Brasil

Falta de diagnósticos de câncer e outras doenças preocupa médicos

Especialistas mostram preocupação com a falta de diagnóstico, em especial os para pacientes de câncer

Correio Braziliense
postado em 04/05/2020 16:00
Desde o início da pandemia, o número de pessoas que fazem exames ou buscam as emergências, para outros sintomas que não o Covid-19, caiuO novo coronavírus está mudando a forma que as pessoas se comportam. Devido ao isolamento social, algumas rotinas tiveram que ser adaptadas ou até adiadas. Entre as mudanças que a pandemia trouxe está a menor quantidade de pessoas indo aos médicos e às emergências, seja para situações excepcionais, seja para os necessários exames de rotina. 

Um levantamento oficial da Sociedade Brasileira de Patologia revela uma redução em exames anatomopatológicos. Nos dados é possível constatar que, em relação ao mesmo período  do ano passado, a queda foi grande. Em São Paulo, por exemplo, um hospital de referência do estado registrava, em abril do ano passado um número de 6.418 análises de biópsias de pacientes oncológicos operados. Na mesma data deste ano, o registro caiu para 1.297. 

Clóvis Klock, médico patologista e conselheiro consultivo da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), destaca que as pessoas de fato estão deixando de ir ao médico e às emergências. “Nós podemos observar que existe um grande número de pessoas que estão tendo alguns casos de doenças como AVC, infarto e alguns diagnósticos de câncer que não estão sendo feitos”, alerta.

Entre os maiores riscos está o diagnóstico tardio para o tratamento de câncer. Atualmente são estimados 625 mil novos diagnósticos da doença no Brasil em 2020. Essa quantidade chama a atenção. Seriam mais de 50 mil pessoas diagnosticadas com a doença por mês. “Preocupa muito o diagnósticos do câncer que não foi feito nesse período. Tem muitos serviços que ainda não voltaram, então estamos falando de um mês e meio. São 75 mil diagnósticos não feitos”, informa Klock. 

Ele ainda destaca que no caso do câncer, o diagnóstico precoce é fundamental para o sucesso no tratamento da doença. “São muitos diagnósticos que estão sendo retardado que podem trazer consequências muito grandes, até para a saúde pública e a suplementar. Esse paciente vai ficar mais caro, pode não precisar de um tratamento simples, mas uma coisa maior”. Klock ainda complementa mais possíveis consequências do diagnósticos tardios: “Quando fizermos esse diagnóstico o paciente pode não ter a chance de um tratamento curativo. Então a gente pode estar deixando passar o tempo do diagnóstico no meio da pandemia e estar criando outra epidemia: a dos casos de câncer que não vão ser mais curados. Temos que ter um cuidado muito grande em cima disso”. 

De fato, essa é uma realidade que preocupa o cirurgião oncológico Alexandre Ferreira Oliveira, que é presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO). “A orientação, tanto da Sociedade Brasileira de Radioterapia quanto da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, é que o paciente não deve interromper o tratamento, a não ser que ele esteja com sintoma de Covid”, informa o médico especializado. Ele ainda explica que casos com tumores de baixo grau podem ter procedimentos adiados, mas tudo deve ser conversado com o médico que acompanha o caso. 
 
 

Mais riscos

Uma das situações mais preocupantes durante essa pandemia é a dos pacientes oncológicos. Um estudo publicado no dia 28 deste mês mostra que pacientes de câncer têm mais chances de morrer ou sofrer complicações mais graves por conta do coronavírus. O estudo foi realizado com 105 pacientes com câncer e 536 pacientes sem câncer, todos com o novo coronavírus. Segundo a pesquisa, publicada no Cancer Discovery, o risco é maior para pacientes com tumores que se espalharam pelo corpo ou com neoplasias nos pulmões e sangue. Ainda de acordo com a publicação, os pacientes oncológicos têm mais chances de precisar de tratamentos como ventilação mecânica ou internação na UTI.

Os autores do estudo levantaram que pacientes com câncer são mais vulneráveis por diversos fatores. Entre os motivos está o fato do câncer causar imunossupressão no paciente e a idade dessas pessoas também normalmente ser mais avançada. “Todo paciente com câncer, a depender do estágio e do tipo de câncer, ele é de modo geral imunodeprimido. Até por que dois terços dos casos acontece em idosos e na maioria das vezes esses pacientes já carregam uma carga de imunossupressão”, esclarece o Dr. Alexandre Ferreira. 

“O cuidado deve ser redobrado, evitar ir desnecessariamente nos hospitais ou nas clínicas, evitar consultas desnecessárias, sempre que possível lançar mão da telemedicina. Além dos cuidados que devem ter mesmo fora da epidemia”, indica o cirurgião oncológico. Os pacientes com câncer de pulmão seriam um grupo de alto risco, eles teriam mais vulnerabilidade devido aos problemas já existentes no sistema respiratório. Além disso, alguns pacientes fazem tratamentos — como a quimioterapia e as cirurgias — que podem comprometer ainda mais o sistema imunológico, ficam, também, mais vulneráveis.

A pesquisa ainda aponta que, mesmo os pacientes curados, têm riscos maiores se contraírem a doença. Por outro lado, pacientes com estágios iniciais da doença, tendem a ter resultados similares aos que não apresentam doenças oncológicas. 

Eleuza Myriam Fernandes Liuzzi é médica aposentada. Ela já superou duas vezes o câncer, uma em 2003, na mama, outra em 2012, no útero. O diagnóstico precoce foi a salvação para a médica de 72 anos. No primeiro tratamento, ela pode detectar o problema logo no princípio e fez logo a retirada das mamas, uma escolha extrema, mas que garantiu tranquilidade. “Era uma época que não era muito comum essa medida, mas fiz essa escolha”, relembra. Na segunda vez, chamou a atenção a velocidade que o tumor cresceu. “Entre o momento que fiz a biópsia e fiz a cirurgia levei 40 dias e meu tumor dobrou de tamanho”, conta. Novamente a ação rápida garantiu mais uma vitória sobre a doença. 

Desde o dia 9 de março, ela aderiu ao isolamento para se proteger dos perigos que a doença pode trazer. Apesar da distância física das filhas, ela conta com a companhia do cachorrinho Gim e a solidariedade dos vizinhos — Até para descer com o animal os estes se prontificam. “O pessoal do prédio está sendo muito solidário comigo. As pessoas se oferecem para fazer compras, por exemplo”, conta feliz. Segundo ela, teve até serenata na janela no dia 30 de março, seu aniversário. “Não saio de casa, fui vacinar, mas fui de máscara, com todo o cuidado”, conta. Ela ainda se orgulha de conseguir manter uma rotina repleta de atividades. “Não vou dizer que não fico preocupada por ser mais vulnerável, eu tenho uma imunidade mais baixa. Graças a Deus estou me sentindo muito bem. Tenho feito meditação, estou bem física e psicologicamente”, comemora. “Estou tentando fazer em casa, sem sair, o que eu fazia antes”. 

Entre as paixões está cantar, atividade que ela tem conseguido manter o contato via internet graças ao conteúdo disponibilizado. “Cantar é uma terapia, fiz amigos no coral que, nessa idade, a gente já não acha que fará”, comemora. “Não é só a música, são os relacionamentos. É um estímulo muito grande. Se eu não tivesse tido toda essa convivência anterior, não sei como estaria agora”, desabafa. 

Apesar da forma leve e otimista que Eleuza leva a situação atual, ela fica tensa em relação aos próprios exames. “Minha última avaliação geral foi em novembro. Posso passar seis meses até outra. Estou naquela, assim que liberar eu vou tentar fazer tudo que ficou adiado. Fica uma nuvem na nossa cabeça sem ter esses exames para saber como está tudo”, pondera. A médica teria uma consulta no dia 10 de março, mas, devido a uma bronquite, esta foi adiada. “Em março fui a um médico e ele me pediu muitos exames, mas tive que cancelar. Era uma avaliação geral, que já estava tendo que fazer novamente. Meu receio é passar da hora, meu foco sempre foi prevenção e é o que me salvou”, garante. “Agora, tenho feito o que dá para fazer. Tenho me cuidado, estou dormindo bem, comendo bem e feito a higienização, tudo corretinho”. 

Eleuza destaca que, como profissional da saúde, espera que dessa experiência a saúde pública saia fortalecida. “Trabalhei em hospital público e sempre lutei para que os pacientes de lá tivesse os mesmos recursos que os que buscam a rede privada. Ela também sente falta de locais especializados para tratar pacientes com câncer e outras doenças que possam comprometer o sistema imunológico. “Sinto falta de um local próprio. Soube que na Asa Norte há hospitais separando o atendimento de quem tem sintomas da Covid-19 dos demais pacientes”, pondera. Ela espera que se pense em espaços voltados para pacientes oncológicos ou com outras doenças que afetam a imunidade. 
 

Hospitais preparados 


A preocupação com o espaço hospitalar é um assunto especialmente importante nesse momento. Lauro Miquelin, CEO da L%2bM, é especialista em projeto e gestão de empreendimentos de saúde. Ele aconselha e orienta Comitês de Crise Covid-19 em instituições de saúde de várias regiões do país. Entre os cuidados que ele lista no espaço hospitalar está a segurança de convivência entre pacientes. Isso pode ser feito desde com mudanças nos processos de trabalho e nas tecnologias, até modificações nos prédios. 
 
Miquelin explica que os cuidados para o ambiente hospitalar já levavam em conta o convívio de vários pacientes com quadros diferentes. “A pandemia deixou a necessidade de preparar as organizações de saúde para este convívio mais evidente”, explica. O CEO lista, por exemplo, que os imunodeprimidos tem que ser atendidos em contextos com características específicas de processos, com equipes devidamente treinadas. “Transplante de medula óssea é um exemplo típico”, complementa. 

Saiba Mais

Ele ainda explica que hospitais com casos de Covid-19 já seguem regras. “Regras de Biossegurança já existem e para bichinhos tão terríveis quanto este SARS COV 2, descendente dos primeiros habitantes da Terra. Bem aplicadas, com equipes bem treinadas, não há nada mais a ser feito do que os padrões que já existiam”, esclarece. Ele finaliza explicando que hospitais Covid-19 free podem ser uma boa ideia, notadamente para tratamento de pacientes com câncer e outros imunodeprimidos. “Mas, pessoalmente, acho que sabemos muito pouco deste bichinho para afirmar que é possível”. E projeta que no futuro os líderes precisarão, mais do que nunca, preparar as organizações de Saúde para um novo normal. “No qual a garantir a convivência segura entre todos os tipos de pacientes continuará sendo essencial”.
 
 

Redução drástica


Segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Patologia a quantidade de exames de análises de biópsias de pacientes oncológicos operados caiu muito em relação ao mesmo período do ano passado. 

Minas Gerais

Período entre 25/3/2019 e 25/4/2019: 4.385 Análises de biópsias de pacientes oncológicos operados

Período entre 25/3/2020 e 25/4/2020: 554 Análises de biópsias de pacientes oncológicos operados

Santa Catarina e Rio Grande do Sul

Período entre 25/3/2019 e 25/4/2019: 5.064 Análises de biópsias de pacientes oncológicos operados

Período entre 25/3/2020 e 25/4/2020: 1.981 Análises de biópsias de pacientes oncológicos operados

Rio de Janeiro Hospitais do INCA

Período entre 1/3/2019 e 30/3/2019: 6.260 Análises de biópsias de pacientes oncológicos operados

Período entre 1/3/2019 e 27/3/2019: 3.695 Análises de biópsias de pacientes oncológicos operados

São Paulo (Hospital de referência da cidade de São Paulo)

Período entre 1º/1/2019 e 27/3/2019: 6.418 Análises de biópsias de pacientes oncológicos operados

Período entre 1º/1/2019 e 27/3/2019: 1.297 Análises de biópsias de pacientes oncológicos operados

São Paulo (Serviço Público/Prefeitura de São Paulo)

Período entre 1º/3/2019 e 27/3/2019: 11.347 Análises de biópsias de pacientes oncológicos operados

Período entre 1º/3/2019 e 27/3/2019: 2.984 Análises de biópsias de pacientes oncológicos operados

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