Correio Braziliense
postado em 25/01/2020 04:04
A realidade confirmou o alerta e o que se viu ontem na Região Metropolitana de Belo Horizonte foi chuva histórica, que matou três pessoas, deixou uma pessoa desaparecida e outras 2,3 mil sem casa em Minas Gerais, de acordo com a Coordenação Estadual de Defesa Civil. Nunca choveu tanto na capital mineira, que registrou o recorde de 171,8 milímetros em 24 horas. De quinta-feira até amanhã, a tendência é de que chova o equivalente a um mês inteiro, segundo o Instituto Nacional de Metereologia (Inmet), ultrapassando os 300 milímetros. A força-tarefa formada para evitar os danos das tempestades se mantém nas ruas.
A situação mais crítica recai sobre Ibirité, na Grande BH, onde três pessoas morreram em um deslizamento de terra e uma ainda está desaparecida. Raposos, também na RMBH, ficou debaixo d'água, com o transbordamento do Rio das Velhas. "Nosso efetivo está muito voltado a Raposos e Sabará, além de Ibirité", ressaltou o coordenador estadual de Defesa Civil (Cedec), tenente-coronel Flávio Godinho, que avaliou a situação como “preocupante”.
Em BH, a prefeitura atendeu a 474 ocorrências em 36 horas, desde quinta-feira. A Defesa Municipal registra 72 atendimentos referentes a deslizamentos de terra, 64, de encostas, e 54 de alagamentos, além de 72 chamados de ameaça de desmoronamento. Somente na sexta-feira, foram 276 ocorrências. Não houve mortes nem feridos relacionados à chuva na capital.
"As ocorrências registradas estão mais associadas à saturação do solo, encharcamento, peso. Quanto maior é o tempo que a chuva persiste, mais esse risco cresce. Por isso, pedimos muita atenção das pessoas para que observem o local onde estão", afirmou o subsecretário de Proteção e Defesa Civil, o coronel Waldir Vieira. No Barreiro, entre 0h e as 19h de sexta-feira, foram 154,6 milímetros de precipitação. Na Região Centro-Sul, choveu 124,2 milímetros nesse período. O acumulado de chuvas já supera a média histórica de janeiro, de 329,1mm, em todas as regiões da capital mineira. A Região Oeste tem o maior volume acumulado: 708,4mm do início do mês até as 18h30 de ontem (veja quadro).
Alerta ligado
Os belo-horizontinos nunca receberam tantos alertas sobre os perigos de chuvas intensas. Por causa disso, a prefeitura montou uma força-tarefa, empresas recomendaram a funcionários que trabalhassem de casa e atividades foram suspensas em escolas municipais, numa operação semelhante àquelas vistas no exterior, em casos de nevascas ou furacões. A previsão de temporal se confirmou.
Nunca choveu tanto na capital como nas 24 horas entre as 9h de quinta-feira e de sexta-feira. O índice pluviométrico, de 171,8 milímetros, foi o maior já registrado no período de um dia pelo Inmet. A série histórica teve início em 1910, há 110 anos, com medição na estação do Bairro Santo Agostinho, na Região Centro-Sul.
O número supera os 164,2mm registrados em 14 de fevereiro de 1978, quando o temporal deixou o saldo de nove mortos, 17 feridos, 23 desaparecidos e 2 mil desabrigados, de acordo com reportagem do Estado de Minas da época. Também já é considerada a mais intensa de todos os janeiros. Até então, a chuva de 4 de janeiro de 1997, de 147,4mm, ocupava esse lugar. Nesse dia, 13 pessoas morreram em BH.
Aos 24 dias do mês, janeiro de 2020, com 688,4mm de precipitações do dia 1º até as 15h de ontem, também já é o terceiro mais chuvoso na história de BH. Esse número fica atrás apenas de janeiro de 1985, quando o índice pluviométrico foi de 850,3mm, e de janeiro de 2003, que acumulou 781,6mm.
A operação montada pela prefeitura conseguiu resguardar vidas na capital mineira, diferentemente de 2018, em que o prefeito Alexandre Kalil se responsabilizou pelas mortes após um temporal de 15 de novembro, que matou cinco pessoas. Naquele ano, mãe e filha foram encontradas mortas dentro de um Palio arrastado pela correnteza no cruzamento das avenidas Vilarinho e Cristiano Machado. Uma adolescente de 16 anos foi sugada por um bueiro e levada pela correnteza.
Para evitar risco à população, a prefeitura pôs em ação plano de interdição de vias. A Defesa Civil de Belo Horizonte divulgou uma lista de 60 lugares da capital que deveriam ser evitados, por causa do risco de transbordamento.
Ciclone
O recorde de volume de chuva registrado em Belo Horizonte ontem, de 171,8mm em 24 horas, é explicado em parte pela formação de um ciclone no litoral do Sudeste brasileiro. Apelidado de Kurumi pela Marinha, o sistema meteorológico começou a se formar na madrugada de quarta-feira.
A meteorologista Anete Fernandes, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em Minas Gerais, explica que o ciclone direcionou o canal de umidade da Amazônia, responsável pela chuva contínua que atingiu o Sudeste esta semana. “O ciclone atua sobre o oceano e não afeta o estado. O que aconteceu foi uma junção de fatores”, esclarece.
Ou seja, os sistemas se acoplaram e o ciclone, no oceano, está “puxando” o canal de umidade. “Conforme o posicionamento do ciclone, o canal acompanha”, informa a meteorologista. “Tanto é que o tempo já está mais aberto no Triângulo e no Campo das Vertentes”, diz Anete. Ela afirma que a tendência agora é de que o Kurumi adentre mais para o oceano, mas a chuva deve continuar até amanhã.
O ciclone se caracteriza por um centro de baixa pressão no oceano, provocado pela elevação de ar quente, o que traz condições de tempo severo: chuva e ventos fortes. No momento, o sistema registrado no litoral brasileiro ainda é uma depressão subtropical. “À medida que ele vai se intensificando, muda de classificação, até para uma tempestade subtropical”, explica a meteorologista. Porém, não é o que deve acontecer com o Kurumi, que vai se afastar para o oceano.
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