Brasil

Filha de técnica: ''minha mãe trabalhava na linha de frente, sem proteção''

De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado, a técnica tinha um histórico de diabetes, doença renal crônica e pneumonia crônica

Correio Braziliense
postado em 05/04/2020 19:23
De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado, a técnica tinha um histórico de diabetes, doença renal crônica e pneumonia crônica“Minha mãe já foi, não tem como voltar. Não quero que outras Betânias surjam e que suas famílias passem pelo que a gente passou e está passando. Não poder dar a seu ente querido um enterro digno. O corpo dela foi pro caixão dentro de um saco. Foi enterrado sem direito a velório, sem direito a seus amigos e parentes. Não pudemos nos despedir”, diz Nathália Walléria, de 30 anos, filha de Betânia Ramos, técnica de enfermagem de 55 anos que morreu em decorrência do coronavírus no último sábado (4). A morte outra técnica também está sendo investigada, para que possa ser confirmada ou não infecção por Covid-19.

De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado, a técnica tinha um histórico de diabetes, doença renal crônica e pneumonia crônica. O que não é reconhecido por Nathália: "Ela era diabética e hipertensa, mas as outras doenças só foram identificadas após a morte”. A filha também afirma que sua mãe se queixava da falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e da estrutura do Hospital Getúlio Vargas, onde a profissional trabalhava. "Ela contraiu isso lá. Só saía de casa pra lá. Quando as pessoas precisavam de alguém pra tirar plantão recorriam a ela, porque ela não negava”, comenta. "Minha mãe trabalhava na linha de frente, sem proteção alguma, sem equipamento, tentando proteger pessoas que nem o isolamento social querem cumprir. Mesmo com tosse pesada, não pediram para que ela se afastasse, pelo contrário, ela dava até mesmo plantões dobrados". 

A tosse, de acordo com a Nathália, durava pelo menos 15 dias. Mas apenas na segunda-feira (30) Betânia sentiu um desconforto no peito e, embora estivesse escalada para um plantão, pediu para ser atendida na emergência do Getúlio Vargas. No local, a técnica foi diagnosticada com pneumonia e afastada por 14 dias. Na quarta-feira (1º) houve uma piora em seu quadro. Além de falta de ar, Betânia se queixou de febre e foi levada para o Hospital dos Servidores, onde foi diagnosticada com Covid-19, e veio a óbito às 5h da manhã do sábado.  

Quanto a falta de material, outros funcionários do Hospital Getúlio Vargas também relatam desabastecimento. "Para quem não está na linha de frente, eles dão duas máscaras por plantão. Uma para a manhã, outra para a tarde. São máscaras que têm validade de quatro horas, para um plantão de 12 horas tinham que ser pelo menos três", diz uma enfermeira, que preferiu não se identificar. "Quem está na linha de frente precisa de óculos e capote impermeável, mas esse material também está faltando. A gente também não entende por que há tantas mulheres mais velhas na emergência. Betânia estava doente e permitiram que ela trabalhasse, como se não soubessem do risco. Como ela deve existir várias outras".

"Além da falta de EPIs, há aglomeração de pessoas no refeitório e na área de repouso. Lá ninguém está fazendo a desinfecção do ambiente. Ninguém está passando álcool no suporte das camas ou nos colchões. Passam o dia limpando o chão com um pano velho e mais nada. Tudo isso põe a vida da gente em risco. Quando nos queixamos para a chefia eles dizem que não têm roupas adequadas para a gente trabalhar", comenta outra profissional. 

Saiba Mais

Em suas redes sociais, o Sindicato Profissional dos Auxiliares e Técnicos de enfermagem de Pernambuco publicou nota de pesar. “O SATENPE vê as referidas mortes como o mais doloroso sinal de alerta à falta de proteção adequada para os profissionais que estão na linha de frente no combate ao Coronavírus. Reforçamos nossas cobranças, quanto à falta de EPI's, à Secretaria de Saúde e esperamos que estas mortes não sejam mascaradas, sendo tratadas com o respeito que estas vidas merecem. Cobraremos a aplicação da Portaria SES 133/2020, publicada na última sexta, 03/04/2020, quanto ao diagnóstico e afastamento dos profissionais sintomáticos e confirmados, mas frisamos, PRECISAMOS DE PROTEÇÃO/EPI'S.” 

Em resposta, a Secretária de Saúde de Pernambuco reforçou que possui equipamentos e tem feito a entrega racional aos seus servidores. "A SES-PE ressalta ainda que tem monitorado permanentemente o abastecimento e os estoques de equipamentos de proteção individual (EPIs) das unidades da rede estadual de saúde e deflagrado diversas ações para garantir o estoque dos EPIs e demais produtos essenciais ao funcionamento dos serviços e saúde, tanto com compras diretas, como requisições administrativas", diz a nota.

"Essas ações já garantiram quase 1,5 milhão de unidades de diversos insumos, como máscaras e luvas, que já foram distribuídos para as unidades da rede estadual. A Secretaria Estadual de Saúde também aguarda a entrega, nos próximos dias, de cerca de 5 milhões de itens que já tiveram o processo de compra iniciados, ou concluídos, pela gestão estadual. Além disso, na semana passada, o Governo de Pernambuco ampliou a testagem para Covid-19 no Estado e, na sexta-feira (03.04), a SES-PE publicou nota técnica orientando sobre a testagem prioritária dos profissionais de saúde", completa a SES.

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