Brasil

Especialistas questionam uso de testes rápidos para Covid-19 na população

Para cientistas ouvidos pelo Correio, os testes rápidos, como os que vêm sendo usados no DF, não são confiáveis, e sua aplicação na população pode "mais atrapalhar que ajudar"

Correio Braziliense
postado em 29/04/2020 16:11
pessoa sendo testada para a Covid19 de dentro do carroEspecialistas ouvidos pelo Correio se mostram preocupados com o uso de testes rápidos para detectar o novo coronavírus na população. Para os cientistas, essas testagens não são capazes de fornecer um panorama confiável do número de infectados e podem, ainda, estimular comportamentos irresponsáveis nas pessoas cujo exame der resultado negativo. Para eles, os governos do Distrito Federal e de estados que adotam a estratégia acabam investindo recursos em uma medida que não trará resultados e, pior, pode gerar desinformação.

Para entender por que esses exames não são confiáveis, é preciso saber que há dois tipos de testes para a Covid-19: o molecular, que detecta o material genético do vírus e dá um resultado preciso; e o rápido, que busca identificar anticorpos que passam a ser produzidos pelo corpo depois da infecção. E é aí que residem os problemas desse segundo tipo de análise.

Em primeiro lugar, nem sempre os testes rápidos conseguem detectar os anticorpos. A fabricante do teste adotado no Distrito Federal, a Gbio, por exemplo, admite uma possibilidade de erro de 14%. E estudos feitos com várias marcas apontam que esse índice é, geralmente, mais alto. Isso significa que não são pequenas as chances de uma pessoa que está com o coronavírus obter um resultado negativo.

Além do alto índice de falsos negativos, esses testes falham também porque cada organismo reage de maneira diferente e demora mais ou menos tempo para produzir anticorpos. É por isso que o Governo do Distrito Federal (GDF) só recomenda o teste para pessoas que têm sintomas da doença há pelo menos sete dias. Essa precaução, porém, não garante a eficácia, afirma Natália Pasternak, microbiologista do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Segundo ela, a produção de anticorpos na maioria das pessoas tende a começar com mais de 10 dias, e um estudo de validação dos testes feitos pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, verificou que os testes funcionam melhor após três semanas.

Diante de tantas incertezas, estratégias como a adotada em Brasília podem mais desinformar do que informar, alerta Pasternak. "Além de a pessoa poder ainda não estar produzindo anticorpos quando faz o exame, ela pode até já estar e o teste não detectar. Gera uma confusão na cabeça das pessoas e pode prejudicar comportamentos, pois a pessoa sai achando que não está doente, mas o teste não garante isso", diz a microbiologista, cuja avaliação é de que os governos que adotarem os testes rápidos podem acabar promovendo um "desperdício de dinheiro público" — cada um dos 5 mil testes adquiridos pelo DF custa R$ 159.

Mesma opinião tem Evaldo Stanislau, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo e membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia. Segundo ele, os testes rápidos são "absolutamente desnecessários". "Eles mais atrapalham do que ajudam. A pessoa começa a produzir anticorpos a partir do sétimo dia, mas tem gente que só vai produzir depois do 14°. E mesmo assim existe o risco do falso negativo. Embora a bula diga que esses testes têm um bom desempenho, geralmente, eles têm 30% de taxa de erro. É muito limitado”, avisa.

OMS recomenda o teste molecular

Além do isolamento social, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a testagem em massa, mas com a aplicação dos testes moleculares, realmente capazes de dar um diagnóstico preciso e que leva algumas horas, e não minutos, para ficar prontos. Além do DF, Ceará e Santa Catarina já aplicam testes na população, sendo que o governo do primeiro informou que está usando os testes moleculares e o do segundo, os dois tipos. Já o governo de São Paulo anunciou que vai começar a testagem da população nos próximos dias. Embora não tenha dito o tipo de exame que será adotado, o vice governador, Rodrigo Garcia, anunciou que os resultados sairão em 15 minutos, ou seja, o estado também usará os testes rápidos. 

O GDF tem se preocupado em lembrar que um resultado negativo não deve levar as pessoas a se comportar de maneira menos cuidadosa. Afinal, não estar com o vírus hoje não representa imunidade à Covid-19. "Se deu negativo, a pessoa continua suscetível a contrair o vírus. Ela pode contrair alguns dias depois", ressaltou Ricardo Tavares Mendes, subsecretário de Assistência Básica à Saúde do DF, em entrevista coletiva.

O maior interesse do DF com os testes é coletar dados que ajudem o governo a decidir se relaxa ou não as medidas de isolamento social, como o fechamento do comércio. "(Os testes servirão) para que, dentro de um processo de reabertura de algum segmento, nós tenhamos alguns indicadores. A testagem é um desses indicadores", explicou o secretário de Saúde, Francisco de Araújo Filho, na mesma coletiva.

Para Natália Pasternak, no entanto, não é boa ideia usar os testes rápidos para embasar políticas públicas. "Não temos testes confiáveis em quantidade suficiente, e os testes rápidos não têm a qualidade necessária. Só podemos fazer isso quando tivermos testes de qualidade e quando a curva (de infecção, hoje crescente no país) se estabilizar", afirma a cientista da USP.

O Brasil ainda está começando a aplicação dos testes moleculares em massa. Recentemente, o governo federal adquiriu 10 milhões de testes, via Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Desses, os primeiros 500 mil chegaram da Coreia do Sul no último dia 22, para serem distribuídos aos sistemas públicos de saúde.

Já Wildo Navegantes de Araújo, professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), admite a possibilidade de os testes serem usados para traçar um perfil de quantas pessoas estão infectadas e, assim, orientar decisões do governo. No entanto, ele acredita que o GDF não está fazendo isso da forma correta. 

"O maior problema é como está sendo feito. Se eu seleciono a amostra, posso fazer uma ingerência de quantas pessoas estão infectadas. Mas, em Brasília, só faz quem quer fazer. Assim, tem uma parte da população que não vai fazer", analisa. Para o professor, o GDF deveria selecionar as pessoas para obter uma amostragem mais confiável. "Não precisa testar todo mundo. Se eu testo uma amostra do Lago Sul e percebo que 70% da minha amostra deram positivo, é porque somente 30% da população não tiveram contato com o vírus ainda. Essa pratica ajuda a tomar decisões", completa.
 

Testagem em farmácias

Todas essas ressalvas não significam que os testes rápidos não tenham sua utilidade. Segundo Pasternak, estudos mostram que eles são mais confiáveis três semanas após a infecção e podem dizer, assim, quem já teve o vírus. Já o Ministério da Saúde recomenda o uso desses testes em profissionais de saúde, para que as autoridades sanitárias acompanhem o índice de infecção em suas equipes.

Saiba Mais

É um erro, porém, dar à população largo acesso aos testes sem uma clara divulgação de suas limitações. Por isso, os especialistas também criticam a aprovação, na terça-feira (28/4), pela Anvisa, da venda de testes rápidos em farmácias. "É um absurdo o que a Anvisa está fazendo. Esses testes não deveriam ser usados sem orientação médica. Está virando um grande negócio. As empresas viram uma possibilidade de viés comercial nesses testes", avalia Evaldo Stanislau, do Hospital das Clínicas.

Araújo, da UnB, também ressalta o caráter comercial da medida: "Dessa forma, será só para as pessoas que têm dinheiro. Outro problema é que isso pode levar à aglomeração de pessoas em farmácias e, muitas vezes, elas estando infectadas”.

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