Correio Braziliense
postado em 05/03/2020 10:44
Em uma agenda antiga, Eliana Reis Faria, mulher de José Osvaldo de Faria, de 66 anos, anota o acompanhamento do quadro clínico do marido. O empresário começou a sentir os sintomas de intoxicação por dietilenoglicol em fevereiro de 2019. Somente em janeiro deste ano o caso foi considerado suspeito e integrou o balanço que hoje chega a 31 vítimas. Quatro casos foram confirmados por meio de exames e 27 continuam sob investigação. A família não recebe suporte da cervejaria Backer. Cenário que se repete com outros pacientes e foi tema de debate em audiência pública nesta quarta-feira (5/3), na Câmara Municipal de Belo Horizonte, uma briga entre assumir responsabilidade e se isentar da culpa, que envolve parentes das vítimas e representantes da empresa.José Osvaldo está internado desde 20 de fevereiro do ano passado. Segundo sua esposa, ele era amante das cervejas Backer, consumia cerca de nove garrafas por dia. No dia 18, teve dificuldades para urinar. Dois dias depois apresentou diarreia e foi para o pronto-atendimento do Hospital Madre Teresa. Foi internado com diagnóstico de gastroenterite. A partir do dia 21, começou a sentir calor intenso nos olhos e corpo. No dia 23, paralisia nos ombros e pescoço. Na manhã seguinte, não consegue mais fechar os olhos. Em 1º de março entra em coma e fica nessa situação durante 21 dias. No dia 6, mesmo em coma – sedado –, ele convulsiona. Os médicos fizeram exames e não detectaram infecção por bactérias, vírus nem fungos. Foi então que descobriram que a infecção não era biológica, mas química.
A mulher começou a estudar o quadro, mas só o associou à cerveja em janeiro, quando vieram à tona casos semelhantes envolvendo uma série de pacientes. Desde então ela espera suporte da cervejaria. “Fui atrás da Backer, mostrei o quanto ele é fã. Tenho foto dele fazendo propaganda de graça. Eu disse aos advogados deles que seria bacana que a cervejaria tivesse a sensibilidade de ajudar com enfermeiros 24 horas. 'Seria bacana porque ele é fã de vocês. Ele vai melhorar e agradecer', eu disse. Mas a resposta que recebi há dois dias foi 'não'. Eu não quero nem saber o que aconteceu, só sei que a própria Backer está se sabotando”, afirmou Eliana. Ao mostrar fotos da situação clínica do marido para os relatores da Comissão de Saúde e Saneamento, ela chorou e disse aos representantes da empresa: “Ponham seus filhos para tomarem a cerveja. Olhem isso. Não é brincadeira. É de invejar quem morreu.”
Ao lado de Eliana estava Cristiane Neves, enteada de Maria Augusta, que morreu em Pompéu após 38 horas de internamento. Sem plano de saúde, ela foi atendida em hospital público e não passou por diálise. “Até agora não houve um contato. Perco minha mãe e eu que tenho que ligar para a Backer?”, questionou. Ela também direcionou a palavra aos representantes da empresa. “Ainda temos duas garrafas em casa para a família Backer. Vocês estão convidados a tomar. Qualquer pessoa da família da empresa que quiser ficar nos hospitais por 24 horas também será muito bem-vindo”, ironizou.
Contas bloqueadas
Após ouvir as vítimas, a sócia e diretora de marketing da Cervejaria Backer, Ana Paula Lebbos, reafirmou que não tem dinheiro para arcar com os custos das vítimas pois todas as contas foram bloqueadas. “Hora nenhuma a Backer está aqui para se eximir. Desde o princípio, a gente está de peito aberto para receber as informações. O que eu preciso é que as contas sejam desbloqueados para chegar a um valor que a Backer possa ajudar”, sustenta. A sócia disse que não está dormindo e tentou comparar seu sofrimento com o dos familiares, que rapidamente a interromperam. “Hoje foi a única chance que eu pude ter de conversar com vocês. Juridicamente não posso dizer nada, estou aqui apenas para ouvir”, disse.
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