O engenheiro civil Luís Monjardim, 23 anos, costumava ver a filha todos os dias, ao buscá-la ou deixá-la na escola, apesar de a pequena Olívia, de cinco anos, ficar durante a semana sob os cuidados da mãe. A pandemia do novo coronavírus, no entanto, obrigou pai e filha a conviverem com a saudade. Com o isolamento social, ele seguiu trabalhando presencialmente e os encontros com a filha diminuíram por precaução à saúde dela.
As conversas entre os dois continuam diárias. “Conversamos todos os dias por Facetime, pelo WhatsApp”, conta. É a própria Olívia quem pega o celular da mãe e faz as ligações. “Ela me liga e eu atendo sempre. Alguns fins de semana, ela passou comigo. Outro dia, fomos ao Cine Drive In assistir a um filme”, conta Luís.
Ainda assim, é inegável que a queda do convívio pessoal faz falta. A tecnologia ajuda, claro, mas está longe de substituir abraços e beijos de verdade. “É bem complicado, não vou mentir. Até porque nós tínhamos um contato praticamente diário e o afastamento aconteceu sem termos nos preparado psicologicamente, dá uma sensação de vazio”, reconhece Luís.
Do outro lado, está a mãe da pequena Olívia. A nova rotina da publicitária Sara Magalhães, 27 anos, com a filha pequena dentro de casa, de domingo a domingo, não é fácil. “A rotina está bem bagunçada. Estamos dormindo tarde, ela está muito irritada por não poder sair, por não poder ver os amigos”, conta. Sara acaba recorrendo ao pai da filha para ficar com ela quando precisa ir ao mercado ou à farmácia.
Entre as novas condições impostas pelo distanciamento social, há a cabecinha da criança. Segundo Luís e Sara, Olívia entendeu bem as novas restrições, o que não a impediu de ficar frustrada ao saber que a festinha de aniversário, que seria no fim de março, teve de ser cancelada.
A maneira como a criança compreende o momento de separação do pai ou da mãe, por causa da pandemia, é uma das principais preocupações levantadas pela advogada Milena Brant. “Dependendo da idade do filho, ele pode não entender a restrição judicial do tempo de separação e encarar como abandono. É preciso se preocupar com a saúde emocional da criança também”, explica.
Nenhuma negociação de guarda ou convivência costuma prever o cenário de pandemia. A dinâmica de quarentena, então, provocou incertezas nos acordos entre pais separados pela guarda dos filhos. As disputas na Justiça ganharam tal proporção que os efeitos do isolamento social foram listados entre os principais pontos de preocupação para a garantia dos direitos à proteção dos menores pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Um ou outro
Para não expor a saúde da criança e do adolescente a risco, a instituição recomenda que o menor fique somente com um dos responsáveis, e as visitas e períodos de convivência sejam substituídos por contatos via telefone ou internet. Há também o mecanismo usado durante férias escolares, em que o filho fica o máximo de tempo com o pai ou a mãe, havendo menos trocas de casa. Essa é a linha que a advogada Milena Brant vem observando nas decisões judiciais em relação aos casos. “A maioria das vezes os juízes estão suspendendo as visitas por 30 dias”, pontua.
A professora Andrea Paixão, 47 anos, sempre teve a guarda dos filhos, que agora têm 18 e 16 anos. A convivência deles com o pai sempre foi livre para que se encontrassem quando quisessem. Mas, agora, Andrea precisou ir morar com a mãe, no grupo de risco, e os jovens quiseram acompanhá-la. Devido aos cuidados redobrados com a avó, os dois encontraram com o pai poucas vezes neste período.
Na primeira semana de maio, após dois meses em isolamento com a mãe, a filha mais velha decidiu ir para a casa do pai. “Eu quase morri quando soube, mas era um desejo dela, e está com ele desde então”, conta Andrea, com a voz tremula. “É horrível. Eu chorei muito, porque eu e meus filhos somos muito unidos”, completa.
Durante a quarentena, o pai ligava todos os dias para falar com os filhos. Em algumas ocasiões, as conversas ocorriam mais de uma vez no dia. Já Andrea não é adepta às tecnologias para amenizar a falta da presença física. “Eu gosto do cheiro do filho, do toque, de ficar perto. No meu caso, a chamada causa mais saudade, eu sofro mais”, explica. Para superar, a esperança de que tudo vai passar. “A gente tem de se conformar com toda essa situação, agradecer por ter lugar onde ficar, por ter saúde. É tudo meio louco, mas temos de ter fé”, ensina Andrea.
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