Correio Braziliense
postado em 06/04/2020 04:33
Doença pulmonar obstrutiva crônica. O nome pode soar estranho, mas acomete cerca de 6 milhões de brasileiros. Conhecida pela sigla DPOC, a enfermidade tem apenas 12% dos doentes no país diagnosticados e causa preocupação entre médicos. Quem tem a doença, está no grupo de risco do novo coronavírus — ou seja, é mais suscetível a desenvolver um quadro grave da Covid-19. A maioria, porém, sequer sabe do quadro clínico.
A DPOC é uma mistura de bronquite crônica com enfisema pulmonar. Ela é tratável, mas irreversível, afetando, em 85% dos casos, pessoas que já fumaram ou que ainda fumam. O restante são pacientes que, em sua maioria, tiveram exposição a alguma poluição extrema, como funcionários de uma carvoaria. Os médicos explicam tratar-se de uma doença silenciosa, uma vez que os sintomas aparecem aos poucos, na maioria das vezes, a partir dos 40 anos. Com o envelhecimento, chegando aos 50, 60 anos, torna-se mais evidente. A pessoa apresenta tosse, catarro, sente cansaço e leve falta de ar, mas remete os sintomas à idade ou à falta de condicionamento físico. Com o tempo, a situação se agrava.
Pneumologista da Faculdade de Medicina do ABC, Franco Martins explica que a doença acomete as vias respiratórias e vai se desenvolvendo progressivamente. A maioria dos casos que têm diagnóstico, segundo ele, é aquels com muitos sintomas – ou seja, a pessoa procura o médico quando já tem muitas queixas, ou quando está em um momento de crise.
Além do risco de uma pessoa sem diagnóstico para DPOC se contaminar com coronavírus, Martins chama a atenção para o perigo de o doente ir ao hospital em crise, pensando tratar-se de coronavírus, mas ser DPOC. “Pode haver dificuldade para entender se é a doença ou se é coronavírus”, pontua. Com os tratamentos corretos, segundo ele, é possível reduzir a progressão da doença e evitar as chamadas “exacerbações”, episódios em que a pessoa tem uma piora súbita dos sintomas.
Fila por transplante
Foi assim que Iara Flores, de 60 anos, moradora de Porto Alegre, descobriu a doença. Depois de fumar por 36 anos (ela começou jovem, aos 12 anos), a ex-faxineira começou a passar mal, sentindo muita falta de ar. E chegou a ponto de não conseguir tomar banho, por conta do esforço físico. Após algumas idas a postos de saúde, em 2008, soube que tinha enfisema pulmonar. Desde 2014, ela utiliza cilindros de oxigênio.
Com uma capacidade pulmonar de apenas 16%, Iara está há cinco anos na fila por um transplante pulmonar. A mulher conta que antes da chegada do novo coronavírus, seu maior medo era morrer depois de agonizar com falta de ar. “Quando tenho as crises, já é ruim. Imagina numa hora fatal”, diz. Hoje, seu maior medo é de morrer sozinha em um quarto, completamente isolada. “Sem poder ver meus filhos, sem poder me despedir. Acho que é o medo de todo brasileiro, é um medo mundial”, afirma.
Como Iara não está saindo de casa, a filha fica encarregada das compras. O tratamento que fazia, três vezes por semana, foi suspenso, mas ela continua tendo orientações de médicos e fisioterapeutas por meio de um aplicativo de celular. Em casa, não deixa de fazer as tarefas domésticas, à medida de sua capacidade pulmonar. Quando cansa, para.
Já o professor Idelci Santana, de 55 anos, conta que fumou pouco — cerca de 5 anos. Quando criança, entretanto, sofria de asma. Somando a esses e outros fatores da vida de Santana, descobriu a DPOC em 2017, quando já sentia muita falta de ar. À época, o homem fez um exame que mostrava capacidade pulmonar de 37%. É considerado muito grave quando o percentual é abaixo de 30. Desde então, o professor vem se cuidando e diz ter sentido melhoras.
Afastado das salas de aula por não ter fôlego, ele conta que o período atual é de grande medo. “Já é uma situação difícil sem o vírus. Agora, com isso, ficou ainda mais complicado. A gente fica mais acuado. Se as pessoas estão escondidas, eu fico ainda mais escondido”, explica. O professor garante que sai o mínimo possível, apenas para ir ao mercado, de forma rápida, e sempre em horários com pouca gente — logo pela manhã, quando acaba de abrir. “É um olho no peixe e outro no gato”, brinca.
Subdiagnóstico
Professor de pneumologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Oliver Nascimento reitera que o perigo é ignorar os primeiros sintomas. “Por isso, (a doença) é subdiagnosticada”, alerta. Para o especialista, é preocupante pensar na quantidade de pessoas com DPOC, sem diagnóstico, em um cenário de pandemia como este que estamos vivendo, de um vírus ainda sem cura.
Pneumologista, sanitarista e presidente da Comissão de Combate ao Tabagismo da Associação Médica Brasileira (AMB), Alberto Araújo afirma que pessoas com DPOC, por vezes, têm outras doenças crônicas, como cardiopatias, diabetes, pressão alta. Ele ressalta que, para essas pessoas, o risco de serem acometidas de forma grave pela Covid-19 é bem maior. “Muitos vão requerer internação e serão entubados, porque não vão conseguir respirar”.
O médico frisa que, em meio à pandemia do coronavírus, “pacientes com DPOC não devem sair de casa, nem mesmo para fazer compras. Essas pessoas vão reagir mal a qualquer infecção respiratória. Vão ser mais sintomáticas, até com uma gripe”, explica. Araújo frisa, ainda, a importância, para quem tem DPOC ou qualquer outra doença crônica, de se abandonar o cigarro, caso ainda fume, para que melhore a capacidade respiratória. “Se continuar fumando, vai continuar perdendo”.
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