Correio Braziliense
postado em 04/02/2020 14:00
"Eu que fumo, eu que bebo, e você que teve câncer. Olha como seu Deus é bom". Essa foi uma das muitas frases negativas que Roberta Perez ouviu após ser diagnosticada com câncer de mama, em julho de 2016. Em meio à notÃcia "terrÃvel", conforme diz, que a deixou desesperada, a palestrante de 31 anos queria apenas que as pessoas não relacionassem a doença a merecimento, fé, mágoas ou culpas. Até porque, embora se fale em prevenção do câncer, a enfermidade pode surgir por fatores que estão fora de controle, como o genético.
As reações mais comuns de quem descobre que um amigo ou familiar está com a doença são as que tentam minimizar a situação no intuito de tranquilizar a pessoa e as que ampliam o problema, já vendo o tumor como uma sentença de morte.
Frases como "isso não é nada, você vai vencer" ou "é só se cuidar que vai dar tudo certo" tendem a criar um sentimento de culpa. A pessoa com câncer passa a duvidar da gravidade do problema, achando que está sofrendo à toa, ou entender que a doença é resultado de falta de cuidado próprio.
"Tudo mora em um preconceito que as pessoas ainda têm da doença. Na tentativa de minimizar, de ajudar, você acaba gerando algum sofrimento", diz Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia. "É preciso falar mais do assunto, desmistificar, saber que (o câncer) pode não matar se descobrir cedo, que tem muita gente que vive com câncer de maneira crônica, como na diabete. As pessoas precisam atualizar os conceitos que têm", afirma ela, que é psico-oncologista.
Roberta também lamenta que a falta de informação leve as pessoas a dizerem frases que desmotivam. "Quando você está com câncer, é algo novo, eu não tive familiar com a doença, a gente espera que choque um pouco, mas passar do limite, que é ver a falta de tato e empatia, choca muito mais", afirma.
A porta-voz da ONG cita exemplos nos dois extremos de reações: dizer "é só o cabelo que vai cair" e "fulano morreu da mesma coisa que você" não ajudam e, por vezes, desencorajam a pessoa a seguir com o tratamento. Foi isso também que ocorreu com Roberta depois de ouvir aquela frase do começo do texto. "Fiquei remoendo durante todo o tratamento, pensei em merecimento, se valia a pena o esforço", conta.
Todos os sentimentos que surgiram devido àquela e outras afirmações foram trabalhados na terapia, o que ajudou a palestrante a aceitar a verdade e resolver o conflito interno. Ela lembra que, mesmo quando estava com a autoestima elevada, sentindo-se linda e sem vergonha por estar careca, as pessoas a desestimulavam.
Ajudar uma pessoa que está em tratamento de câncer é respeitar tanto as vontades e limites dela quanto os próprios. "Às vezes, na ânsia de querer ajudar, você acaba ultrapassando uma barreira pessoal sua, vai parecer que é de forma forçada. Então, é conhecer os próprios limites", diz Luciana.
No Dia Mundial do Câncer, celebrado anualmente em 4 de fevereiro, a reportagem reuniu, com ajuda da Roberta e da Luciana, algumas frases e atitudes para se evitar diante de uma pessoa com câncer e recomendações do que dizer ou fazer.
Não minimize nem dramatize a situação
"Que bom que é só o cabelo, depois cresce", "nossa, você nem tem cara de doente" e "que triste, fulano morreu assim" são colocações que devem ser evitadas. Luciana afirma que dar a entender que uma pessoa com câncer tem uma aparência especÃfica demonstra preconceito. Além disso, fazer referências à aparência pode impactar a autoestima de quem ouve.
Roberta conta que a irmã dela apenas chorou quando soube da doença, e o pai não conseguia olhar para ela quando estava sem cabelo. "Eu entendi que mais difÃcil do que ter câncer é contar que você tem, a sociedade não está preparada para isso. Minha irmã estava me velando em vida", diz.
A palestrante também ouviu o pai dizer que o marido dela era um homem especial porque, no lugar dele, "já teria ido embora faz tempo". A frase foi dita na presença de Roberta, mas como se ela não estivesse ali. A falta de apoio por desconhecimento da doença também impacta negativamente na vida de quem trata a doença.
Fale menos e ouça mais
Qualquer frase a ser dita, mesmo que no intuito de ajudar, tem risco de causar sofrimento, então busque compreender melhor a situação. "Tentar olhar de verdade o que é concreto, se aproximar da pessoa e entender o que ela está vivenciando e, antes de falar, ouvir", orienta Luciana Holtz.
Há casos em que, após o diagnóstico de câncer, a pessoa realmente não quer ouvir nada, apenas ser abraçada e ficar em silêncio. Reconheça os limites dela, se aproxime com cautela e pergunte do que ela precisa. "As pessoas acham que falar é mais importante que estar", diz Roberta.
Seja sincero com você e com o outro
Muitas vezes, nos sentimos obrigados a dizer ou fazer algo para ajudar quem está com câncer, mas se não sabemos como agir, sejamos francos. "Se você não dá conta de ir ao hospital, tudo bem, diga, mas mande uma mensagem, ligue, tente fazer coisas que podem ajudar do lado de fora, esteja à disposição", recomenda a presidente do Oncoguia.
Ajude, mas pergunte antes
Ver uma pessoa com câncer como alguém incapaz de realizar tarefas e começar a fazê-las sem perguntar se ela precisa de ajuda é, no mÃnimo, indelicado. Continuar com as atividades diárias e se 'desligar' da doença é o que muitos buscam. Então, se for o caso, diga que está disponÃvel para ajudar e pergunte do que ela precisa.
Fale de outros assuntos
Quem está com câncer não quer falar apenas sobre a doença. "Quanto mais puder falar de vida, melhor. A pessoa quer se sentir útil, envolvida com outras questões, ajudando, podendo ser o que é no dia a dia. O grande objetivo hoje para quem enfrenta câncer é fazer com que seja o mais normal possÃvel, mais próximo do dia a dia sem doença", afirma Luciana.
Evite falar de religião
"Você precisa ter mais fé" é o tipo de frase que não combina com a situação, pois, mais uma vez, coloca a culpa na pessoa que está com câncer. Muitos fatores influenciam no desenvolvimento e no tratamento do câncer e, embora espiritualidade - não religião - e medicina se unam na saúde, associar a doença a uma conotação moral e religiosa punitiva desvia a atenção do real problema.
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