Brasil

STF manda governo retomar atualização da covid-19; entenda a polêmica

Ministro Alexandre de Moraes determina que o Ministério da Saúde volte a informar os dados acumulados da pandemia. A pasta havia anunciado lançamento de plataforma com metodologia que separa número de mortes em 24h da quantidade de registros feitos no dia

Correio Braziliense
postado em 09/06/2020 06:00
Grupo de artistas fez um ato no Complexo Cultural de Brasília: protesto em memória às vítimas da covid-19Com a promessa de lançar, ainda hoje, uma plataforma interativa para expor os números do novo coronavírus no Brasil, o Ministério da Saúde recuou em algumas restrições tomadas na última semana. A pasta anunciou, à tarde, em coletiva, que voltaria a informar os números totais de casos e óbitos pela covid-19, omitidos nos balanços diários pelo governo desde sexta-feira. Os últimos registros indicam que o Brasil tem, hoje, 37.134 mortes e 707.412 infectados com a doença. A manobra do ministério, no entanto, durou pouco. No fim da noite de ontem, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a pasta retomasse a divulgação dos acumulados no portal oficial. 

A liminar concedida por Moraes atende a ação apresentada pelos partidos Rede Sustentabilidade, PSol e PCdoB contra a “manipulação estatística do governo Bolsonaro”, diz o texto. “A retenção dessas importantíssimas informações inviabiliza o acompanhamento do avanço da covid-19 no Brasil, além de atrasar a correta implementação de política pública sanitária de controle e prevenção da doença”, argumenta a ação. Na decisão, o ministro deu prazo de 48 horas para que a Advocacia Geral da União (AGU) prestasse as informações “que entender necessárias”. 

Também, ontem, o Ministério da Saúde informou que pretende atualizar o boletim diário às 18h. “Se nós conseguirmos resolver os problemas de ordem técnica, a gente consegue receber todos os dados, conforme o combinado, até as 16h de Brasília, e divulgar os dados até as 18h”, informou o secretário-executivo, Élcio Franco. Segundo ele, a decisão foi pactuada com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Desde a última quarta-feira (3), o boletim tem sido reportado por volta das 22h por orientação do presidente Jair Bolsonaro, estratégia para atrapalhar a rotina dos noticiários, como revelou o Correio

 
A principal mudança do novo modelo é a contagem de casos e mortes por data de ocorrência. Até o momento, a pasta divulga os registros inseridos no sistema nas últimas 24 horas, independentemente de quando ocorreram. “Em um primeiro momento, a gente vinha trabalhando com a data de notificação, mas ela prejudica a análise. Nossa intenção é trabalharmos com a data de ocorrência da morte. À medida que a gente conseguir estabelecer o sistema com os dados de estados e municípios, vamos conseguir verificar a curva com a sua evolução real”, ressaltou Franco. 

O diretor do Departamento de Análise de Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis, Eduardo Macário, garantiu que os dados de mortes que ocorreram em dias anteriores, mas que forem confirmados daqui para frente, estarão disponíveis para o público. O ministério ainda afirmou que os usuários da nova plataforma conseguirão visualizar quantas mortes foram notificadas no dia e a que data se refere cada óbito.

Segundo Franco, a mudança é uma tentativa de melhoria na forma de comunicação e, com isso, a pasta busca a integração e concentração das informações para tornar mais “amigável” o acesso dos gestores e profissionais de saúde e da população aos dados. “Nós temos a intenção de que a plataforma seja liberada amanhã [hoje], a menos que haja algum problema técnico que nos impeça de operacionalizar”, disse. Segundo o secretário, não há intenção, por parte do Ministério da Saúde, em recontar o número de casos e mortes. 
 
Confusão 
A sequência de desinformações foi definida como “confusão” pelo diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), Michael Ryan. Para ele, a divulgação de dados coerentes e transparentes por parte do governo brasileiro é uma premissa necessária para o enfrentamento ao novo coronavírus no Brasil. “Confiamos que qualquer confusão atual possa ser resolvida e que o governo brasileiro e os estados possam continuar proporcionando dados de forma coerente, transparente para seus próprios cidadãos para que essa pandemia possa chegar ao fim o mais cedo possível”, disse, ontem, em coletiva. 

Para o coordenador de Pesquisa da Transparência Internacional Brasil, Guilherme France, o posicionamento do governo federal “coloca, mais uma vez, em xeque a credibilidade do Brasil perante a comunidade internacional.”

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que a comissão mista do Congresso criada para acompanhar a crise do novo coronavírus usará os dados fornecidos diretamente pelas secretarias. “É urgente resgatar a credibilidade das estatísticas. Um ministério que tortura números cria um mundo paralelo para não enfrentar a realidade dos fatos”, criticou, ainda, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
 
Pressão do Congresso
 A Câmara vota, hoje, requerimento de urgência para um projeto de lei que torna ainda mais transparente a divulgação dos dados relacionados à pandemia do novo coronavírus. O PL 1622/20 é de abril, mas ganha destaque no momento em que o governo tenta criar uma guerra de dados com os números da pandemia. Se o texto for aprovado, gestores públicos e privados deverão registrar os casos da covid-19 no Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (Cieves). Assim, o Ministério da Saúde não poderá mais optar sobre o que publicar. A tendência é que parlamentares aprovem o requerimento e passem o PL na frente de outras matérias. O projeto é de autoria da deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), relatora da comissão externa que acompanha as ações de combate ao coronavírus e presidente da Subcomissão de Saúde. (Luiz Calcagno)

Entenda a polêmica sobre a atualização da covid-19 no país

ATRASO PARA DIVULGAR DADOS


GOVERNO
Após o presidente Jair Bolsonaro afirmar que os dados da covid-19 seriam divulgados mais tarde — "Acabou matéria do Jornal Nacional" —, o Ministério da Saúde anuncia que a atualização precisa "passar por processo (de análise) completo." 

ESPECIALISTAS E AUTORIDADES CONTRÁRIOS
Gilmar Mendes, ministro do STF, critica as novas restrições impostas pelo governo: "Na pandemia, a divulgação de dados oficiais envolve, além do dever de prestar contas, uma questão de saúde pública." 

OMISSÃO DO MONTANTE DE CASOS E MORTES

 
GOVERNO
Segundo o Ministério da Saúde, "Na divulgação, puramente, do acúmulo de casos, como vinha sendo feito até o momento, é muito difícil verificar as mudanças dos cenários regionais, estaduais e municipais. O dado acumulado pode indicar uma grande quantidade de casos em localidades que já estão em outra fase da curva epidemiológica. Observa-se que grande parcela das capitais e regiões metropolitanas que foram mais impactadas já está na descendente da curva de percentual de ocupação de UTIs e óbitos por covid-19." 

ESPECIALISTAS E AUTORIDADES CONTRÁRIOS
Guilherme France, coordenador de Pesquisa da Transparência Internacional Brasil, critica a manobra do governo: "Ao omitir dados e atrasar, por motivos políticos, a publicação de informações fundamentais para o planejamento de ações de enfrentamento à covid-19, o presidente coloca em risco a vida de milhares de brasileiros. Vai também contra o princípio básico da transparência, consumado na Lei de Acesso à Informação, e contra uma série de decisões do STF que exige que este tipo de decisão seja tomada em função de critérios técnicos e científicos." 

RETIRADA DO SITE DO AR E OCULTAÇÃO DE DADOS ANTES DISPONÍVEIS


GOVERNO
Ministério da Saúde alega que busca dar mais clareza aos dados: "A proposta é realizar readequações para proporcionar uma informação sobre o cenário atual com uma abordagem técnica, porém mais simples, e de fácil entendimento e acesso à população em geral. Uma nova plataforma interativa será lançada nesta semana." 

ESPECIALISTAS E AUTORIDADES CONTRÁRIOS
Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, rebate a nova política: "Parece que o que estão querendo fazer é uma grande cirurgia nos números. Isso causará um enorme problema para o abastecimento da rede de saúde, um problema de notificação compulsória da doença, um enorme problema de planejamento de ações que são necessárias e são baseadas nos números."

RECONTAGEM DE MORTOS

 
GOVERNO
O empresário Carlos Wizard, convidado para comandar a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos da pasta, põe em dúvida os dados oficiais: "Temos uma equipe de inteligência no ministério. Essa equipe encontrou indícios de que alguns municípios e estados estão inflacionando os dados para receber benefícios federais, isso é lamentável." No domingo, Wizard saiu do governo.

ESPECIALISTAS E AUTORIDADES CONTRÁRIOS
Alberto Beltrame, presidente do Conass, rebateu as declarações de Wizard: "Além de revelar sua profunda ignorância sobre o tema, [Carlos Wizard] insulta a memória de todas aquelas vítimas indefesas desta terrível pandemia e suas famílias. A tentativa autoritária, insensível, desumana e antiética de dar invisibilidade aos mortos pela covid-19 não prosperará".

AMEAÇA DE ROMPIMENTO COM OMS

 
GOVERNO
Em mais um ataque à OMS e à ciência, Jair Bolsonaro promete seguir os passos de Trump: "Os Estados Unidos saíram. A gente estuda, no futuro: ou a OMS trabalha sem ideologia ou nós vamos estar fora também. Não precisamos de gente lá de fora dando palpite na saúde aqui dentro." 

ESPECIALISTAS E AUTORIDADES CONTRÁRIOS
Michael Ryan, diretor executivo da OMS, diz confiar na ciência e na medicina brasileira: “Continuaremos apoiando os brasileiros na luta contra a covid-19. Ao mesmo tempo, é muito importante (a transmissão de) mensagens transparentes, a partir de informações coerentes, para que possamos confiar nos nossos parceiros.”  

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