Reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em caráter excepcional enquanto durar o combate à doença, a telemedicina conquistou espaço no setor privado e público. Até o momento, de acordo com o Ministério da Saúde, 5,7 milhões de pessoas já buscaram os serviços do TeleSUS, serviço de teleconsulta do Sistema Único de Saúde (SUS) com foco nos pacientes da Covid-19. Em hospitais privados, a procura por atendimentos de teleorientação chegou a subir 1.000%. A aposta dos especialistas é que após a pandemia, o serviço continue tendo espaço no Brasil.
Eduardo Cordioli, gerente médico da telemedicina do Hospital Israelita Albert Einstein, afirma que o crescimento da procura pelo serviço já era esperado, mas o coronavírus o acelerou. Antes da crise, o serviço de telemedicina do hospital fazia cerca de 60 a 80 atendimentos por dia. Após o isolamento, mais de 800 pacientes são atendidos. “A melhor sala de espera do mundo é o sofá da casa do próprio paciente. Isso diminui o deslocamento e, com isso, cai o risco de ele transmitir uma infecção ou de pegar uma. Acaba funcionando como um equipamento de proteção individual”, avaliou.
Cordioli explica que o serviço digital do Hospital Albert Einstein nasceu em 2016, quando foi lançado um projeto piloto para atender a 800 pacientes. “Pela lei brasileira, o médico tem autonomia para exercer sua profissão, e a telemedicina sempre foi possível”, explica. Em 2017, o serviço passou a atender a 26 mil pessoas. Esse número ganhou mais força com a Covid-19. Antes, o hospital atendia 400 mil pessoas. Hoje, são 1,5 milhão de pessoas com acesso ao serviço. “A transformação digital é um caminho sem volta”, afirma.
Severino Benner, CEO do Grupo Benner, empresa que atua com soluções de gestão para a área de saúde, compara a telemedicina com o surgimento dos aplicativos de transporte. “A telemedicina já aconteceu e não tem mais volta. Estamos vendo se repetir no segmento da saúde o que aconteceu no segmento dos transportes, quando as prefeituras regulamentaram a atividade, a população já havia adotado em grande escala”, analisou.
A última resolução do CFM sobre a prática da telemedicina é de 2002. A norma apresenta o conceito de telemedicina e algumas limitações para o serviço. “Os serviços prestados através da Telemedicina deverão ter a infraestrutura tecnológica apropriada e obedecer às normas técnicas do CFM pertinentes à guarda, manuseio, transmissão de dados, confidencialidade, privacidade e garantia do sigilo profissional”, diz o texto.
Cordioli acredita que não há necessidade de uma regulamentação no futuro. “Tem que investir em uma regulamentação das boas práticas. Cabe ao Conselho Federal de Medicina proteger o paciente do mau médico e determinar qual a boa prática da telemedicina”, defende.
O CMF publicou em fevereiro de 2019 uma resolução para atualizar as regras do serviço, mas revogou depois de receber críticas de entidades médicas. O atraso na regulamentação da prática pode trazer insegurança para pacientes e médicos, que ainda se acostumam com o serviço.
Presença é essencial, afirmam profissionais
A psicóloga clínica e neuropsicóloga Juliana Gebrim, que atua na área há 22 anos, já realizava alguns atendimentos a distância antes da pandemia. Com o isolamento, a prática teve que ser ampliada. “Tem dado muito certo e não tive queda na clientela por conta disso. Mas eu sinto falta do encontro presencial, porque é importante ter esse contato visual, perceber se a pessoa está ansiosa, se quer desfocar de um determinado assunto. Isso ajuda no diagnóstico. No vídeo não consigo ter essa intensidade de percepção para identificar as emoções”, explica. Segundo ela, 80% de seus pacientes já pedem a volta das sessões presenciais. Apesar de a pandemia impulsionar as consultas a distância, Juliana não vê a prática como uma tendência. “Não vejo um futuro. Tem coisa que é olho no olho com seu médico”, afirma.
Tiago Ribeiro, oftalmologista do Visão – Hospital de Olhos, acha que o serviço veio para somar no período de isolamento, mas pondera que não pode substituir a medicina convencional. “A avaliação presencial é fundamental em várias patologias. Na oftalmologia, por exemplo, se for um queixa relacionada à retina, temos que fazer uma avaliação presencial”, pontua.
Tiago também ressalta que a telemedicina não se baseia em apenas um único contato de 20 minutos com o médico. “O paciente tem que ter um canal de comunicação frequente com o médico para que o profissional de saúde possa avaliar se ele apresentou melhora e há necessidade de partir para a avaliação presencial”.
Teich: crítica é corporativista
Um dos pontos importantes na discussão da incorporação da telemedicina são os possíveis riscos aos pacientes. Os defensores do serviço afirmam que há perigo também no atendimento presencial. O próprio ministro da Saúde, Nelson Teich, antes de assumir o cargo, afirmou que os encontros presenciais nem sempre garantem um cuidado eficiente e de competência. “Assumir que o cuidado presencial é sinônimo de humanidade e competência é no mínimo, um erro. [...] Assumir que a telemedicina tenha riscos maiores do que os encontros presenciais sem a existência de informação de qualidade que corrobore essa afirmação é um posicionamento emocional ou corporativista”, escreveu em um artigo publicado em 18 de março.
Para Teich, a discussão deve ir além da implementação ou não da telemedicina e deve avançar para ações que definem onde e como ele deve ser realizado. O ministro voltou a expor a opinião sobre o serviço durante a audiência pública no Senado Federal, realizada por videoconferência na última quarta-feira, 29/4. Na ocasião, o ministro afirmou que a telemedicina, assim como outra tecnologia, é uma ferramenta que pode ser bem ou mal usada.
“É óbvio que a telemedicina, em algumas situações, vai ser útil e vai nos permitir desenvolver coisas futuras através dela. Ela aproxima pessoas, permite contato a distância e interação profissional. No entanto, eu acho que você vai ter de rever a melhor forma de usá-la. Isso vai ter que ser trabalhado”, pontuou.
Veto presidencial
Em abril, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei que libera o uso do serviço enquanto a durar a crise causada pelo novo coronavírus. No entanto, um dos pontos do projeto vetado por Bolsonaro transferia para o Conselho Federal de Medicina (CFM) a regulamentação da telemedicina após o fim da pandemia.
O governo federal entende que isto deve ser feito por meio de
uma nova lei.
Entenda os serviços
Teleorientação – Permite que médicos realizem a distância a orientação e o
encaminhamento de pacientes
Telemonitoramento – Possibilita que, sob supervisão ou orientação médicas, sejam monitorados a distância parâmetros de saúde e/ou doença
Teleinterconsulta – Permite a troca de informações e opiniões exclusivamente
entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico.
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