Brasil

Vila Nova Esperança, uma "favela verde" em meio ao caos de São Paulo

Localizada a uma hora do Centro da maior cidade brasileira, a comunidade fica em um morro rodeado de mata atlântica

Correio Braziliense
postado em 10/03/2020 11:11
Localizada a uma hora do Centro da maior cidade brasileira, a comunidade fica em um morro rodeado de mata atlânticaSão Paulo, Brasil - "Aqui temos tomilho, manjericão, cúrcuma, três tipos de menta, lavanda e logo teremos morangos", conta com orgulho Lia, no estoque botânico surpreendente da "favela verde" Vila Nova Esperança, situada nas proximidades da conturbada megalópole brasileira.  

Diante da grande horta, essa mulher de 57 anos dá instruções a um menino que carrega um carrinho repleto da fértil terra vermelha, na qual cresce mamão, banana, bougainville em cor fúcsia e hortênsias rosas.  

"Também temos muitas plantas medicinais", diz Lia, eleita líder comunitária há 10 anos. Nesse horto ecológico também existe uma importante estufa, com uma série de plantas em vasos e uma composteira. A "favela verde" reutiliza tudo e se baseia nos princípios da permacultura.

Localizada a uma hora do Centro da maior cidade brasileira, a comunidade fica em um morro rodeado de mata atlântica, e busca respeitar o meio ambiente, ser autossuficiente e compartilhar.  

É o diferencial de um lugar que se parece muito com as outras 1.650 favelas que existem na grande São Paulo, com ruas esburacadas, casas por terminar e sofás e sacolas de plástico espalhadas pelo entorno.  

A Vila Nova Esperança já recebeu vários prêmios por sua proposta ecológica. Nessa comunidade de 3 mil moradores, "Lia, a esperança" - como também é conhecida a líder - construiu o projeto dos seus sonhos. 

Preservar a natureza


Registrada na identidade como Maria de Lourdes Andrade de Souza, mas chamada pelos mais próximos como "Lia", ela não hesita em pegar com as próprias mãos a terra usada para a construção de uma pequena brinquedoteca para as crianças. A massa, formada de uma mescla de argila e cimento, substitui os tijolos.  

"Essa construção é sustentável e mais barata. Conserva a natureza", explica a mulher, de rosto radiante e com pequenas manchas do material terroso. Em 2003, "quando cheguei aqui, não tinha nada", lembra a líder do projeto.  

"Hoje temos um circo-teatro, uma biblioteca para trazer cultura aos moradores, uma cozinha comunitária, um lago no qual as crianças podem mergulhar. E essa horta que não para de crescer".  

Rodrigo Calisto, um engenheiro civil que trabalha com Lia, mostra um poço construído com pedras na qual será instalado um tanque de tilápias, que por sua vez ajudarão a controlar a população de mosquitos comendo-os.  

É uma ideia para combater a dengue, explica o jovem voluntário que mobilizou cerca de 30 pessoas para trabalhar na favela. Empilhando grandes sacos de laranja cheios de terra, constroem muros de contenção para evitar os recorrentes deslizamentos durante o período das chuvas. 

"É um problema geral no Brasil, porque a maior parte das comunidades estão nos morros", explica Calisto. Esse engenheiro também ajudou a instalar um sistema para aproveitamento das águas pluviais.  

Educar os moradores


"Para mim é uma alegria que a natureza nos ensine como viver. Não precisamos ir à universidade", explica Lia. Porém, o caminho percorrido por essa ex-florista da Bahia não foi uma jornada fácil.  Chegou a essa favela em 2003, fugindo de um marido violento. Ainda faltavam muitas coisas na comunidade, como eletricidade, mas rapidamente entrou em contato com as autoridades locais.  

"Em 2006, descobri que existia um processo para expulsar as famílias" do local, acusadas de degradar o lugar, considerada uma área de proteção ambiental.  

Cinco anos depois, a comunidade resistiu a "mais de 30 policiais armados que chegaram para expulsar todo mundo usando a força e gás de pimenta", conta Lia. "O pessoal da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) me ofereceu dinheiro para sair daqui", lembra.  

Posteriormente, Lia quis trazer "educação ambiental" aos seus vizinhos e "ensinar aos moradores a cultivar os próprios alimentos".  Mas o que a Vila Nova Esperança enfrenta agora é a falta de recursos, já que um em cada cinco moradores está desempregado. A prefeitura concedia uma bolsa "no valor de R$ 1.050 por mês para remunerar um trabalho de seis horas, mas logo ela será cortada", conta Lia.  

"Se esse valor acabar vai ser difícil, mas não vamos deixar de trabalhar", diz Lia, que se entristece com a falta de entusiasmo de alguns moradores vizinhos em relação ao projeto. Alguns, no entanto, estão completamente comprometidos com a causa, como Everaldo Casimiro Santos, que construiu a brinquedoteca sob o sol escaldante.  "É bom trabalhar para melhorar este lugar", assegura.

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