Agência Estado
postado em 20/12/2019 19:39
O Ministério Público de São Paulo apresentou recurso contra a sentença do juiz Carlos Alberto Correa de Almeida Oliveira, da 25ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça, que absolveu dois ex-seguranças do supermercado Ricoy do crime de tortura praticados contra um adolescente negro.
Davi de Oliveira Fernandes e Valdir Bispo dos Santos foram condenados a três anos e dez meses de prisão e três meses e 22 dias de detenção, respectivamente, pelos crimes de lesão corporal, cárcere privado e divulgação de cenas de nudez. Sobre a denúncia de tortura, foram absolvidos pela justiça.
Segundo o juiz Carlos Oliveira, a dupla não poderia ser condenada "uma vez que as agressões infringidas ao menor não foram com a finalidade de obter informações e também não foram aplicadas por quem estava na condição de autoridade, guarda ou poder".
A Promotoria discorda do entendimento e afirma que existia uma relação de guarda e poder entre os seguranças e o adolescente. De acordo com o Ministério Público, após apreender o rapaz, os seguranças, ao invés de chamarem as autoridades policiais, levaram o jovem para uma sala nos fundos do estabelecimento para aplicar um "castigo".
"Inequívoco se encontra o dolo necessário para a configuração da tortura castigo, posto que os apelados os ex-seguranças mantinham a vítima sob sua guarda/poder e, só então, decidiram por lhe aplicar um castigo cruel e vil, como punição pelos furtos praticados pela vítima", aponta o Ministério Público.
A Promotoria destaca que o adolescente foi vítima de "crime bárbaro e hediondo" e pedem a condenação por tortura e que a primeira fase da dosimetria da pena seja aumentada em 1/2 da pena base.
"Há que se observar as consequências do crime na vida da vítima, que carregará em suas costas os traços físicos e as marcas cravadas em sua pela dos açoites proferidos pelos APELADOS, como foi possível ver durante a Audiência de Instrução, quando do momento em que a vítima levantou sua camisa e mostrou suas cicatrizes", afirma.
"Some-se ainda as consequências psicológicas de ter sido vítima de crime bárbaro e hediondo, que ficaram demonstradas no vídeo feito pelos apelados, onde é possível notar os gritos da vítima, mormente os lancinantes açoites desferidos em seu corpo, bem como a exposição decorrente das imagens em redes sociais", continua a promotoria.
O recurso é assinado pelo promotor Paulo Rogério Costa e foi encaminhado ao juiz Carlos Oliveira.
Tortura no supermercado. As agressões ao jovem negro no supermercado Ricoy viraram alvo de inquérito policial após cair na internet o vídeo em a vítima é açoitada completamente despida.
A investigação culminou na denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado no dia 16 de setembro, que atribuiu aos seguranças a prática dos crimes de tortura, cárcere privado e divulgação de cenas de nudez por causa da divulgação de imagens por celular.
Em depoimento prestado ao 80º Distrito Policial, da Villa Joaniza, no Sul de São Paulo, o rapaz afirmou que, "em data que não recorda, "dentro do Supermercado Ricoy, instalado no local dos fatos, apanhou das gôndolas uma barra de chocolate e tentou sair sem efetuar o pagamento". "Foi abordado na saída pela pessoa de Santos, segurança do local, o qual conhece já há algum tempo".
"Ele foi auxiliado por Neto que juntos levaram a vítima até um quarto nos fundos da loja", narrou.
O jovem acrescentou. "Ali a vítima foi despida, amordaçada, amarrada e passou a ser torturada com um chicote de fios elétricos trançados. Ali, permaneceu por cerca de quarenta minutos, sendo agredido o tempo todo".
"Não sabe dizer se mais alguém percebeu que aqueles seguranças o levaram para dentro daquele quarto onde foi espancado", consta no termo de depoimento.
"Depois de apanhar bastante foi liberado pelos agressores e não quis registrar boletim de ocorrência pois temia pela sua vida. Na saída do supermercado ouviu santos dizer que caso falasse algo para alguém iria matá-lo", concluiu.
Com a palavra, a defesa dos ex-seguranças
A reportagem busca contato com a defesa dos ex-seguranças condenados. O espaço está aberto a manifestações.
Com a palavra, o Ricoy
Quando as acusações sobre o episódio de agressões ao jovem negro foram divulgadas, o Ricoy divulgou a seguinte nota:
"O Ricoy Supermercados apura todo e qualquer caso de violência. Mais do que isso, sempre vai colaborar com as investigações e as autoridades para garantir que todos os fatos sejam esclarecidos. E enfatizamos que somos contrários e não compactuamos com qualquer tipo de discriminação ou violação de direitos humanos. Por isso, o Ricoy espera que sejam punidos no rigor da lei sempre que o crime for comprovado."
"Em relação aos fatos lamentáveis registrados em vídeo divulgado amplamente, o Ricoy Supermercados esclarece o seguinte:
1 - Ficamos chocados com o conteúdo da tortura em cima do adolescente vítima da violência.
2 - O Ricoy desde sua fundação na década de 1970 exerce os princípios mais rígidos de valorização do ser humano, seja em nossas lojas ou em nossa comunidade. Ficamos muito abalados com a notícia que nos causou repulsa imediata.
3 - Os dois seguranças acusados de praticarem os atos são de empresa contratada terceirizada e não prestam mais serviço para nossos supermercados.
4 - Para manter a coerência em contribuir com as investigações, nesta terça-feira (3), um funcionário da loja Yervant Kissajikian, 3384, prestou depoimento no 80º Distrito Policial.
5 - O Ricoy já disponibilizou uma assistente social para conversar com a vítima e a família. E dará todo o suporte que for necessário.
O Ricoy Supermercados condena e repudia todos os casos de violência, discriminação ou violação dos direitos humanos envolvendo direta ou indiretamente suas lojas.
O Ricoy Supermercados acredita que para a construção de um país mais justo é preciso uma sociedade mais igualitária, mais tolerante com as diferenças e sem preconceitos.
Não por acaso é importante enfatizar que desde a sua fundação o Ricoy Supermercados reflete em seu corpo de colaboradores a grande diversidade dos brasileiros.
E diante das notícias dos últimos dias, enfatiza: espera que todos sejam punidos no rigor da lei sempre que o crime for comprovado."