Brasil

Conheça as cinco pesquisadoras que sequenciaram o genoma do coronavírus

O resultado saiu em apenas 48 horas, mostrando a estrutura do vírus.

Correio Braziliense
postado em 08/03/2020 06:00

Ingra, Erika, Ester, Flávia e Jaqueline formam o time que sequenciou o gene do coronavírus. Dedicação que comprova a excelência da ciência brasileiraEm volta de uma mesa, elas sentam diariamente para conversar. Assunto de mulher. Querem descobrir tudo nos mínimos detalhes. Por vezes, varam a madrugada, privam-se do sono e, juntas, veem o dia amanhecer. Se no mundo só se fala disso, elas estão por dentro. Ou melhor, à frente. A equipe responsável por sequenciar o genoma do novo coronavírus é um ponto fora da curva e mostra que ciência é, sim, assunto de mulher.

 

As biomédicas Jaqueline Goes de Jesus, Ingra Morales, Flávia Salles e a farmacêutica Erika Manuli são as pesquisadoras da Faculdade de Medicina da USP, dentro do Instituto Adolfo Lutz (IAL), que decifraram a amostra do primeiro caso de infecção da Covid-19 na América Latina. O resultado saiu em apenas 48 horas, mostrando a estrutura do vírus. Elas fazem parte da equipe do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), liderado pela médica Ester Sabino, 60 anos, e composta por mais quatro mulheres e um homem.

 

A dominância feminina no laboratório, no entanto, está bem acima da média mundial. Dados da Unesco de 2019 apontam que apenas 28% dos pesquisadores são mulheres. O gênero também encontra maior dificuldade em conquistar um posto na área das ciências: a cada 20 tentativas, elas conseguem um emprego, enquanto os homens conquistam uma vaga em 25% das entrevistas.

 

“As mulheres precisam ser determinadas, e não podem deixar de fazer o seu projeto de vida profissional. Isso, para a ciência, é muito importante”, incentiva Ester. Formada em medicina pela USP, ela iniciou a carreira especializando-se em pediatria. Mãe de três filhos, atrelou o crescimento da família ao profissional. “É difícil conciliar, não sei se mais do que qualquer mulher”, observa.

 

Na década de 1990, ingressou no Adolfo Lutz para estudar a epidemia de HIV. Morou nos Estados Unidos por dois anos, onde aprendeu técnicas de sequenciamento, e trouxe a experiência na volta ao Brasil, sendo a responsável por trabalhar com os primeiros genomas da doença no país. Ao longo da carreira, fez contribuições importantes às linhas de pesquisa de Zika, Dengue, Doença de Chagas e Febre Amarela, e se tornou a primeira mulher a dirigir o Instituto de Medicina Tropical da USP. “Sempre há barreira, isso em qualquer área. O mais difícil é o preconceito velado. Não é algo direto”, aponta.

 

Várias lutas em uma só

 

O combate a qualquer tipo de preconceito se faz, também, por meio da representatividade. Por isso, a biomédica Jaqueline Goes, 30 anos, aproveita a repercussão para levantar bandeiras de gênero, de valorização à pesquisa e de cor. “Normalmente as mulheres negras têm pouca oportunidade, precisam lutar e se empenhar mais para conseguir ocupar os espaços. Sempre batalhei muito pelos meus objetivos e a exigência comigo mesma pode ter mascarado a necessidade de ter que me esforçar mais”, acredita.

Graduada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e doutora em Patologia Humana, Jaqueline atuou anteriormente na vigilância genômica do surto de Febre Amarela no Brasil, além da cobertura de chikungunya e a atuação em um grupo de estudos que percorreu todo o Nordeste em um trailer adaptado para fazer diagnósticos e sequenciamento do Zika.

Mas nem só de pesquisa vive a baiana. De olhar cuidadoso, gosta de apreciar arte museus e exposições, e também nos espaços livres da natureza, durante uma caminhada ao parque em companhia da cadelinha de estimação. E fora do laboratório, tem uma queda pelo forró. “Gosto de dançar”, admite.

O equilíbrio entre trabalho e vida pessoal se reflete no laboratório, levando a leveza necessária para quem mexe com assuntos tão complexos. Foi Jaqueline quem coordenou — junto a Claudio Sacchi, responsável pelo Adolfo Lutz — a equipe de cientistas que publicou o sequenciamento do coronavírus, descobrindo, inclusive, sua origem geográfica.

“A importância da pesquisa está relacionada à vigilância epidemiológica: para que a gente possa compreender como o vírus está circulando na população, qual a taxa de dispersão, transmissibilidade. Principalmente entender como as munições podem interferir no processo de infecção, de patogênese desses vírus”, explica.

Técnica contra Zika

 

A técnica que permitiu uma análise mais rápida e barata foi implantada no Brasil por Ingra Morales, 28 anos, que também integrou o time de cientistas que rodou o Nordeste com foco no combate ao Zika. Em 2016, ela e colegas do Reino Unido trouxeram a metodologia, com o desafio de aperfeiçoá-la. Foi possível, assim, sequenciar o Zika, o que serviu para decodificar qualquer outro tipo de vírus. 

“Treinei todos os grupos do Brasil, que lidam com a metodologia até hoje. Foram seis meses trabalhando no desenvolvimento do protocolo e tentando aprimorar para que ficasse mais rápido, mais barato e menos complexo”, conta Ingra. O procedimento, que chegava a custar R$ 1 mil, passou para uma média de R$ 30, conseguindo analisar 20 amostras simultaneamente.

“Quero continuar avançando nas pesquisas. É o que eu gosto desde criança, quando falava que queria ser cientista. Muito da minha vida está dentro do laboratório, buscando conhecimento o tempo todo”, garante.

Amor pela pesquisa

 

O amor pela Ciência é sentimento compartilhado pelas parceiras de equipe. Ainda durante a infância, a farmacêutica Erika Manuli, 44 anos, sonhava em descobrir um medicamento que pudesse curar vitiligo, doença que acarreta despigmentação de pele –– que a mãe apresentava. 

“É um desafio ser mulher nessa área. Percebe-se que os cargos de diretoria geralmente são ocupados por homens. Então, divulgar a importância do nosso trabalho foi um grande passo na minha percepção, mostrando para a comunidade científica que as mulheres brilham. Somos empoderadas sim”, garante Erika.

A parceira de bancada, a biomédica Flávia Salles, 30 anos, não começou a carreira na pesquisa para a qual migrou pela vontade em ajudar nos avanços da medicina. 

Flávia considera que ainda há muitas barreiras a serem superadas, principalmente em relação à valorização financeira. “Dedicamo-nos 100%, contribuímos e sempre ficamos na incerteza quanto a cortes de bolsas, se quando acabar conseguiremos outra”, lamenta.

Atualmente, o grupo se mantém por incentivo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além das parcerias internacionais com a Medical Research Council e o Fundo Newton, ambos do Reino Unido. 

 

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