Brasil

Mulheres dão vitória à Viradouro

Apesar dos desfiles politizados, que incomodaram personagens do governo federal, prevaleceu o enredo histórico, que contou a trajetória das Ganhadeiras de Itapuã, ex-escravas que buscaram a alforria na Bahia

Correio Braziliense
postado em 27/02/2020 04:13
Cúpula da escola de Niterói ergue o troféu do título da Viradouro, que depois de 23 anos retornou ao topo do pódio homenageando as alforriadas

A Marquês de Sapucaí se pintou de vermelho e branco para comemorar o título da Unidos do Viradouro, ontem, o segundo da escola de samba de Niterói na história do carnaval do Rio de Janeiro. Num desfile marcado por críticas à política e a episódios do atual governo, saiu-se vencedor um enredo histórico, que falou da história das Ganhadeiras de Itapuã, grupo ex-escravas de Salvador que foram em busca da alforria — que encerrou um jejum que a agremiação amargava desde 1997.

Durante o desfile, a escola retratou a força das mulheres negras escravizadas no século 19, ressaltadas na avenida como as primeiras feministas do Brasil, e que vendiam comida e lavavam roupas na Lagoa do Abaeté, bairro da capital baiana. Com o dinheiro arrecadado, compravam a liberdade de outras mulheres submetidas ao cativeiro. De refrão simples e fácil de cantar, o samba (veja ao lado) era entoado à capela em dois trechos e conquistou a plateia ao ritmo do afoxé, nos batuques e na melodia. Além disso, as alegorias e fantasias eram luxuosas e caprichadas.

Completaram o pódio a Grande Rio e a Mocidade Independente, outras duas escolas que também deixaram a politização de fora do desfile. Enquanto a escola de Duque de Caxias adotou uma linha centrada na crítica à intolerância religiosa e menção ao pai-de-santo Joãozinho da Gomeia, a de Padre Miguel organizou um tributo a Elza Soares, que participou do desfile. Assim como a Viradouro, a escola enfatizou o empoderamento das mulheres, ao destacar a contribuição da cantora ao movimento feminista e à luta contra o machismo e o racismo.

Das outras três agremiações que voltarão à Marquês de Sapucaí para o desfile das campeãs, no próximo sábado, duas também apresentaram histórias que fugiam da política: Beija-Flor e Salgueiro. Enquanto a primeira fez menção às grandes jornadas da humanidade desde a Era Glacial, a segunda ressaltou a história do primeiro palhaço negro do Brasil, Benjamin de Oliveira.

A Mangueira, cujo enredo incomodou o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos, obteve apenas a sexta colocação. Porém, foi a mais bem colocada entre as que levaram à avenida uma apresentação que claramente criticava o atual governo — sobretudo com o enredo intitulado “A Verdade Vos Fará Livre” (referência ao versículo bíblico predileto do presidente, João 8:32) e pelos versos “Favela, pega a visão/ Não tem futuro sem partilha/ Nem Messias de arma na mão”.

Arrancada no final


A Viradouro levou a melhor em uma apuração emocionante e a vitória veio nos momentos finais da leitura das notas. Durante quase toda a apuração, a Grande Rio ficou isolada na liderança. No entanto, perdeu décimos no penúltimo quesito, Evolução, devido a uma falha do carro abre-alas: como os condutores não conseguiram fazer a curva que liga a concentração à pista do sambódromo, tiveram que parti-lo em dois e ficou um vazio entre as duas partes.

O erro favoreceu a Viradouro, que recebeu 10 de todos os julgadores e assumiu a ponta. Após a leitura das notas do quesito final, Harmonia, Viradouro e Grande Rio permaneceram empatadas, com 296,6 pontos. Mas a escola de Niterói venceu nos critérios de desempate e pôde soltar o grito entalado na garganta há 23 anos, fazendo jus ao enredo “Viradouro de alma lavada”.


  • Viradouro de Alma Lavada

    Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
    Ensaboa, pra depois quarar

    Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
    Ensaboa, pra depois quarar

    Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
    Faz o seu quilombo no Abaeté
    Quem lava a alma dessa gente veste ouro
    É Viradouro! É Viradouro!

    Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
    Faz o seu quilombo no Abaeté
    Quem lava a alma dessa gente veste ouro
    É Viradouro! É Viradouro!

    Levanta, preta, que o Sol tá na janela
    Leva a gamela pro xaréu do pescador
    A alforria se conquista com o ganho
    E o balaio é do tamanho do suor do seu amor

    Mainha, esses velhos areais
    Onde nossas ancestrais acordavam as manhãs
    Pra luta sentem cheiro de angelim
    E a doçura do quindim
    Da bica de Itapuã

    Camará ganhou a cidade
    O erê herdou liberdade
    Canto das Marias, baixa do dendê
    Chama a freguesia pro batuquejê

    Camará ganhou a cidade
    O erê herdou liberdade
    Canto das Marias, baixa do dendê
    Chama a freguesia pro batuquejê

    São elas, dos anjos e das marés
    Crioulas do balangandã, ô iaiá
    Ciranda de roda, na beira do mar
    Ganhadeira que benze, vai pro terreiro sambar
    Nas escadas da fé
    É a voz da mulher!

    Xangô ilumina a caminhada
    A falange está formada
    Um coral cheio de amor
    Kaô, o axé vem da Bahia
    Nessa negra cantoria
    Que Maria ensinou

    Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
    Ensaboa, pra depois quarar

    Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
    Ensaboa, pra depois quarar

    Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
    Faz o seu quilombo no Abaeté
    Quem lava a alma dessa gente veste ouro
    É Viradouro! É Viradouro!

    Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
    Faz o seu quilombo no Abaeté
    Quem lava a alma dessa gente veste ouro
    É Viradouro! É Viradouro!

    Levanta, preta, que o Sol tá na janela
    Leva a gamela pro xaréu do pescador
    A alforria se conquista com o ganho
    E o balaio é do tamanho do suor do seu amor
    Mainha, esses velhos areais
    Onde nossas ancestrais acordavam as manhãs
    Pra luta sentem cheiro de angelim
    E a doçura do quindim
    Da bica de Itapuã

    Camará ganhou a cidade
    O erê herdou liberdade
    Canto das Marias, baixa do dendê
    Chama a freguesia pro batuquejê

    Camará ganhou a cidade
    O erê herdou liberdade
    Canto das Marias, baixa do dendê
    Chama a freguesia pro batuquejê
    São elas, dos anjos e das marés
    Crioulas do balangandã, ô iaiá
    Ciranda de roda, na beira do mar
    Ganhadeira que benze, vai pro terreiro sambar
    Nas escadas da fé
    É a voz da mulher!

    Xangô ilumina a caminhada
    A falange está formada
    Um coral cheio de amor
    Kaô, o axé vem da Bahia
    Nessa negra cantoria
    Que Maria ensinou

    Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
    Ensaboa, pra depois quarar

    Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
    Ensaboa, pra depois quarar

    Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
    Faz o seu quilombo no Abaeté
    Quem lava a alma dessa gente veste ouro
    É Viradouro! É Viradouro!

    Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
    Faz o seu quilombo no Abaeté
    Quem lava a alma dessa gente veste ouro
    É Viradouro! É Viradouro!

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