Brasil

Dois meses de uma batalha

Em meio à pandemia que mudou a rotina do brasileiro, estados entraram e saíram da quarentena e corrida por EPIs e respiradores pautaram a Saúde, que se esforça para não colapsar. Porém, na avaliação de infectologistas e pesquisadores ouvidos pelo Correio, Brasil ainda não passou pela pior fase

Correio Braziliense
postado em 26/04/2020 04:09
Há dois meses, o Brasil diagnosticava o primeiro caso do novo coronavírus no país. Desde então, a doença, chamada de “gripezinha” pelo presidente Jair Bolsonaro, se espalhou e mudou completamente a rotina dos brasileiros. Enquanto os estados entraram em quarentena, houve troca de ministros na política, corrida para compra de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs); construção de hospitais de campanha, na saúde, e uma onda de solidariedade, na sociedade. Na avaliação de infectologistas e pesquisadores ouvidos pelo Correio, apesar de o Brasil fazer um bom combate à Covid-19, o país ainda não passou pela pior fase.

O vice-presidente da área médica da empresa de diagnóstico Dasa, Emerson Gasparetto, avalia positivamente o combate da doença no Brasil até o momento. “Se a gente pudesse passar uma régua, hoje, diria que a gente foi muito bem até agora.” Apesar de avaliar positivamente os esforços, Gasparetto alerta: “Essa aqui não é uma corrida de 100 metros rasos. É uma maratona, é longa. Então, a gente ainda tem um caminho longo pela frente, seja em manter o achatamento da curva, seja em aumentar nossa capacidade de diagnóstico e de atender esses doentes. Infelizmente, a gente não tem a opção de dizer que a doença acabou, ainda tem muita água para passar embaixo dessa ponte.”

Consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, a médica Eliana Bicudo acredita que o pior da pandemia está por vir. “Ainda não passamos pelo pior, mas quando fizermos um levantamento de pessoas suscetíveis ao vírus, poderemos responder algumas perguntas melhor”, pontua. A infectologista, assim como Gasparetto, acredita que o país está caminhando bem na luta contra o novo coronavírus, mas relembra que “o Brasil é um país continental. Alguns locais tomaram a decisão de fazer o isolamento social de forma precoce e outros demoraram um pouco mais”, explica.

O isolamento social, medida não farmacológica que é usada para achatar a curva de casos do coronavírus, foi ponto das principais discussões nos dois primeiros meses da doença no Brasil. As divergências sobre o tema criaram atrito até mesmo entre o presidente da República e o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. As discordâncias quanto ao isolamento e ao uso da cloroquina para tratar pacientes de Covid-19 se somaram aos interesses políticos e ocasionaram o colapso da relação.

No lugar, entrou o médico oncologista e consultor da saúde suplementar Nelson Teich, sem vínculo político, mas que já havia sido cotado para assumir o cargo, antes de Mandetta. “Qualquer pessoa que viesse para essa posição, já viria com essa cláusula contratual de que não deve contrariar o presidente. Isso é preocupante, porque ele tem sido contrário às orientações técnicas e ao que o conhecimento científico diz”, avalia o sanitarista e coordenador do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de Brasília, Cláudio Maierovitch.

Aprendizados

Trabalho não tem faltado aos cientistas. Pesquisadores brasileiros se debruçam em cada novo detalhe desvendado do novo vírus para avançar na proposta de tratamentos, vacinas e medicações. São mais de 500 ensaios clínicos, feito em conjunto e simultaneamente, mundo afora. Uma das principais iniciativas, nomeada de Coalizão Covid Brasil, reúne 80 hospitais do país que, em parceria com o Ministério da Saúde, concentram os esforços em avaliar efeitos de medicamentos. 

Faculdades e universidades brasileiras vêm dando contribuições importantes. Na Universidade de Brasília (UnB), pesquisadores codificaram o genoma do vírus no Distrito Federal, outros melhoraram a capacidade e a velocidade dos testes da Covid-19. Um grupo criou um sistema de inteligência artificial que ajuda profissionais de saúde no diagnóstico da doença. Também há projetos que aperfeiçoaram os equipamentos de proteção individuais (EPIs) e que criaram técnicas de descontaminação de respiradores para reutilização.

A lista é extensa e, apesar de ser referente a uma única universidade, a UnB, reflete os esforços que se repetem em instituições de pesquisa por todo o país. Na última semana, o DF passou a fazer testes em massa. O que antes levava dias para obter o resultado, agora é feito em minutos. Com o aumento do temor pela Covid-19, a ciência passou a ser vista com mais carinho. “Vimos um aumento de chamadas de órgãos públicos e privados destinadas às pesquisas sobre coronavírus”, observa Cláudia Naves David Amorim, decana substituta de Pesquisa e Inovação (DPI) da UnB.

Os aprendizados vão além das descobertas científicas. Em tempos de pandemia, um ponto positivo ressaltado pelos médicos e profissionais na linha de frente foi a solidariedade desenvolvida no país. A produção e doação de máscaras caseiras, o auxílio oferecido aos vizinhos que são do grupo de risco e o acolhimento de idosos em situação de vulnerabilidade pôde ser visto durante os últimos dois meses. “Em toda pandemia, a gente aprende muito. Nesse momento, a solidariedade que o Brasil desenvolveu e a preocupação com o próximo são grandes aprendizados que merecem ser destacados”, pontuou a especialista Eliana Bicudo.

SUS

Para José David Urbaéz Brito, infectologista do Laboratório Exame e diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, a crise causada pelo novo coronavírus mostra a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. “A gente pôde ter uma visão da nossa capacidade de gerir uma crise de saúde de forma privilegiada. Apesar de toda precariedade , temos uma capilaridade do SUS. É uma máquina que continua a ser a melhor possível, não é boa como deveria porque não investiram nela há décadas”, disse.

Além do sistema único, outra vantagem que tivemos no combate ao novo coronavírus foi o tempo de preparação. O vice-presidente da área médica da Dasa, Emerson Gasparetto, aponta que a experiência dos demais países deu ao Brasil mais informações em meio ao desconhecido. “Vemos toda a mobilização, do setor público e privado, na construção do centro de diagnóstico da Covid, no aumento dos leitos de UTI.”

"Em toda pandemia, a gente aprende muito. Nesse momento, a solidariedade que o Brasil desenvolveu e a preocupação com o próximo são grandes aprendizados que merecem ser destacados”
Eliana Bicudo, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia 

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