Brasil

Fabricantes de cervejas artesanais descartam uso de substâncias tóxicas

Apesar disso, o levantamento revelou que o monoetilenoglicol, substância que pode gerar o dietilenoglicol após reações químicas, é adotado por um número baixo de empresas (1,5%)

O dietilenoglicol, substância altamente tóxica e nociva à saúde que foi encontrada em 32 lotes de 10 diferentes rótulos de cervejas produzidas pela empresa mineira Backer e teria causado a morte de quatro pessoas por síndrome nefroneural, não é utilizado por nenhuma outra fabricante de cerveja artesanal no país. A afirmação é da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva). Em uma pesquisa feita com 200 cervejarias independentes, a entidade constatou que a maioria (93%) aplica compostos químicos diferentes durante o processo de resfriamento, como álcool etílico e propilenoglicol, que não oferecem nenhum tipo de risco de contaminação em caso de contato com a bebida.

Apesar disso, o levantamento revelou que o monoetilenoglicol — substância que pode gerar o dietilenoglicol após reações químicas —, é adotado por um número baixo de empresas (1,5%). Esse composto está presente em oito lotes das cervejas fabricadas pela Backer. Mesmo não sendo tão tóxico quanto o dietilenoglicol, ele pode provocar reações ao corpo humano quando ingerido.

Por isso, a Abracerva recomenda às empresas que usam essa substância a substituí-la por um componente refrigerante que não seja tão perigoso. A associação espera que “sejam utilizados produtos apropriados e de grau alimentício, tais como: álcool etílico potável ou propileno glicol nos sistemas que possam ter contato incidental com a cerveja e substituir fluidos que não tenha grau alimentício de imediato”.

O alerta veio depois de o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) identificar ambos os compostos químicos como parte do processo de produção da cervejaria de Belo Horizonte. Enquanto moléculas do monoetilenoglicol foram encontradas nas marcas Belorizontina e Capixaba, foi constatada a presença do dietilenoglicol nos rótulos Belorizontina, Capixaba, Capitão Senra, Pele Vermelha, Fargo 46, Backer Pilsen, Brown, Backer D2, Corleone e Backer Trigo.

Proibição

Sendo assim, a Abracerva pediu que “em hipótese alguma o mono ou dietilenoglicol devem ser utilizados como agente anticongelante nos sistemas de refrigeração indireta” e solicitou a proibição cautelar dos componentes à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Mapa. “Com relação aos aspectos técnicos envolvidos, a Abracerva está solicitando ao Mapa e à Anvisa que elaborem norma específica para a utilização de agentes anticongelantes no sistema de resfriamento de cerveja com a permissão de apenas substâncias de grau alimentício em virtude da possibilidade incidental de contato com a cerveja nas etapas de fabricação”, afirmou o presidente da associação, Carlo Lapolli.

A fim de evitar novos episódios de intoxicação humana por parte das duas substâncias químicas, Lapolli sugeriu que as cervejarias artesanais do Brasil adotem uma série de recomendações (quadro abaixo). Ele destacou que, apesar da proliferação de casos de pessoas contaminadas, consumir cerveja artesanal ainda é muito seguro, e que a situação envolvendo a cervejaria Backer é “inédita”.

“Estamos à disposição, assim como as indústrias, para mostrar o processo e para que o consumidor veja que o negócio da cerveja artesanal é sério. O que aconteceu em Minas Gerais é uma exceção absoluta”, explicou.

Assim que o Congresso voltar do recesso legislativo, em 3 de fevereiro, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) vai sugerir a criação de uma comissão externa para acompanhar de perto as investigações sobre cerveja contaminada e sugerir projetos para tornar mais rigorosa a fiscalização das cervejarias artesanais. “Não é possível manipular material tóxico junto a tanques de bebidas para consumo”, disse Delgado.

Para Lapolli, qualquer ideia “tecnicamente viável” que vier do Parlamento será acatada. Entretanto, sugere cautela. “Em 5 de fevereiro, será feita uma reunião extraordinária, em Belo Horizonte, promovida pela câmara setorial das cervejas do Mapa, na qual esperamos receber membros do Poder Legislativo, do Ministério Público e do Procon para tratar o assunto com transparência. Temos a tranquilidade de que o setor é extremamente cuidadoso”, comentou o presidente da Abracerva.

Interdição

Diante do “risco iminente à saúde pública”, o Mapa definiu em reunião com a Anvisa a interdição das marcas de cerveja Backer com data de validade igual ou posterior a agosto de 2020. E acertou com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom) do Ministério da Justiça e Segurança Pública a realização dos procedimentos de intimação da empresa para recall dos produtos em que já foi constatada a contaminação, bem como dos produtos que ainda não tiveram a idoneidade e segurança para o consumo comprovadas. A medida é preventiva e vale para todo o Brasil.

Até esta segunda-feira (20/1), a Secretaria de Saúde de Minas Gerais reuniu 21 casos suspeitos de intoxicação exógena por dietilenoglicol. Desses, 19 pessoas são do sexo masculino e duas, do feminino. Quatro casos foram confirmados e os 17 restantes continuam sob investigação, uma vez que apresentaram sinais e sintomas com relato de exposição. Quatro casos evoluíram para óbito. Por enquanto, apenas em uma das mortes foi confirmada a presença de dietilenoglicol no sangue da vítima.

Dimerização 

O Mapa considera a possibilidade de dimerização para a aparição do dietilenoglicol. Em química, um dímero é uma molécula composta por duas unidades similares ou monômeros unidos. O dietilenoglicol é um dímero do monoetilenoglicol, ou seja, é formado por duas moléculas de monoetilenoglicol. Apesar disso, o ministério ainda não sabe como se deu essa dimerização. Ela pode ter acontecido durante o processo produtivo da cerveja ou ser resultado de uma impureza própria do monoetilenoglicol adquirido pela Backer.

Orientações da Abracerva às cervejarias artesanais

  • Revisão preventiva imediata de equipamentos e pontos críticos de contaminação envolvendo estes processos;
  • Revisão das normas internas de controle, inspeção e manutenção dos equipamentos envolvidos nos processos de resfriamento, com a rotineira inspeção destes pontos;
  • Instalação de sensores de nível do reservatório do sistema de refrigeração dotados de alarmes, para detecção de vazamentos;
  • Utilização de corantes e ou saborizantes de grau alimentício para visualização de vazamentos;
  • Revisar o treinamento dos colaboradores nos procedimentos que podem levar a contaminação do produto nestas circunstâncias.