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Covid gera colapso no RN: "ela vai entrar aqui para morrer", diz médica

As frases foram ditas por uma médica na porta de entrada da Urgência e Emergência do Hospital Municipal Belarmina Monte, em São Gonçalo do Amarante, na Grande Natal

Correio Braziliense
postado em 04/06/2020 11:30
As frases foram ditas por uma médica na porta de entrada da Urgência e Emergência do Hospital Municipal Belarmina Monte, em São Gonçalo do Amarante, na Grande Natal"Não tenho o que fazer. Ela vai entrar aqui para morrer". As frases ditas por uma médica na porta de entrada da Urgência e Emergência do Hospital Municipal Belarmina Monte, em São Gonçalo do Amarante, na Grande Natal, comprovam a situação dramática dos pacientes graves com suspeita ou confirmação de coronavírus no Rio Grande do Norte. A ocupação dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para os casos grave da infecção está em 95% na Região Metropolitana de Natal, composta por 15 municípios e quase 1,7 milhão de habitantes.

Febre alta, dificuldade para respirar e a agudização do diabetes fizeram a família da aposentada Iraci Fonseca Salviano, de 84 anos, acionarem o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) no início da manhã de quarta-feira, 3, em São Gonçalo do Amarante, cidade vizinha a capital. Com todos os sintomas de covid-19, a idosa foi socorrida pelo Samu e levada a uma outra cidade, Macaíba, onde fica a Base de Apoio do Samu Metropolitano, para que ela fosse colocada numa Unidade de Suporte Avançado (USA), que é uma ambulância com os equipamentos para pacientes em estado grave, incluindo respirador mecânico.

Após a troca de ambulância, a idosa precisou ser entubada, ainda na Base de Apoio do Samu, em decorrência do agravamento do quadro clínico. Estabilizada, a equipe de socorristas iniciou a viagem de volta ao município de São Gonçalo do Amarante, com destino ao Hospital Municipal Belarmina Monte. Foi lá que o drama da família Fonseca Salviano se tornou uma via crucis. Ao chegarem ao local, os familiares se depararam com uma unidade hospitalar lotada. O acesso da idosa foi negado por uma médica plantonista.

"Não tenho onde colocar. Leve para o Giselda (Hospital Giselda Trigueiro), leve para uma UPA. O que eu vou fazer, pelo amor de Deus? A senhora quer subir para ver? Ela vai entrar aqui para morrer. Não tenho o que fazer. Eu não posso receber", repetia a médica plantonista aos socorristas do Samu e aos filhos da idosa entubada e que esperava há quase cinco horas por internação.

Em um vídeo gravado por Luciana Fonseca, filha de Iraci Fonseca Salviano, é possível ver a médica no estacionamento do hospital, com a porta da ambulância aberta, enfermeiros e médicos paramentados e tentando convencê-la de que a internação era necessária e urgente. A médica dizia, porém, que não havia espaço e chamou Luciana Fonseca para entrar no hospital e visualizar a situação dos leitos de enfermaria e UTIs, lotados. A médica que fez as declarações não foi localizada para comentar o caso.

"Onde eu vou colocar sua mãe? É um desespero para nós. Não é má vontade. A gente não tem onde botar", disse a médica após mostrar os ambientes lotados à filha da idosa. Desesperada, Luciana Fonseca ameaçou chamar a Polícia, o Conselho Regional de Medicina e o Ministério Público para intermediar a situação. "Foi somente depois de afirmar que chamaria esses órgãos, que a assistente social do hospital disse que conseguiria um leito, mas que não seria de UTI", afirma Luciana Fonseca.

Após quase seis horas de espera, a paciente deu entrada no hospital e foi colocada numa ala destinada aos pacientes suspeitos e confirmados para a covid-19. Aliviada por ter conseguido internar a mãe, Luciana disse que voltou para casa com um misto de sentimentos. "Alívio pela internação, mas uma angústia por não ter mais notícias. A gente se sente impotente", relata.

Luciana suspeita que a mãe tenha sido infectada pelo novo coronavírus dentro da própria casa. "Eu testei positivo para a doença. Recebi meu resultado ontem e deu positivo. Eu cuido dela todos os dias. Ela pode ter pego de mim", lamenta.

O município de São Gonçalo do Amarante, um dos maiores da Grande Natal e onde está localizado o Aeroporto Internacional Governador Aluízio Alves, não dispõe de uma Unidade de Pronto Atendimento. O Hospital Municipal Belarmina Monte é administrado uma instituição filantrópica e, nos últimos dias, recebeu reforço de nove leitos.

Em nota, a assessoria de imprensa da Prefeitura Municipal de São Gonçalo do Amarante informou que o hospital está com 12 pacientes internados na ala destinada aos casos de covid-19. A unidade conta com quatro respiradores mecânicos. Sobre a paciente que teve o atendimento inicialmente negado, a assessoria detalhou que ela está "estável, entubada, com ventilador mecânico" e que fará o teste para a covid-19 nas próximas horas.

A Prefeitura destacou que foram "foram contratados mais 25 médicos para as UBS, na atenção básica, para que o paciente seja atendido e acompanhado na comunidade e não vá para o hospital". No município, deverá ser montado um Hospital de Campanha com capacidade para 50 leitos, sendo 20 de UTI.
 
 

Ocupação de leitos


O Rio Grande do Norte tem 219 leitos, entre clínicos e de UTI, específicos para a covid-19. Destes, 170 estão ocupados, 32 bloqueados e 17 disponíveis. O índice de ocupação é crítico na região oeste do estado, com 100%, e na Grande Natal, com 95%.

Nessas duas regiões, se concentram os epicentros da doença (Mossoró, com 1.238 casos confirmados e 62 óbitos; e Natal, com 3.496 casos confirmados e 126 mortes por covid-19). Em todo o Estado existem 515 pessoas internadas divididas entre os hospitais públicos e privados. Até quarta-feira, 3, foram registradas 367 mortes pela doença.

Na terça-feira, 2, o secretário de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte, Cipriano Maia, disse que a situação da rede de assistência pública local para o novo coronavírus está "à beira de um colapso".

Saiba Mais

"Estamos numa situação extremamente crítica. Eu não diria ainda colapso, porque os pacientes estão conseguindo ser atendidos em algum serviço. Mas podemos dizer que estamos, realmente, à beira do colapso se não contivermos a taxa de transmissão, se continuarmos com a expansão do contágio e, consequentemente, o aumento do número de pacientes graves que irão demandar mais leitos. Essa abertura de leitos é limitada. Ela tem muitas restrições tanto no setor público, quanto no setor privado. Realmente, estamos numa situação limite", declarou Cipriano Maia.

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