O maior concerto da história centenária da Seleção Brasileira completa, hoje, 50 anos, mas tem raízes numa derrota que fará 70 anos no mês que vem. A conquista do tricampeonato mundial na Copa do México, em 21 de junho de 1970, na aula de futebol arte contra a Itália, no Azteca, começou duas décadas antes, em 16 de julho de 1950 — na segunda maior tragédia do futebol brasileiro. “1950 marcou o início de todas as nossas conquistas”, define um senhor de 88 anos, Mário Jorge Lobo Zagallo, no livro Dossiê 50, de Geneton Moraes Neto.
Todas. Principalmente, a de 1970. Maestro de Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Gérson; Jairzinho, Rivellino, Pelé e Tostão na goleada por 4 x 1 sobre a Itália, Zagallo era um soldado de 19 anos em serviço, no Maracanã, na derrota do Brasil para o Uruguai, por 2 x 1, na decisão da Copa de 1950. A 756km dali, uma criança chamada Edson Arantes do Nascimento sofria — e chorava — o vice ao pé do rádio do pai, seu Dondinho.
“Eu também, com apenas 10 anos, participei daquela imensa tristeza”, revelou Pelé, em 1971 numa entrevista a Orlando Duarte na revista Placar. “Esse 16 de julho eu não esqueço mais. Foi uma tristeza tão grande, tão profunda, que parecia ser o final de uma guerra, com o Brasil perdedor e muita gente morta”, comparou, à época, o homem que havia virado Rei e curado o trauma de 1950 com três títulos mundiais — 1958, 1962 e 1970 — em quatro Copas.
Mal sabia Pelé, no dia do Maracanazo, que as três conquistas teriam a parceria de um alagoano arretado nascido em Atalaia. Primeiro como jogador. Depois, técnico. Zagallo tinha 19 anos na final da Copa de 1950. Era um soldado que servia no quartel da Polícia do Exército (PE), na rua Barão de Mesquista, na Tijuca, pertinho do recém-inaugurado Maracanã. Jogava pelo time juvenil do Flamengo, mas, naquele dia, foi convocado para uma missão militar: fazer a segurança da arquibancada. O público oficial divulgado pela Fifa foi 199.854 pagantes.
“Vi o Maracanã em lágrimas pela primeira vez. A alegria que contagiou a todos nos jogos anteriores e no primeiro tempo do Brasil x Uruguai desapareceu. Quando o Brasil sofreu o gol de Ghiggia, baixou um desânimo, baixou um silêncio sobre o estádio. O Maracanã transformou-se, então, no maior túmulo do mundo. A arquibancada do Maracanã estava superlotada. Fiquei o tempo todo de pé, de frente para o campo, porque era minha obrigação. Vi o jogo inteiro. Fui escalado de propósito para aquela missão”, testemunha.
Oito anos depois, a criança de 10 anos, que testemunhou o Maracanazo nas ondas do rádio do pai, e o soldado da PE na derrota para o Uruguai, brindavam o país com o primeiro título da Copa do Mundo, em 1958, na Suécia; e o bi, no Chile. Mas os deuses da bola reservavam mais.
Vinte anos se passaram na vida de Zagallo do plantão, no Maracanazo, ao triunfo por 4 x 1 sobre a Itália na final de 1970, no México. Jogou no América-RJ, Flamengo, Botafogo e serviu à Seleção Brasileira. Pendurou as chuteiras e escolheu ser treinador. Começou no Botafogo, em 1966. Os títulos cariocas de 1967 e 1968, a conquista da Taça Brasil de 1968 e a queda de João Saldanha três meses antes da Copa do México encurtaram o caminho de volta à Amarelinha.
E lá estavam juntos novamente Mário Jorge Lobo Zagallo e Edson Arantes do Nascimento, em 21 de junho de 1970, no Azteca, no papel de protagonistas da maior aquarela do Brasil. A criança que ouvira a maior derrota nas ondas do rádio já era o Rei Pelé. Iniciou o Mundial com impressionantes 1.026 gols na carreira. Saiu dela com 1.029. Movido pelo sentimento de amor pelo Brasil e de vingança com a derrota de 1950, o ex-soldado Zagallo tornava-se, aos 38 anos, o primeiro homem a conquistar a Copa como jogador (1958 e 1962) e técnico — feito igualado pelo alemão Franz Beckenbauer (1974 e 1990) e pelo francês Didier Deschamps (1998 e 2018). Curiosamente, eliminou o Uruguai na semifinal de 1970 com virada épica, por 3 x 1. A história ainda reservaria ao Velho Lobo o quarto título, como coordenador-técnico, em 1994.
“Jamais poderia imaginar que, hoje, eu, que estava na final de 1950 fazendo policiamento na arquibancada, poderia estar aqui dando esta entrevista como tetracampeão do mundo! São coisas que jamais poderiam passar pela minha cabeça quando eu estava ali, na torcida pela Seleção no Maracanã, em início de carreira como jogador de futebol. Eu nem sabia se minha carreira daria certo ou não”, emociona-se Zagallo. Deu muito certo, Velho Lobo.
Os quase gols que Pelé lamenta
O Rei do Futebol despediu-se da Copa do Mundo, em 1970, com 12 gols e três títulos em quatro participações no torneio. Fez três em solo mexicano, um deles a plástica cabeçada que abriu o placar na goleada por 4 x 1 sobre a Itália. Três lances que poderiam terminar no fundo da rede são lamentados até hoje: o chute do meio de campo contra a Tchecoslováquia, uma finalização de cabeça no duelo com a Inglaterra e o drible de corpo no goleiro do Uruguai.O camisa 10 conta na autobiografia Pelé, minha vida em imagens, que trocaria o final feliz de qualquer um dos lances diante dos goleiros Ivo Viktor, Gordon Banks e Mazurkiewicz pela realização de um sonho frustrado.
“Passada a euforia (pela conquista do tri), estaria encerrando minha carreira em Copas do Mundo com algum tipo de lamento? Bem, havia, sim, uma coisinha. Eu gostaria de ter feito um gol de bicicleta. Marquei alguns pelo Santos, outros, mais tarde, pelo Cosmos, mas nenhum em Copa. Fiz gols de tudo de todos os outros jeitos — de cabeça, de perna direita, de perna esquerda, de tiro livre, mas nenhum de bicicleta”, reclama o melhor de todos os tempos.
Surpreendentemente, Pelé conclui, assim: “É engraçado, mas os gols que perdi em 1970 são mais lembrados do que os que marquei: o chute do meio de campo, a defesa de Gordon Banks, o drible de corpo num outro goleiro. De minha parte, preferia não ter marcado nenhum desses, mas, sim, um de bicicleta. É uma coisa pessoal, sem nenhuma importância, na verdade, mas é o que sinto”. (MPL)
Resenhas do Tri
» Serviço secreto
A polícia mexicana tinha informações de que Pelé era alvo de um sequestro, e chegou até mesmo a prender uma pessoa, um venezuelano, que seria o cabeça do plano. Hospedados em Guadalajara, Brasil, Inglaterra, Tchecoslováquia e Romênia passaram a ser mais vigiados.
» Prancheta
A melhor Seleção de todos os tempos só gerou dois treinadores vencedores: o capitão Carlos Alberto Torres era o técnico do Flamengo na conquista do título brasileiro de 1983 contra o Santos. Reserva de Félix e Ado, o goleiro Émerson Leão levou o Santos ao título de 2002.
» Opinião
Dois tricampeões continuam brilhando em outras funções. Tostão é um dos principais colunistas de futebol do país. Paulo César Caju também tem opiniões fortes na mídia esportiva. Gérson, o Canhotinha de Ouro, é um dos comentaristas mais queridos da rádio Tupi.
» Fé
Pelé comandava o momento de fé na concentração. “Orávamos todo dia durante o torneio, normalmente após o jantar. “Começamos eu, Rogério, Carlos Alberto Torres e o administrador da Seleção, Antônio do Passo. Tostão, Piazza e Mario Américo juntaram-se depois a nós.”
» Dadá no DF
Reserva do ataque da seleção tricampeã mundial no México, o centroavante Dario José dos Santos, o Dadá Maravilha, é o único herói da conquista da Copa de 1970 que trabalhou em times do Distrito Federal. Comandou o Brasília e o extinto Tiradentes.
“Pude testemunhar a choradeira geral. Todo mundo saindo do Maracanã de cabeça baixa, sem acreditar no que estava acontecendo. De qualquer maneira, prefiro ver o lado bom: 1950 marcou o início de todas as nossas conquistas”
Zagallo, o soldado na final da Copa de 1950 que virou técnico do tri
“É engraçado, mas os gols que perdi em 1970 são mais lembrados do que os que marquei: o chute do meio de campo, a defesa de Gordon Banks, o drible de corpo num outro goleiro. De minha parte, preferia não ter marcado nenhum desses, mas, sim, um de bicicleta. É uma coisa pessoal, sem nenhuma importância, na verdade, mas é o que sinto”
Pelé, autor de 12 gols na história das Copas
“Temos muito orgulho dessa Seleção pelo legado que deixou e pela admiração que conquistou no mundo todo. Foi um time fantástico. O talento dessa equipe brilhante gerou algumas das imagens mais icônicas da nossa Seleção. São os eternos embaixadores”
Rogério Caboclo, presidente da CBF
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