Correio Braziliense
postado em 04/05/2020 04:12
A falta de orientações sólidas quanto às medidas de isolamento social tem dividido a população, diminuído a obediência e facilitado a transmissão do novo coronavírus. Enquanto discursos politizados competem com a situação emergencial de saúde, o Brasil vivencia uma drástica escalada no número de novos casos e mortes. Em meio ao ruído de opiniões, gestores, especialistas e autoridades se concentram em avaliar quando e como fazer o chamado distanciamento social seletivo.
Mensagens trocadas ainda marcam o discurso nacional. Na quinta-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o isolamento social adotado por governadores e prefeitos é “inútil”. No mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reprovou a querela entre autoridades. “Enquanto entes federativos continuarem brigando, judicialmente ou pela imprensa, é a população que sofre. A população quer um norte seguro”, disse.
O médico sanitarista e professor da FGV Adriano Massuda critica a postura demagógica que tende a menosprezar o risco da doença e focar na economia. A disputa pelo comando da técnica, para ele, cria conflitos, fazendo com que a população se confunda e não respeite o isolamento, passando a escolher lados. “O Brasil acertou em antecipar as medidas de distanciamento. Mas, a falha de coordenação acabou tendo um efeito reverso. Como a curva estava sendo achatada, a interpretação foi de que não se precisa manter as medidas. É justamente o contrário. Tomar medidas de relaxamento, em franco crescimento, é, no mínimo, irresponsável”, avalia Massuda.
No campo da política, gestores brasileiros tentam avaliar o melhor momento para se restringir ou afrouxar o distanciamento social. Em São José dos Campos (SP), o prefeito Felicio Ramuth (PSD) chegou a anunciar a adoção do isolamento seletivo, com retorno das atividades comerciais não essenciais (shoppings e comércio de rua). No entanto, o Ministério Público protocolou uma ação pedindo a suspensão da abertura, com a alegação de que a medida contraria o decreto do governador João Doria (PSDB) de estender a quarentena estadual até 11 de maio.
No caso do Distrito Federal, o adiamento da reabertura partiu do próprio governador Ibaneis Rocha (MDB). Depois de anunciar que atividades comerciais retornariam esta semana, ele voltou atrás, entendendo que os estabelecimentos estavam com dificuldade de atender às exigências para o retorno, como testagem e compra de equipamentos de proteção individual. O retorno das aulas nas escolas militarizadas também chegou a ser discutido junto ao presidente Jair Bolsonaro, mas Ibaneis recuou.
Falsa impressão
Para o sanitarista da Fiocruz Claudio Maierovitch, é necessário estabilizar os casos para depois se falar em afrouxamento, ação que tende a aumentar as taxas de transmissão. “Existe autonomia em cada estado e município, mas hoje a realidade das grandes cidades é muito semelhante. Várias têm capacidade de internação já superadas, e outras seguem o mesmo caminho. Gestores de saúde se articulam para dar conta da demanda”, justifica.
Nesses casos, abrir tipos de comércio que, em tese, não provocariam aglomeração, causa uma falsa impressão de que não há aumento dos riscos de infecção. “Quando se ativa qualquer tipo de ramo, significa mais gente no transporte público, mais necessidade de limpeza, de manter vigilância. Cada pequeno passo que se dá tem um aumento em cadeia e isso significa atrair pessoas para a rua”, alerta Maierovitch.
Questionado sobre a conexão entre o afrouxamento das medidas e o aumento de infectados, o ministro da Saúde, Nelson Teich, afirmou que “é difícil estabelecer uma relação de causa e efeito”, disse. Para balizar as decisões de relaxamento, o Ministério da Saúde elabora uma diretriz aos estados e municípios, elencando as periodicidades e critérios necessários para se avançar o processo de flexibilização. Os técnicos levam em conta a estabilização ou declínio de transmissão, a capacidade de atendimento hospitalar e o fluxo da população. Mas, o isolamento continua como a orientação geral. “Neste momento, temos uma definição clara: o distanciamento permanece como orientação”, afirmou Teich, na quinta-feira, levando em conta a tendência de crescimento de casos e mortes pela Covid-19.
O isolamento seletivo também precisa ser avaliado em um contexto regional. Enquanto determinado estado ou município comece a autorizar o funcionamento de alguns serviços, é possível que outro decrete lockdown. O ministro da Saúde, Nelson Teich, já ressaltou a importância das realidades regionais. “Em algum momento vamos ter que flexibilizar. Quando isso acontecer, temos que ter a calma necessária porque pode ser que se tenha que voltar atrás. Tem que ser feito com absoluta serenidade, senão vai virar uma guerra. Isso não pode acontecer.”
- Em quarentena
Entenda os diferentes tipos de isolamento
Distanciamento Social Seletivo (DSS) – Ficam isolados apenas grupos de risco como idosos, obesos, diabéticos e cardiopatas; além de casos suspeitos. Pessoas abaixo de 60 anos podem circular livremente, se não apresentarem sintomas da doença.
Distanciamento Social Ampliado (DSA) – Todos os grupos da sociedade devem permanecer isolados para evitar uma aceleração descontrolada da doença.
Bloqueio Total (Lockdown) – Todos os grupos da sociedade permanecem reclusos e há um perímetro de segurança na região onde foram identificados casos da doença. Não é permitido entrar ou sair da área isolada.
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