Correio Braziliense
postado em 22/04/2020 06:00
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o isolamento social é a melhor maneira de se achatar a curva de infecção pelo novo coronavírus e evitar um colapso no sistema de saúde. Mas aquilo que é solução é, também, problema. Afinal, como evitar que a clausura dentro de casa não seja a porta aberta para um mal comum nesses dias de pandemia — a ansiedade.
A fotógrafa Raíssa Maria de Melo, 22 anos, moradora de Padre Bernardo (GO), tem encontrado dificuldades para trabalhar durante a quarentena. Autônoma, faz ensaios fotográficos e, por causa do isolamento, ficou impossibilitada de atender a clientela. Isso, segundo ela, somado a outras preocupações, a fez desenvolver ansiedade.
“A vida de muitos parou, inclusive a minha. Como ainda sou autônoma, as coisas estão mais difíceis, e isso abala meu psicológico com ansiedade, cobranças internas e externas”, explica. Ela também relata que tem dormido mal e enfrentado dias cansativos.
A arquiteta e urbanista Nara Rodrigues, 24, sofre de ansiedade há cerca de cinco anos. Chegou a fazer um tratamento contra o transtorno, mas o interrompeu. Recentemente, deixou de usar remédios que controlam o problema. Com o início da pandemia e as notícias sobre o avanço do coronavírus apareceram os “gatilhos” para crises.
“Senti que minhas emoções ficaram mais afloradas. Passei a procrastinar tudo. Não consegui fazer coisas simples da rotina, como comer ou levantar da cama para ir até a sala de estar. Isso me afetou muito. Com o passar do tempo, fui me adaptando, lendo menos notícias, tentando ocupar minha mente. Tenho algumas recaídas porque não dá para ignorar o que está acontecendo. A gente não pode parar de acompanhar o que está ocorrendo”, diz.
Cabeça ocupada
Para tentarevitar futuras crises de ansiedade, Nara passa seu tempo trabalhando em projetos e praticar hobbies, e acompanha dicas de profissionais de saúde pela internet. Ela conta que a convivência com os pais é essencial, pois eles a tranquilizam.
“Quando não é possível evitar (as crises), tento fazer o controle da minha respiração e mantenho meus pais por perto. Eles me ajudam muito a lidar com tudo isso. Além disso, tento fazer atividades físicas, ler, assistir a filmes e séries, e voltei a praticar antigos hobbies, como desenhar e trabalhar com artesanato”, observa.
Já a estudante de farmácia Isabella Silva, 23, faz acompanhamento psicológico e psiquiátrico para tratar um transtorno de ansiedade generalizada e depressão. Está respeitando o isolamento social porque mora com os avós, e um de seus irmãos tem asma –– portanto, estão no grupo de risco do novo coronavírus. Isabella conta que tem problemas para ficar em casa, pois, naturalmente, tem costume de passar muito tempo fora.
“Ficar em casa me deixava muito estressada. Eu preciso estar na rua, preciso ver gente, conversar; preciso disso. Sempre fui uma pessoa ocupada, e isso me deixava mais tranquila. Quando tive que ficar em casa, por causa da quarentena, foi assustador”, relata.
Isabella conta que, depois do choque inicial, aprendeu a lidar com a situação. Ela continua tendo sessões com uma psicóloga, semanalmente. Entre as recomendações feitas pela profissional a ela, está manter uma rotina e sempre se manter ocupada.
“ Tenho feito atividades com a minha família e acho que estamos lidando de forma melhor com a quarentena. Não significa que não estou tendo crises, mas bem mais fracas. Eu tento me manter otimista de que as coisas vão melhorar”, afirma Isabella.
Crises depressivas fazem parte da rotina. Identificá-las e evitá-las são suas principais dificuldades, tratadas junto à psicóloga. Quando aparecem, a solução é ocupar a cabeça com coisas que trazem conforto.
“Quando percebo que minhas crises começam, vou ficando mais agitada e mais ansiosa. Procuro assistir a um filme que gosto e que me passa conforto. Procuro fazer alguma atividade que me tira daquele foco. Ouço música, faço exercícios físicos. Às vezes, faço uma atividade física intensa em casa, subindo e descendo escadas, até cansar”, salienta.
Para lidar com o isolamento, Isabella diz que manter um pensamento de continuidade da vida pós-pandemia também é importante.
A busca pelo alívio certo
O médico psiquiatra Leonardo Moreira, mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em prevenção e assistência a usuários de álcool e outras drogas e doutorando em bioética pela Universidade do Porto, em Portugal, explica que a ansiedade é uma reação normal no atual período. O problema é como a pessoa vai buscar alívio para a situação.
“Na saúde mental, o isolamento já traz um agravamento grande da ansiedade. Muitas vezes o alívio pode não vir por meio da atividade física. Nesse caso, muitas pessoas recorrem à comida, ao álcool, ao tabaco ou mesmo em outro tipo de droga, que acaba trazendo mais prejuízo para a saúde mental”, explica.
Segundo Leonardo, um dos mais evidentes sinais de alerta são as mudanças bruscas de comportamento que as pessoas apresentam. “Assim como se estivesse fora da pandemia, o sinal de alerta é uma mudança abrupta para algo muito diferente do que a pessoa é. Nesse momento, é normal a pessoa sair do seu natural e ficar mais ansiosa”, adverte.
O médico alerta que dois fatores biológicos acabam sendo facilmente alterados no período o sono e a alimentação. “Dormir em horários diferentes alterações no apetite são sinais de alerta”, aponta, salientando que o isolamento ainda dificulta o atendimento médico.
* Estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi
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