Correio Braziliense
postado em 27/02/2020 04:13
“O importante é fazer a caridade, não falar de caridade. Compreender o trabalho em favor dos necessitados como missão escolhida por Deus”. A mensagem de clamor por ações efetivas de olhar ao próximo é ensinamento deixado pela primeira brasileira canonizada, Santa Dulce dos Pobres. Com base no testemunho de vida da freira baiana, que dedicou sua vida aos pobres e doentes, a Campanha da Fraternidade de 2020 propõe um convite à sociedade para superar a indiferença em busca do bem coletivo.
Na cerimônia de lançamento da proposta, ocorrida ontem na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a sobrinha da santa, Maria Rita Pontes, não conseguiu conter a emoção. “Sigam o testemunho de Santa Dulce e colaborem para transformar a vida de tanta gente que precisa do cuidado, carinho e amor”, pediu Maria Rita, que atua como superintendente das obras sociais fundadas pela tia, na Bahia.
O recado foi direcionado inclusive para as crianças. “Ela (irmã Dulce) começou a servir aos 6 anos. Cultivar o amor ao próximo em forma de obras desde pequeno dará frutos maravilhosos e necessários para uma humanidade próspera”, completou.
Ainda jovem, a freira baiana conhecida como “Anjo bom da Bahia”, ingressou na vida religiosa e começou a exercer um chamado de caridade, servindo a pobres e doentes. A persistência e a delicadeza foram qualidades essenciais para a criação de um dos maiores e mais respeitados trabalhos filantrópicos do país: as Obras Sociais da Irmã Dulce (Osid).
As raízes da entidade datam de 1949, quando, sem ter para onde ir com 70 doentes, a religiosa pediu autorização à sua superiora para abrigar os enfermos em um galinheiro, situado ao lado do Convento Santo Antônio. O episódio fez surgir a tradição de que o maior hospital da Bahia nasceu a partir de um simples galinheiro.
Amor em obras
O ato de cuidar para preservar a vida é alvo da campanha. O lema “Fraternidade e vida: dom e compaixão” se debruça em problemas contemporâneos tais como “as mortes nas ruas, nas macas de hospitais, por balas perdidas, fome, desemprego, ausência de moradia, inexistência de educação para todos, devastação dos campos e reservas indígenas, índices crescentes de suicídio”, listou o secretário-geral da CNBB, dom Joel Portella.
Para ele, a recorrência dessas questões tem colocado em risco o real valor da vida. “A campanha deste ano quer fazer um alerta para duas atitudes a serem combatidas: a indiferença e a crença de que a morte só é vencida pela própria morte”, explicou. Esta é a 56ª edição da Campanha da Fraternidade, cujo objetivo é fomentar a evangelização de forma a atender necessidades contemporâneas.
Durante o ano, sobretudo no período quaresmal, a Igreja fomenta a participação dos fiéis e da comunidade em geral, discute o tema e propõe soluções. As arrecadações com ofertas direcionadas à campanha são enviadas ao Fundo Nacional de Solidariedade (FNS), que distribui a verba entre projetos que fortaleçam as missões. É o que explica o coordenador executivo de campanhas, padre Patriky Samuel Batista. “A campanha do ano passado direcionou R$ 3 milhões a 238 projetos selecionados. Com o auxílio, a ideia é que essas ações se desenvolvam e possam gerar uma nova rede de ajuda”, disse.
- Mensagem do Papa Francisco em ocasião ao lançamento da Campanha da Fraternidade 2020
Por intercessão de Santa Dulce dos Pobres, que tive a alegria de canonizar no passado mês de outubro e que foi apresentada pelos Bispos do Brasil como modelo para todos os que veem a dor do próximo, sentem compaixão e cuidam, rogo ao Deus de Misericórdia que a Quaresma e a Campanha da Fraternidade, inseparavelmente vividas, sejam para todo o Brasil um tempo em que se fortaleça o valor da vida como dom e compromisso. - Três perguntas para Dom Joel Portella / Secretário-geral da CNBB
Como campanhas passadas contribuem para as novas propostas?
Toda Campanha da Fraternidade tem uma advertência. Como campanha, é lançada na Quarta-Feira de Cinzas e se encerra no Domingo de Ramos. Embora tenha início, meio e fim, o desafio permanece aberto como motivação, nas consciências e nos corações. Ano passado, por exemplo, o tema foi centrado em políticas públicas. Por meio de inúmeras instâncias próprias da CNBB e em diálogo com outras, externas, que continuamos trabalhando para que haja políticas públicas. Sempre com finalidade de preservar a vida.
No sentido de preservar a vida, como esta campanha se posiciona contra o feminicídio?
O olhar às mulheres sofridas, maltratadas, assassinadas, está entre as preocupações. O feminicídio é citado no texto-base como um dos exemplos de como a indiferença pode ameaçar a vida. Diria que o grande desafio é olhar conjunto. É necessário união para defender a vida e trabalhar por ela ou teremos uma situação complicada em pouquíssimo tempo.
E que tipo de propostas concretas podem ser sugeridas aos fiéis?
São muitas ações concretas. A primeira começa em cada um: o que eu posso fazer para me tornar um cuidador? Dentro de casa, diante de si próprio. Cuidar de si para estar disponível para cuidar dos outros. Até chegar ao nível de sociedade, com ações inclusive de natureza política e ecológica.
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