Brasil

''Peço que todos me ajudem a fazer justiça'', diz mãe do menino Miguel

Em entrevista, Mirtes fala sobre como se sente há quase uma semana do ocorrido, seus próximos passos e sentimentos contraditórios

Correio Braziliense
postado em 08/06/2020 11:08

Há pouco menos de uma semana, a dor de uma mãe tornou-se motivo de comoção nacional. No último dia 2 de junho, a empregada doméstica Mirtes Renata Santana de Souza perdeu o filho Miguel, 5, depois que o garoto caiu do nono andar de um prédio de luxo do centro do Recife.

Alguns dias depois, a imprensa divulgou um vídeo onde a patroa de Mirtes, a primeira-dama do município de Tamandaré, Sari Gaspar Côrte Real, apertava um botão da parte de cima do painel do elevador onde a criança estava. A porta se fechou com o menino sozinho no local e todo o país sofreu com o desenlace deste ato.

Desde então, a mãe de Miguel vem tentando suplantar a necessidade da luta por justiça à dor. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, Mirtes fala sobre como se sente há quase uma semana do ocorrido, seus próximos passos e sentimentos contraditórios: em relação às manifestações para justiça por Miguel e à carta de perdão enviada pela ex-patroa.

Como você está agora, Mirtes?

 

Não vou dizer que estou bem. Estou levando a vida. Hoje, amanheci um pouquinho melhor e vou tentar dormir. Desde a morte de Miguel, não tive sequer uma noite de sono decente. Nem durmo mais no quarto que dividia com ele e sim no sofá. Morávamos só nós três (eu, Miguel e minha mãe). Hoje, minhas irmãs por parte de pai chegam para ficar conosco. Alguns amigos que estudaram comigo em Moreno e uma tia de São Lourenço também. Vai ser bom receber uma palavra de conforto, um abraço. Estou precisando disso. Não está sendo fácil olhar para os cantos dessa casa e não ver meu filho correndo, pegando seu patinete.

 

O que achou da carta enviada, por meio da imprensa, pela sua antiga patroa? 

 

Sendo sincera, não achei nada. Não senti nada com relação àquela carta. Ela não tem que me pedir perdão, e sim a Deus. As imagens mostram tudo o que aconteceu, não tem o que esclarecer. Não há justificativa alguma.

 

Como você teve acesso ao vídeo onde ela aparece?

 

No dia da morte, não assisti televisão. Não estava sabendo de nada. No velório, abracei a ela e seu marido. Quando cheguei em casa, depois de deitar, vi que tinham me enviado o vídeo e fiquei extremamente chocada. Minha reação, na hora, foi ligar para ela pelo Whatsapp e perguntar por que ela deixou meu filho no elevador e porque acionou a cobertura. Ela só respondia que não apertou o botão. Comecei a chorar, fiquei muito mal e desliguei o telefone. Depois disso, ela me bloqueou, a mim e minha mãe, e excluiu suas redes sociais. O que sei é que mesmo que ela não tivesse apertado aquele botão, o deixou sozinho, expôs a vários perigos. Ele poderia ter descido as escadas e caído, poderia ter sido abordado ou levado por um desconhecido, etc..

 

Qual o andar em que seus patrões moram e porque acha que Miguel apertou o nono andar?

 

Eles moram no quinto andar e Miguel nunca tinha ido além disso. Não sei porque, então. Uma coisa que não entendo é como ele subiu na janela porque ela é alta. Quando as pessoas iam fazer manutenção, inclusive, usavam escada porque não conseguem subir na janela. Acredito que possa ter havido algum banco, que o ajudou a subir e que foi retirado antes de a polícia chegar. Quero que isso também seja esclarecido.

 

Como a questão está sendo conduzida por você, juridicamente? Já tem advogados?

 

Estou trabalhando com dois advogados e já avisei que estou confiando o caso do meu filho a eles. Que esta é uma briga de “peixe grande” e que quem tem culpa deve pagar pelo erro. A justiça não vai trazer meu filho de volta, mas, pelo menos, ela pagará. Se fosse o contrário, certamente eu estaria respondendo por crime doloso.

 

Você e sua mãe não estão mais trabalhando.. Como está a sua situação financeira, no momento?

 

Me virando com o pouco que tenho. Algumas contas estão atrasadas, mas estou me virando. Tenho minha feirinha, um trocadinho com o qual consigo comprar as coisas de primeira necessidade. Meu grupo de corredores, os coiotes, fizeram uma cotinha para me ajudar. Insistiram muito e eu aceitei. Teve, ainda, a questão da vaquinha virtual feita por uma pessoa desconhecida, de Portugal, e ainda estou resolvendo como fazer. Eu não quero ganhar nada com relação à morte do meu filho, mas ele, o organizador, também não pode ficar com este dinheiro. Pretendo direcionar para alguma instituição, orfanato ou asilo, mas estou resolvendo porque preciso solucionar minhas questões financeiras, com o banco. Peço, entretanto, que ninguém mais crie nada assim. A única coisa que quero é que as pessoas orem por mim e minha mãe para que eu tenha forças para lutar. Se a gente se calar, isto vai cair no esquecimento. Se existe lei, tem que ser para todos. Eu, como brasileira, exijo que isto se faça valer.


Você sabia que seu nome estava na folha de pagamento da Prefeitura de Tamandaré?

 

Sim, eu sabia, mas não imaginava que seria errado, até porque outros funcionários que trabalham na casa também estão, incluindo a menina que trabalha na casa de Tamandaré. Não imaginei que fosse algo errado, apenas queria trabalhar, meu trabalho digno e suado, como fiz, receber meu salário e sustentar Miguel.

 

Qual seu sentimento em relação às recentes manifestações de justiça por Miguel?

 

Uma moça que mora lá no prédio filmou tudo desde o começo e me mandou. Me emocionei, chorei aqui em casa. Achei lindo, principalmente porque não houve violência. Quando me falaram que fariam, só pedi que fosse algo pacífico, que as pessoas usassem máscaras e respeitassem o distanciamento social. Na próxima sexta-feira (12), à tarde, ainda não sei o horário exato, haverá uma vigília por Miguel… acredito que na frente do prédio. Achei linda também a grafitagem que o artista Léo Gospel fez nos galpões no Cais, em frente ao prédio. Fiquei muito emocionada. Eu autorizo qualquer tipo de manifestação desde que seja na paz, sem brigas e com o respeito aos cuidados para ninguém se contaminar com a Covid.


Sobre Covid, você, sua mãe e Miguel tiveram a doença. Você, entretanto, continuou trabalhando. Por quê?

 

Foi em abril. Fiquei no apartamento deles por opção minha. Meu filho e minha mãe estavam em Tamandaré, então achei melhor não ficar sozinha em casa. No meu caso, não foi tão leve. Senti muita dor no corpo, disenteria, não me alimentava, perdi olfato, paladar. Então, fiquei lá para ter um melhor acompanhamento médico, medicações. E quanto a isto, tive tudo, por conta deles.

 

O que você teria a dizer sobre a repercussão do caso na imprensa?

 

Eu gostaria de agradecer tudo o que a imprensa está fazendo por mim. Estou com problemas no celular e nem sempre consigo responder como gostaria. No dia em que meu filho morreu, a encomenda que fui pegar com o porteiro quando voltei do passeio com a cadela era um celular novo que Sari tinha comprado para mim. Ficou lá, no apartamento. É dela agora. Então, gostaria de agradecer muito a atenção de todos e pedir que me ajudem a fazer justiça.

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