A política ambiental do Brasil está afastando investimentos internacionais a ponto de um grupo de 29 investidores da Europa, Estados Unidos e Ásia, que controla mais de US$ 3,6 trilhões em gestão de ativos, enviar uma carta às embaixadas do Brasil nos Estados Unidos, Reino Unido, Holanda, França, Noruega e Suécia, solicitando reuniões com os diplomatas brasileiros. No documento, mostram “profunda preocupação com o avanço do desmatamento e com o crescente enfraquecimento das políticas ambientais, de direitos humanos e esvaziamento dos órgãos de fiscalização”, o que tem “criado incerteza generalizada sobre investir ou fornecer serviços financeiros ao Brasil”. Também lamentam as declarações recentes do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que aproveitaria a pandemia para “passar a boiada”.
O grupo é liderado pela norueguesa Storebrand, e conta com o apoio de fundos como o Legal and General Investment Management (LGIM), do Reino Unido; a Sumitomo Mitsui Trust Asset Management, do Japão; e o NN Investment Partners, dos Países Baixos. “Como instituições financeiras, que têm o dever fiduciário de agir no melhor interesse de nossos clientes a longo prazo, reconhecemos o papel crucial que as florestas tropicais desempenham no combate às mudanças climáticas, na proteção da biodiversidade e no fornecimento de serviços ecossistêmicos”, afirmam, no documento.
Para os investidores, o Brasil tem um papel histórico de liderança no combate ao desmatamento, ao mesmo tempo em que oferece condições favoráveis para negócios e investimentos. “No entanto, como instituições financeiras, vemos o desmatamento e os seus impactos sobre a biodiversidade e as mudanças climáticas como riscos sistêmicos para nossas carteiras”.
Os 29 signatários também se mostraram preocupados com a Medida Provisória 910 (recentemente alterada para PL 2633/2020), que foi submetida a votação no congresso e que legalizaria a ocupação de terras públicas, principalmente concentradas na Amazônia. “Caso a medida seja aprovada, incentivará a ocupação ilegal de terras públicas e o desmatamento generalizado, que colocariam em risco a sobrevivência da Amazônia e o cumprimento das metas do Acordo de Paris, prejudicando também os direitos das comunidades indígenas e tradicionais”, alertam.
“Declarações recentes do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, usando a crise causada pela pandemia para promover a desregulamentação ambiental e os projetos de lei, visando legalizar a ocupação de terras e florestas públicas, abrir os territórios dos povos indígenas para mineração e enfraquecer o sistema de licenciamento ambiental são apenas algumas das ameaças que temos observado em relação às políticas ambientais e aos direitos humanos no Brasil”, pontuam.
Os investidores ainda alertaram para o impacto financeiro do desmatamento, com potenciais riscos de reputação, operacionais e regulatórios de seus clientes. “Estamos preocupados com a dificuldade das empresas e cadeias de suprimentos no Brasil em acessar os mercados internacionais. Também é provável que os títulos públicos brasileiros sejam considerados de alto risco se o desmatamento continuar.”
Apesar das ameaças, o grupo diz querer continuar investindo no Brasil, mas, para isso, o governo brasileiro teria de demonstrar “um claro compromisso com a eliminação do desmatamento e a proteção dos direitos dos povos indígenas”. Sugere, ainda, “políticas robustas para a redução do desmatamento e a proteção dos direitos humanos como soluções essenciais para contribuir para mercados financeiros eficientes e sustentáveis a longo prazo”.
Repercussão
Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia disse, ontem, que o Brasil deveria dar um “sinal mais claro" sobre as políticas ambientais para não afastar investimentos. Maia afirmou ter recebido cartas de muitos investidores estrangeiros preocupados com a condução da política ambiental e destacou que o setor é caro a empresários americanos e europeus. “O governo deveria dar um sinal mais claro em relação ao meio ambiente. Nós sabemos que esse é um ponto importante para muitos investidores no mundo.”
Para os ambientalistas, a mensagem é clara: “A postura do governo Bolsonaro em relação ao desmatamento e à proteção dos direitos humanos pode promover uma fuga de investidores internacionais do Brasil. Menos investidores significa menos dinheiro vindo para o país e, consequentemente, menos empregos e menos geração de renda. A política anti-ambiental do governo Bolsonaro está deixando suas marcas na floresta, em seus povos e na economia do Brasil”, comentou Luiza Lima, porta-voz da campanha de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou.
Saneamento em votação
Oportunidade de investimento capaz de liderar a retomada da economia no cenário pós-pandemia, o novo marco do saneamento, que estabelece mecanismos para atrair investimentos privados ao setor, está na pauta de votação do Senado hoje.
Especialistas esperam que os senadores não façam mudanças no texto do Projeto de Lei 4.162/2019, para que o PL siga direto à sanção presidencial. Qualquer alteração pode prolongar a discussão, com a necessidade de voltar à Câmara dos Deputados.
A consultoria de relações governamentais BMJ fez um mapa de votação da proposta, segundo o qual, dos 81 senadores, 49 são favoráveis ao PL; seis, possivelmente a favor; 17 são contrários; e nove não definiram sua posição. Evaristo Pinheiro, sócio do BPP Advogados, que tem uma parceria com a BMJ, diz que o tema amadureceu e, por isso, deve ser aprovado com 55 votos. “Está claro que, com os problemas fiscais do país, não será possível garantir os R$ 700 bilhões de investimentos necessários para universalizar o serviço sem o capital privado”, disse.
Apesar de a consultoria dar como certa a aprovação, nem todos os agentes do setor apostam em uma aprovação sem alterações. Presidente da Associação das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), Marcus Vinícius Neves entende que o texto traz pontos positivos, mas defende alternações.
O PL prevê a possibilidade de formar consórcios de municípios para unir os mais atrativos aos menos viáveis economicamente, de forma que o setor privado se interesse em oferecer o serviço. A Aesbe sustenta que o PL permite aos municípios deixarem os blocos.
Segundo Neves, as alterações não vão atrasar a aprovação do PL porque a Câmara não terá de discutir todo o projeto, apenas os artigos que mudarem. “Conseguimos sensibilizar os senadores, porque precisa robustez jurídica”, disse. (SK)
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.