Correio Braziliense
postado em 31/05/2020 04:05
Quando a secretária de planejamento no governo de Rodrigo Rollemberg, Leany Lemos, saiu de Brasília para assumir pasta correspondente no Rio Grande do Sul, era impossível prever que o maior desafio na nova empreitada seria o de coordenar ações públicas durante uma pandemia. Pois é justamente pelo trabalho relacionado à covid-19 que o estado gaúcho vem se tornando referência nacional. O motivo tem nome: plano de distanciamento controlado. Colocada em prática no último dia 9, a estratégia busca maneiras de a população conviver em meio à ameaça do vírus, tendo como diretriz avaliar a estrutura de saúde e a situação da pandemia de forma regionalizada. Na última sexta-feira, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), anunciou mudanças no seu secretariado. Leany Lemos deixou a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão para assumir uma diretoria no Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, instituição criada em 1961 para fomentar o crescimento econômico na região. Ontem, ao Correio, ela disse que o plano de controle da covid-19 será mantido.Como o plano de distanciamento controlado se estrutura?
Trabalhamos com três pilares. O primeiro é a regionalização da estrutura de saúde. Cada região recebe uma cor de bandeira de alerta, baseada em 11 indicadores monitorados semanalmente (como números de casos de covid, internações, leitos clínicos e de UTI). O segundo é voltado às atividades econômicas, com análise de mais de 100 segmentos. O terceiro consiste nos protocolos de conduta de cada atividade econômica em si. Por exemplo, se lojas de roupa são reabertas, o cliente não pode experimentar as peças, além de precisar usar máscara e seguir os cuidados gerais de distanciamento.
O principal objetivo é aliar estratégias de contenção da covid-19 com a manutenção da economia?
É um plano que olha para a segurança sanitária das pessoas, mas sem o lockdown. Ele virá se houver necessidade. Mas se o estado tiver capacidade de tratar a população, vamos conseguir conviver com uma certa distância entre nós e, também, do vírus. A nossa tentativa é entender, aos poucos, que tipo de vida podemos ter ao lado de uma pandemia como essa. Não é afrouxamento, retomada ou reabertura, mas, sim, convivência para tentar ter o máximo possível de normalidade. E entendendo, claro, que não estamos vivendo um período normal. Tanto que tem uso obrigatório de máscara, disponibilidade de álcool em gel nos locais; e os ônibus são higienizados e não podem andar lotados.
Qual o diferencial desse plano para os demais no resto do Brasil?
A palavra-chave é “análise de indicadores”. Nela, o gestor monitora diariamente todos os indicadores de todas as regiões, tendo um painel para tomadas de decisão. Se, de uma semana para outra, começar a surgir um surto, conseguimos controlar. Se todos os pequenos surtos forem controlados, não teremos falta de leitos. A diferença entre a Itália e a Alemanha, por exemplo, foi a disponibilidade de respirador quando os casos dispararam. Quando não se tem o respirador, a mortalidade multiplica por 10.
Quais são os próximos desafios?
Um dos maiores problemas quando reabrimos uma atividade econômica é o transporte público, por ter muito contágio. Agora, estamos estudando a parte da educação. Se não houver grandes alterações, provavelmente, vamos poder voltar em julho, gradualmente. Mas tudo isso é estudo, ainda. Tudo está sendo feito de uma maneira muito discutida e com cautela para que possamos conviver com a pandemia porque ela não acaba em um mês, mesmo que a curva se achate. Olhe o que está acontecendo na China, Itália, França, que estão dois meses na nossa frente. Se abrir tudo, a pandemia volta. Então, é uma convivência mesmo.
Há exemplos de outros países que aplicaram esse mesmo método?
A França adotou um sistema de bandeiras há poucas semanas, com três níveis, mas bem parecido com o modelo de capacidade de propagação. Alguns estados dos Estados Unidos, como o Texas, também estão fazendo. Tem algumas iniciativas semelhantes no mundo, mas a do Rio Grande do Sul é única no Brasil. Sei que Minas Gerais também estava em um processo bem adiantado de análise de setorização econômica e de indicadores para gerar protocolos em relação à pandemia.
Outros estados já demonstraram interesse pelo plano de distanciamento controlado?
Colocamos o modelo de pé rapidamente e, de repente, outros estados vieram conversar conosco. Já tivemos reunião com mais de sete estados, que estão estudando como podem adaptar esse sistema. São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Espírito Santo. Há estados que pediram o material, como Ceará, Pernambuco, Paraná e Santa Catarina. O Banco Mundial está querendo levar para outros países. Não é que eles vão copiar, mas o mundo todo está antenado para ver o que está funcionando e como adaptar as medidas com resultados positivos para a própria região. Estão todos aprendendo, porque é algo muito diferente.
A senhora estava em Brasília quando as aulas foram suspensas no DF, em 12 de março. O que achou dessa medida na ocasião?
Uma ação rápida como a tomada em Brasília é muito importante para conter o contágio. Foi uma medida muito acertada, como foi aqui em Porto Alegre, também. E foi graças a ela que tivemos tempo para desenvolver esse modelo de plano de controle. O DF estava numa curva de disseminação muito acelerada. Se não tivesse fechado e feito o controle, poderia estar, hoje, bem diferente. Para mim, sempre que um estado ou município tiver surto da covid-19, tem de tomar medidas mais drásticas para poder frear.
Como avalia a postura do governo federal diante da pandemia?
A responsabilidade de combate à pandemia é de todos. É compartilhada pelas três representações da federação: da Presidência da República, inclusive por meio do Ministério da Saúde e da Economia, dos estados e dos municípios.Ninguém pode empurrar para ninguém.
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