Brasil

Acadêmicos exilados pelo mundo denunciam extremismos

Organização Scholars at Risk recebeu 41 pedidos de brasileiros ameaçados em razão da atividade profissional ou do pensamento crítico nas universidades

Correio Braziliense
postado em 12/03/2020 06:00

Débora Diniz, da UnB, está fora do país desde 2018: Berlim — “A democracia e a ciência estão em risco no Brasil. Não tenho a menor dúvida disso”, afirma Débora Diniz, de algum lugar do mundo. Por questões de segurança, a professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Instituto de Bioética Anis prefere não revelar onde está. Ela deixou o Brasil na metade de 2018 após receber ameaças de morte que não se restringiam a ela, mas incluíam família, alunos, professores e até a reitora da UnB. Os ataques não pararam depois disso. A professora, cujo tema central de pesquisa é o aborto, diz não se sentir segura nem no exterior.

A cientista social, mestre e doutora em antropologia pela UnB integra uma nova geração de “exilados” brasileiros que aparece à medida que o extremismo de direita se fortalece no país e uma parte dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro apela para o radicalismo e a intolerância, principalmente pela internet. Políticos, escritores e outros profissionais das mais diferentes áreas estão entre os que deixaram o Brasil após receberem ameaças de morte. 

Desde 2017, pelo menos 41 acadêmicos brasileiros buscaram ajuda da organização sem fins lucrativos Scholars at Risk (SAR), com sede em Nova York. Entre setembro de 2019 e o presente momento, foram seis casos. Robert Quinn, diretor executivo da rede, explica que o número de estudiosos sofrendo pressões no Brasil, no entanto, é bem maior. “A quantidade de pessoas que nos procuram é sempre uma pequena amostra do total experimentando problemas”, pondera. A rede SAR, formada por mais de 500 universidades de diversos países, tem o objetivo de promover a liberdade acadêmica e dar suporte a docentes ameaçados de morte, ajudando-os a deixarem seus países temporariamente. 

No fim de 2019, relatório da Scholars at Risk apresentou um capítulo sobre o Brasil. O documento apontou aumento de ataques a acadêmicos brasileiros e trouxe recomendações específicas, defendendo medidas para garantir a segurança de docentes e das universidades, bem como solicitando que autoridades asbtenham-se de “declarações ou ações, incluindo propostas de políticas, que estigmatizem o ensino superior, acadêmicos ou estudantes e corroam as condições de segurança, liberdade acadêmica ou autonomia institucional dentro e entre as instituições brasileiras de ensino superior”.

Apesar desse tipo de orientação, instituições de ensino superior brasileiras sofrem com críticas e comentários negativos por parte do próprio presidente ou de outros agentes do governo. Caso do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que gerou polêmica ao falar sobre “balbúrdia” em instituições de ensino superior públicas. Procurado pela reportagem para falar de ameaças a docentes, o Ministério da Educação disse que o assunto da reportagem deveria ser tratado com o Ministério da Justiça e Segurança Pública. A pasta, por sua vez, orientou que a Polícia Federal (PF) fosse contatada. Até a finalização desta reportagem, a PF não havia se manifestado sobre o tema.

Retórica perigosa

A expectativa da Scholars at Risk é que autoridades tenham cuidado ao selecionar as palavras que usam ao referir-se aos ambientes universitários, de modo a protegê-los, em vez de torná-los objetos de ataques. “A retórica que estamos vendo no Brasil não está cumprindo essas prerrogativas”, avalia Robert Quinn. Aos estudiosos do Brasil, ele aconselha: “É hora de se organizar, antes que a situação fique muito violenta”.

O discurso contra estabelecimentos de ensino superior, avaliam professores, acaba inflamando haters extremistas. Por isso, Débora Diniz acredita que não é coincidência que sejam intimidadas acadêmicas, como ela e Márcia Tiburi, professora universitária de filosofia e ex-candidata ao governo estadual do Rio de Janeiro pelo PT, que saiu do Brasil em março de 2019, após receber ameaças. “Essa é uma mensagem política, mas é também uma concepção de uma perseguição às universidades como forma de estabelecimento de uma ordem política e moral”, afirma Débora Diniz.

“Os professores passam a antecipar que a punição vai vir, que a ameaça vai vir. Assim, docentes começam a mudar suas agendas de pesquisa e suas formas de trabalho”, lamenta Débora Diniz. “É como uma autocensura para evitar ser intimidado, perseguido e ameaçado.” Ela avalia que entre pessoas autoexiladas por ameaças — como ela, Márcia Tiburi e Jean Wyllys — existe em comum a ligação com questões de gênero e sexualidade. 

Robert Quinn, diretor executivo da Scholars at Risk, percebe que certos tópicos, como gênero, direitos reprodutivos e filosofia, são mais facilmente alvo de ataque no Brasil, mas ele alerta que todas as áreas de pesquisa estão em ameaça. “Toda disciplina pode sofrer essas pressões, pois a raiz desses ataques é a tensão entre o poder e novas ideias”, afirma. “O trabalho dos acadêmicos é pensar, criar e desenvolver novas ideias e compartilhar isso com o público. Se o poder é baseado em ideias velhas, isso, por vezes, cria tensão”, explica.

*A jornalista é bolsista do Internationale Journalisten-Programme (IJP)

Serviço
O site da organização Scholars at Risk traz orientações, curso on-line, material para organização de workshops presenciais, entre outras informações, para acadêmicos que se sentirem ameaçados por suas atividades profissionais. Eles também podem contatar a entidade, caso ameaçados, a fim de pedir ajuda para se exilar. Acesse no link: www.scholarsatrisk.org.

 

E-mail anônimo veio com foto 

 

O pesquisador e professor David Nemer teve de fugir do Brasil em dezembro de 2019, depois que as ameaças que vinha recebendo se tornaram mais sérias. “No Brasil, eu não tinha nenhuma garantia de segurança”, diz. Ele é professor do Departamento de Estudos de Mídia na Universidade da Virgínia e desenvolve pesquisa sobre grupos de apoio a Bolsonaro no WhatsApp. Morando nos Estados Unidos, Nemer não sabe quando poderá visitar a terra natal e os familiares novamente. “Com tudo isso, a minha pesquisa fica comprometida”, afirma. 

Além de investigar grupos on-line, Nemer faz estudos em campo, principalmente nas favelas de Vitória (ES). No fim do ano, estava em São Paulo quando recebeu um e-mail anônimo. A mensagem trazia uma foto dele de costas, dizia que o paradeiro dele era conhecido e que era melhor ter cuidado. Após ser orientado por um policial, o docente decidiu deixar o país o mais breve possível. “Eu me senti extremamente privilegiado de poder pegar o primeiro avião e sair do Brasil, mas fico pensando na grande maioria das pessoas que, ao sofrerem ameaças do tipo, não teriam esse privilégio”, pondera.

Nos Estados Unidos, o mestre em ciência da computação pela Universität des Saarlandes, na Alemanha, e doutor em informática pela Indiana University supõe estar seguro. Nemer começou a monitorar grupos de WhatsApp pró-Bolsonaro em março de 2018. Toda vez que publicava um artigo ou era entrevistado, recebia e-mails de intimidação. O primeiro deles, em outubro de 2018. Os mais recentes resultados da pesquisa de Nemer mostram que, “após serem usadas para disseminar fake news que ajudaram a eleger Bolsonaro”, grupos de WhatsApp continuam mobilizados e ainda funcionam como plataformas de radicalização. 

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