Correio Braziliense
postado em 27/03/2020 06:00
Resultado das medidas de isolamento social começa a ser mensurado por pesquisadores brasileiros e mostra que a contenção pode impactar positivamente o enfrentamento ao novo coronavírus, assim como ocorreu em países que já enfrentam a Covid-19 há mais tempo. A informação veio por meio de análise do cenário no Distrito Federal, após o governo local adotar ações restritivas de circulação. O estudo estima queda pela metade no aumento do número de casos para as próximas semanas.A projeção faz parte dos trabalhos de sete pesquisadores brasileiros que se uniram para analisar os impactos do novo coronavírus à realidade brasileira. Na primeira nota técnica, o grupo avaliou os números até 20 de março. A indicação foi de que, apesar de Brasília ter atualmente menos casos, proporcionalmente, o risco de infecção é maior do que em São Paulo e no Rio de Janeiro. “Considerando não apenas o número de casos confirmados de Covid -19, mas o risco para a população de cada cidade, as projeções indicam que o número de casos acumulados em Brasília poderia, nas próximas semanas, superar o registrado em São Paulo”, diz a nota.
Com a inclusão dos dados mais recentes desta semana, já levando em conta as medidas de contenção adotadas na capital, a simulação teve uma reviravolta. Em vez de projetar 10 mil casos, em Brasília, a expectativa é que esse número caia pela metade. “Com os dados atualizados e rodando o mesmo tipo de metodologia, o DF não está mais passando Rio de Janeiro e São Paulo nas projeções de caso. Isso reforça a importância do isolamento social, medida que não pode ser relaxada em um momento como esse”, afirmou ao Correio o pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Niskier Sanchez, integrante do grupo.
Segundo o estudo, a doença avança de forma mais rápida do que a maioria das previsões indica. Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro devem atuar como eixos de disseminação da infecção para outras partes do país. Mas, diferentemente da capital, as duas cidades do Sudeste não apresentaram variação significativa nas projeções, mesmo adotando medidas semelhantes.
Segundo Sanchez, peculiaridades de cada região causam diferentes efeitos na curva epidemiológica. “Não necessariamente, as mesmas medidas darão os mesmos resultados. Questões como a faixa etária da população, o clima, a mobilidade, a dinâmica de serviços são variantes que influenciam. Nessa simulação, o DF respondeu mais rápido e melhor. Em São Paulo e no Rio, não houve um freamento, mas as curvas ascendentes seriam piores sem as medidas”, garantiu o pesquisador.
Recomendação
Ficar em casa é a enfática recomendação dos estudiosos que, alertam, ainda, para a implementação das medidas nos municípios próximos às grandes metrópoles. A intensa conectividade aérea das capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro, segundo o grupo, coloca essas cidades como polos de disseminação da doença para outros centros urbanos. “Qualquer atraso na implementação das ações pode implicar repercussões muito graves, com número crescente de óbitos e aumento substancial da dificuldade para controle da transmissão, em médio e longo prazos”, diz a nota.
Com o avanço da doença e a evolução da transmissão comunitária para além dos maiores centros urbanos brasileiros, novas camadas sociais passam a ser afetadas e a demanda do sistema de saúde aumenta. “Sabemos que é uma transmissão que começou na classe alta porque são essas pessoas que viajam. Agora, o vírus já está se disseminando, chegando às comunidades e classes mais baixas”, analisou o diretor da Faculdade de Medina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Medronho, também membro do grupo.
“Não há que se pensar em rever as medidas sob a ótica econômica. Nossas recomendações são baseadas em evidências, modelos matemáticos e experiências concretas de outros países. Sem isolamento, a epidemia avançará com força total, sem possibilitar um achatamento da curva capaz de permitir que o sistema de saúde comporte os doentes”, frisou Medronho.
A recomendação do Ministério Público é isolamento de sintomáticos e seus familiares, além de restrições de aglomeração. Segundo o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, as decisões nos âmbitos que extrapolem essas orientações precisam ser tomadas com cautela. “O Brasil é um país continental. Temos municípios maiores que muitos países. É uma decisão muito difícil, dura para cada gestor e que não pode ser tomada, aqui de cima, pelo Ministério da Saúde. Queremos estar juntos e entender o impacto da medida, porque se estiver certa, talvez seja a hora de implementar em outras cidades e, se estiver errada, recomendar a suspensão.”
Três perguntas para
Mauro Niskier Sanchez, membro titular da Comissão de Epidemiologia da Abrasco e professor do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Doutorado em Epidemiologia pela Johns Hopkins School of Hygiene and Public Health
O que dá para concluir a partir da nova projeção do DF?
O modelo é muito sensível aos dados dos dias do final do período analisado. Apesar de ter uma margem de erro, certamente, a nova projeção do DF mostrou uma desaceleração, ao incluir mais cinco dias, com as medidas de isolamento. Temos a necessidade de frear rapidamente o crescimento dos casos, que dobram a cada três dias.
Se o país adotar isolamento sistemático nacional, terá resultado nacional?
Não necessariamente as mesmas medidas darão os mesmos resultados e efeitos na curva epidemiológica. Questões como a faixa etária da população, o clima, a mobilidade, a dinâmica de serviços são variantes que influenciam. Nessa simulação, o DF respondeu mais rápido e melhor. Em São Paulo e no Rio, não houve um freamento, mas as curvas ascendentes seriam pior sem as medidas. O ideal é trabalhar com um amplo isolamento, respeitando as características de cada local.
Isolamento vertical seria uma opção?
A alternativa de isolamento vertical que ventila, foca nos grupos de risco. Isso é questionável. Ao reabrir as escolas, por exemplo, mais gente se infecta e leva o vírus aos idosos, em casa. É temeroso flexibilizar as medidas pensando nas consequências econômicas. Se afrouxar agora, não se conseguirá manter o achatamento da curva para que o sistema de saúde não tenha sobrecarga e dê conta do recado.
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