Brasil

"Quando vai ser o pico? Não sei, ninguém sabe"

Arguido por senadores, ministro Teich afirma que "Cestamos navegando às cegas" e alega dificuldade em obter informações sobre o avanço da Covid-19. Brasil bate recorde de novos casos da doença - foram 6.276 registros em 24 horas - e chega a 5.466 mortes em 43 dias

Correio Braziliense
postado em 30/04/2020 04:04
Chegada de paciente com Covid-19 em hospital de Fortaleza; mesmo após abertura de leitos, Ceará tem 77% das vagas em UTI ocupadas

Na semana recorde de crescimento do número de casos da Covid-19, que colocou o Brasil na lista dos dez países com mais mortos pela doença, o Ministério da Saúde confirmou 449 novos óbitos nas últimas 24 horas, totalizando 5.466. A falta de consenso entre orientações no combate à pandemia fez a Organização das Nações Unidas (ONU) emitir relatórios ressaltando a necessidade de se colocar vidas à frente da economia. Enquanto isso, em audiência pública, o ministro da Saúde, Nelson Teich, declarou a senadores que a pasta nunca se posicionou para a saída do isolamento.

Um dia após bater o recorde do número de mortes pela Covid-19, o Brasil registrou, ontem, o maior número de casos do novo coronavírus em 24 horas. O sistema recebeu mais 6.276 registros, totalizando 78.162 infectados no Brasil. Apesar dos números, especialistas dizem que o país ainda não chegou ao pico de casos da doença. Questionado, ontem, sobre quando isso vai acontecer, o ministro da Saúde, Nelson Teich, desconversou. “Quando vai ser o pico? Não sei, ninguém sabe. Não sou só eu que não sei, ninguém sabe”, afirmou, em audiência pública realizada em uma sessão remota no Plenário do Senado Federal.

Em resposta a senadores, o ministro afirmou que existe a possibilidade de uma segunda onda da doença, diante da notificação de pessoas diagnosticadas com a doença duas vezes, mas que não é possível projetar isso com clareza pelo formato de diagnóstico realizado atualmente no país. De acordo com Teich, cada lugar terá uma curva e as datas projetadas são suposições em cima de modelos.

“Estamos navegando às cegas. Falta informação sobre o vírus, os testes não são 100% confiáveis. Ninguém sabe quando vai haver o pico de contaminados. Cada lugar vai ter sua própria curva. A incerteza prejudica qualquer planejamento de longo prazo, temos que rever isso diariamente”, disse Teich.

Segundo o balanço do Ministério da Saúde, entre os estados mais afetados estão São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Amazonas, Maranhão e Pará. As sete unidades federativas concentram 4.703 mortes, ou seja, 86% dos óbitos no Brasil.
Isolamento

Diante do crescimento de casos e mortes, o ministro ressaltou que o Ministério da Saúde nunca se posicionou para uma saída do isolamento. “Essa orientação vem sendo mantida e, onde a gente está vendo uma alteração em relação a isso, é uma decisão dos governadores. Isso não é uma decisão nossa. Nossa orientação desde o começo é o distanciamento”, pontuou.

Até o momento, segundo Teich, a pasta habilitou 2.258 leitos de UTI e contratou outros 504 leitos volantes. Em relação aos insumos, foram distribuídos aos estados e municípios 79 milhões de produtos entre álcool em gel, avental, luva, sapatilha, óculos de proteção, touca e máscara. O total de recurso empenhado foi de R$ 4,5 bilhões.
Ainda esta semana, o Ministério da Saúde deve liberar mais R$ 1 bilhão aos governadores e prefeituras. A metodologia adotada, no entanto, será a não-linear. "Percebemos distintos perfis de comportamento da doença por região, bem como padrão de evolução da epidemia em cada localidade. O que definirá o peso de redistribuição de recursos é também a prioridade no socorro a estados e municípios, a partir da situação crítica vivenciada pelo ente federado", explicou.

No ranking de confirmações, o Sudeste continua na liderança, com 49,8% dos casos. Em seguida aparecem Nordeste (28,7%), Norte (12,3%), Sul (6%) e Centro-Oeste (3,2%). O Ministério da Saúde divulgou, ainda, o número de pacientes recuperados da Covid-19, 34.132, o que representa 44% das pessoas que tiveram um diagnóstico comprovado. Outras 38.564 continuam em acompanhamento.

Críticas ao Brasil
Direcionado especificamente para o Brasil, o comunicado do Alto Comissariado da ONU sugere olhar atento para combater a desigualdade e a pobreza, deixando de lado políticas de austeridade que priorizem a economia. "Não é permitido colocar em risco a saúde e a vida das pessoas, incluindo os profissionais de saúde, pelos interesses financeiros de alguns. Quem será responsabilizado quando as pessoas morrerem por causa de decisões políticas contrárias à ciência?", questionam o especialista em direitos humanos e dívida externa, Juan Pablo Bohoslavsky, e o relator especial sobre pobreza extrema, Philip Alston.

Para os especialistas, o auxílio emergencial de R$ 600 é um exemplo de boa medida adotada para este momento. Por outro lado, indicam, é necessário que se revogue a emenda constitucional do teto de gastos, que limita repasses públicos por 20 anos. O objetivo é fortalecer os serviços públicos essenciais neste período.

 

Após reabertura, casos sobem 160%

» MAÍRA NUNES
» RENATA RIOS

Com a iminência do afrouxamento das regras de isolamento social por todo o Brasil, o número de pessoas infectadas não para de crescer. Enquanto há uma pressão do setor privado pela reabertura do comércio, especialistas alertam para os perigos da flexibilização precoce das medidas. Estados que já colocaram em prática a retomada das atividades estão vendo disparar a quantidade de casos da Covid-19. É o caso de Santa Catarina, onde cidades registraram aglomerações na reabertura de shoppings. Em Blumenau, a quantidade de casos confirmados mais que dobrou em duas semanas. No dia 13 de abril, quando as lojas reabriram, eram 68 registros. Quarta, o número havia subido para 177, registrando aumento de 160%.

Em 21 de abril, o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés, liberou centros comerciais, shoppings, restaurantes, parques, praias e academias. No dia seguinte, ampliou a decisão para cultos e missas. O comércio de rua também foi autorizado e atividades físicas individuais ao ar livre, também liberadas esta semana. Outro afrouxamento foi a liberação da operação das unidades industriais de Santa Catarina sem restrições de capacidade.

Apesar das recomendações aos estabelecimentos que adotaram a flexibilização, o estado tem apresentado um crescimento no número de contaminados. Mais de 500 novos casos foram registrados de segunda para terça-feira, chegando a 1.995 confirmados e 44 mortes. Segundo dados do Inloco, a taxa de adesão ao isolamento na unidade federativa chegou a 44,8%. Para especialistas, os números preocupam, já que o ideal para achatar a curva de contágio pela doença e evitar um colapso no sistema público de saúde seria 70% de adesão.

O governador de São Paulo, João Doria, recuou na decisão de aumentar a flexibilização das medidas de isolamento a partir de 11 de maio. Epicentro da pandemia no país, com 26.158 casos e 2.247 mortes pela Covid-19, o estado manteve a taxa de isolamento em 48% pelo segundo dia seguido. Especialistas afirmam, porém, que a média mínima para conter o crescimento acelerado do vírus seria de 50%. "Não há a menor condição de flexibilização de isolamento com 48% de taxa de isolamento e, evidentemente, com os riscos de colapso no atendimento público dos hospitais na capital de São Paulo e na região metropolitana", disse o governador, ontem, em coletiva.

Na Grande São Paulo, 85% dos leitos de UTI e 75% dos leitos de enfermaria estão ocupados. Em todo o estado, a taxa é de 68%,das UTIs; e 47%, dos leitos de enfermaria. 

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