento profundamente as mortes ocorridas no baile funk em Paraisópolis. Determinei ao Secretário de Segurança Pública, General Campos, apuração rigorosa dos fatos para esclarecer quais foram as circunstâncias e responsabilidades desse triste episódio;, comentou, nas redes sociais. Membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe), o advogado Ariel de Castro Alves classificou a ação como ;desastrosa;. Todas as circunstâncias precisam ser apuradas, se, de fato, houve uma perseguição policial contra suspeitos ou se isso foi inventado como um álibi dos policiais;, ponderou.
Mesmo se houve perseguição, acrescenta Alves, não justificaria o tipo de ação. ;Deveria ter um planejamento maior, pois ali estavam 5 mil pessoas. A polícia precisa estar preparada para evitar tragédias, desastres, mortes, tumultos, como esse, que ocorreu em Paraisópolis;, analisou. No começo de novembro, a comunidade foi alvo de uma megaoperação da PM após a morte de um sargento.
A Secretaria Municipal da Saúde informou que 10 pessoas deram entrada na Unidade de Pronto Atendimento e no Pronto-Socorro do Hospital do Campo Limpo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Paraisópolis tem 100 mil habitantes e é uma das maiores favelas do país. A comunidade é vizinha do Morumbi, bairro de classe média alta na zona sul paulistana.