Correio Braziliense
postado em 06/04/2020 04:33
A cena choca pela crueza. No velório, o esquife fechado jaz quase solitário sobre os cavaletes. A despedir-se dele, um, dois parentes –– e nada mais. No momento de conduzir o caixão à sepultura, pessoas totalmente vestidas com equipamentos de segurança contra contaminações surgem como que saídas de algum filme de cinema catástrofe. O silêncio torna-se mais pesado, mais dolorido, mais intenso do que normalmente é, pois o filho, a filha, o viúvo, a viúva são impedidos de ir em cortejo até o jazigo. A separação dá-se agressivamente, e de forma quase desumana, no momento em que a carreta deixa a capela acompanhada somente pelos funcionários do cemitério.
A descrição acima é de um sepultamento em tempos de pandemia da Covid-19. Os campos santos, prevendo a morte em massa, abrem dezenas de covas, uma forma fria, mas inevitável, de evitar que a contaminação se espalhe pela demora em enterrar uma vítima da doença. Foi, aliás, por causa disso que o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, e o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta assinaram, no último dia 31, portaria autorizando o sepultamento e a cremação de pessoas sem a necessidade de um atestado de óbito. Isso ocorre depois de o próprio ministro ter avisado aos governadores que o momento é de preparar as funerárias para o aumento no número de vítimas fatais da Covid-19.
Equipamentos
Quem trabalha nos cemitérios está igualmente intranquilo e abalado com o crescimento em proporção geométrica nas mortes e sepultamento. Porém, um dado se soma à tensão de conviver com as vítimas fatais da Covid-19: a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), que vêm sendo destinados aos médicos, enfermeiros e auxiliares, nas unidades de saúde. Por isso, a Associação Brasileira de Empresas e Diretores do Setor Funerário (Abredif) encaminhou um ofício ao Ministério da Saúde com um pedido de apoio para que as empresas consigam comprar EPIs.
“Não queremos doação. O problema é que não estamos conseguindo comprar. Antes, a gente usava esses equipamentos num número muito limitado de casos. Agora, usamos em um número muito maior porque, nas suspeitas, o tratamento é o mesmo das confirmações. Nós não estávamos conseguindo comprar na rede regular. Pedimos esse socorro para o Ministério da Saúde”, afirma o presidente da Abredif, Lourival Panhozzi.
Ele garante que o caos no sistema funerário –– como se vê no Equador — não chegará ao Brasil. Mas considera exageradas imagens como as que mostram o cemitério de Vila Formosa, em São Paulo, com dezenas de novas covas abertas para receber vítimas da Covid-19. “Não há chance de o sistema funerário entrar em colapso. Esse número não nos tira a capacidade operacional. Intensificamos os protocolos de segurança que praticamos. Nos casos de coronavírus confirmados ou suspeitos, os corpos saem preparados e protegidos. Os velórios, agora, têm menor duração, de quatro horas, no máximo”, explica Panhozzi.
Ele detalha que as empresas se uniram em uma rede nacional para ajudar uns aos outros. “É para um ajudar o outro e suprir. Repassamos uns para os outros, à medida que a demanda aumenta em alguns lugares”, explica.
O presidente da Abredif conta que as funerárias têm encarado o tema com seriedade, mas não estão desesperados. “A cidade de São Paulo, por exemplo, realiza até 300 atendimentos num dia, normalmente. Os casos até agora não somam um dia de trabalho. Mas as empresas privadas estão prontas para aumentar os atendimentos”, garante.
Colapso e corpos deixados na rua
O colapso no sistema funerário do Equador tem proporcionado cenas chocantes. Em Guaiaquil, a semana foi de caos: devido ao alto número de mortes, corpos são deixados nas calçadas pelas famílias com medo da infecção e incomodadas com o odor exalado pela decomposição. Na Europa, que se tornou o maior epicentro da pandemia, em março, a situação é bem próxima. Na Itália, onde os necrotérios não suportam a quantidade de mortos, um decreto obriga hospitais a enrolar corpos e colocá-los em caixões em até 24 horas. Funerais estão proibidos. Já na Espanha, onde o número de óbitos passou de 11 mil, estacionamentos viraram depósitos de caixões.
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